Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Jornalismo ético. É possível?

Num tempo que poderíamos considerar outra “era das cinzas”, onde os seres humanos se digladiam por quase nada, onde a fome está mais presente que a comida, a ousadia mais intrépida que o respeito e o ser humano cada vez mais desumanizado, é – no mínimo – incomum acreditar que a maioria das pessoas ainda valorize qualquer coisa que se fundamente em princípios éticos. Em se tratando de jornalismo, parece que surge, entre as sombras da descrença, a quase certeza de que é possível romper as muralhas da incoerência que obstam a sociedade de trilhar um caminho menos nefasto que esse [que ela hoje segue].

Partindo do princípio de que a informação é um bem a qual todos têm direito, deve-se, todavia, considerar a qualidade na transmissão desse bem; a qualidade na produção desse bem. Qualquer produto que se preze [de qualquer segmento] tem sua linha de produção definida por uma política de qualidade que busque a ascensão da marca ligada a esse produto. Uma vez que técnicas de produção, sob planejamento insuficiente, aliadas a um mau investimento, tornam uma linha de produção contraproducente, o resultado dessa improdutividade é único: a falência dessa linha de produção. Ora, a informação é um produto. E caro. Tem custos de matéria-prima, mão-de-obra qualificada, treinamento em um sem número de investimentos que se adicionam. O negócio é a maneira como esse produto é produzido.

A informação é um bem precioso. No jornalismo, é como o ouro. Colhem-se as pedras brutas [fatos], trabalha-se nelas [apuração] e, depois de vários processos, chega-se ao nível de refino, de lapidação [construção da notícia], até tornar-se objeto de consumo [estar à disposição do público]. Pois é. Aí começam as relações entre o ouro e a notícia. O ouro é usado, em grande parte, para ornar, embelezar. Mas também é ótimo condutor de eletricidade. Ao mesmo tempo em que traz brilho e sofisticação, tem a capacidade de transportar energia, em alta condutância. A notícia também. A notícia orna o mundo, na medida em que o retrata, além de ser ferramenta indispensável para o desenvolvimento de uma sociedade mais informada.

Luz do sol

Uma sociedade bem informada pressupõe a existência de fontes informadoras que desenvolvem um trabalho de boa qualidade. Esse ouro [que é a notícia] precisa ser bem trabalhado, caso contrário, não conquistará seu espaço na atenção das pessoas, pois não chama atenção. E conquistar a atenção é o primeiro passo para conquistar a alma. O grande problema tem sido a falta de limites na hora de escolher a forma correta de refinar o ouro. “Forma correta” não consiste, propriamente, em adequar a própria individualidade na arte de construção textual alguma norma padrão, mas sim em obedecer a princípios que tornam a vida social menos combativa, quer dizer, é preciso seguir princípios éticos para que a disseminação da verdade [tentativa de reproduzir os fatos com fidelidade] prospere no meio social.

Mas são vários os exemplos da incompatibilidade, por vezes existente, entre seguir o caminho certo [e se dar bem] e seguir a contramão da ética [e se dar melhor ainda]. Muitos querem assumir o altar na vida das pessoas; muitos querem ser o ícone; e, para isso, submetem-se a qualquer condição. O artigo 7º, inciso II, do Código de Ética dos jornalistas Brasileiros, resume claramente o que um prestador de serviço de informação não deve fazer. No entanto, um ser social, cuja sobrevivência está vinculada às lutas constantes da vida e que, nessa selva de desavenças coletivas precisa administrar seu convívio e proteger seu habitat, não se entregará aos “deleites” de cumprir, estritamente, o que é “correto”.

Não se faz presente aqui nenhuma apologia à conduta antiética, mas somente a tentativa de evidenciar um ato que às vezes nasce da necessidade. Portanto, a indagação sobre ser possível ou não o exercício de um jornalismo ético é muito pertinente. Assim como é pertinente, também, a compreensão do fato de que nem tudo que obsta os padrões impostos é antiético. Pelo contrário, deve-se considerar e respeitar as bases que orientam o norte de cada um; assim, podem ser considerados antiéticos o comportamento e preconceito formulados, que têm por antiéticas algumas posturas, apenas por serem assumidas em contraste a normas padrão. Encontrar ouro é difícil. É preciso valorizá-lo. A ética, neste contexto, desempenha o papel do fogo que o ourives incide sobre o ouro. O maçarico atiça a chama sobre as controvérsias, sobre a manipulação dos fatos, sobre as vistas grossas e sobre os interesses pessoais, num eterno convite a que o profissional de comunicação procure evidenciar-se pelo exercício contínuo da decência e verdade, e não na busca pela evidência produzida na glória dos corruptos. Os fatos acontecem. É preciso retratá-los. A ética no jornalismo manifesta-se como a luz do sol sobre a terra, mostrando que existem a planície, as montanhas e vales, a terra e a água. E um jornalismo ético é tão possível quanto necessário, na medida em que se vê e se sente, a cada dia, a necessidade de purificar esse ouro que consumimos.

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[Valdevino Albuquerque Júnior é jornalista, blogueiro e mestrando em Ciência da Religião pela UFJF]