Um estudo da Universidade de Oregon, nos Estados Unidos, levantou que um leitor de jornal em papel retém mais que um leitor on-line.
Intitulado Medium Matters – “questões de meio” em uma tradução mais literal ou, em trocadilho, “o meio importa” –, é uma análise sobre o “engajamento com jornais” nos dias de hoje.
Em suma, diz o estudo, “os leitores on-line tendem a escanear os textos, enquanto os leitores de impresso tendem a ser mais metódicos”.
Mais especificamente, o leitor do New York Times impresso recorda em média “significativamente mais notícias” (9,6) que o leitor do site do jornal (7,3). Ele também relembra “significativamente mais tópicos” (4,2) que o leitor on-line (2,8). Por tópico, o levantamento entende a essência de cada texto.
Também quanto aos pontos principais – ou seja, os trechos importantes distribuídos ao longo do texto – o leitor do jornal impresso recorda mais (4) que a pessoa que lê na mídia on-line (2,8).
O único empate na comparação entre papel e site acontece na lembrança de títulos, mais superficial.
A pesquisa registrou o comportamento de 45 estudantes da própria universidade, na grande maioria (77%) habituados a obter suas notícias via internet. Eles foram divididos em dois grupos, para a leitura monitorada das versões em papel e on-line do New York Times.
Arthur Santana, um dos três autores da pesquisa e que foi repórter e editor do Washington Post, avisa que os resultados em nada alteram “o que está ocorrendo com os jornais, ao menos neste país [EUA], onde prosseguem em declínio gradual”.
O pesquisador não acredita que esses resultados sejam indicação de que “os jornais ainda têm uma função útil e necessária”. Santana afirma, entretanto, que “é importante”, inclusive para os próprios jornalistas, “saber e compreender”.
Concentração
A principal explicação para a diferença na retenção seria que um site não apresenta as notícias com a gradação de importância que o papel apresenta. Não dá tantas “indicações de ênfase” ao leitor e, assim, acaba por não cumprir a “função de estabelecer agenda”, característica histórica dos jornais impressos.
O levantamento da Universidade de Oregon também “demonstra que o desenvolvimento de formas dinâmicas [de edição nos sites] teve pouco efeito” no sentido de melhorar a retenção.
Arthur Santana lembra Nicholas Carr, autor de The Shallows – “os rasos”, obra traduzida no Brasil como A Geração Artificial (editora Agir). O livro questiona os efeitos da internet sobre a capacidade de “concentração e contemplação”.
Para o pesquisador, as próprias pessoas hoje se condicionam a ler “apressadamente, dispersamente, desengajadamente”, seja como for.
Coexistência
Para Jack Shafer, crítico de mídia da agência de notícias Reuters, “embora o número de leitores testado seja pequeno, o estudo confirma meu viés de que o impresso é superior”.
Shafer passou um ano sem ler a versão impressa do New York Times, acreditando que não era mais necessário, pois o site já se mostrava superior. Voltou a assinar quando começou a sentir “falta das notícias”. Ele diz que gastava horas no site, mas “não lembrava”, pois a leitura on-line “havia afetado minha capacidade de retenção”.
Apesar de ter recuado ao experimentar ficar sem ler no papel, Shafer diz não ser “nenhum ludita”, referência ao movimento que reagiu às máquinas nas fábricas têxteis inglesas, no século 19, durante a Revolução Industrial.
“Você não pode pesquisar em papel e você só tem acesso a um punhado de edições de fora da cidade, no dia em que são publicadas; portanto, fico contente que os dois meios coexistam.”
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Na publicidade, pesquisa indica efeito semelhante
Um segundo estudo dos autores de Medium Matters, intitulado “Advertising Affinities” – “afinidades de publicidade” –, obteve resultados semelhantes quanto à retenção. O leitor do impresso recorda, em média, 1,3 anúncio publicitário, enquanto a pessoa que lê a publicidade on-line recorda 0,7.
Segundo Arthur Santana, um dos pesquisadores da Universidade de Oregon, um motivo é que os anúncios impressos “são estáticos, não mudam, enquanto no on-line têm natureza efêmera”.
O mesmo grupo de pesquisadores se prepara agora para estender o estudo a tablets e smartphones, “especificamente iPad e iPhone, porque todo mundo parece ter um”.
Questionado, Santana arrisca que, “em linha com a pesquisa, minha teoria seria que as pessoas que leem suas notícias via iPad e iPhone têm a mesma taxa de retenção dos que leem num laptop ou num desktop”.
Em outras palavras, “a imprensa deve continuar sendo um meio melhor de receber e lembrar das notícias”.
Eugênio Bucci, professor da Escola de Comunicação e Artes da USP e autor de Sobre Ética e Imprensa, diz que “internet e tablet são completamente diferentes”.
Para ele, “o tablet substitui o caminhão de entrega”, ou seja, muda só a forma de distribuir. “É evidente que quem trabalha em jornal não trabalha na indústria gráfica, mas na produção de conteúdo.”
Por sua própria experiência e também pela convivência com os alunos de jornalismo na USP, avalia que o tablet “está cada vez mais perto da leitura em papel e tem uma retenção e uma credibilidade equivalentes”, no caso dos aplicativos de jornal.
Lembra que “o hardware ainda está na pré-história”, devendo se aproximar mais e mais do ritual do papel. (NS)
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[Nelson de Sá é articulista da Folha de S.Paulo]