Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Morte e vida na imprensa francesa

A internet, a crise financeira e a difícil conjuntura mundial fizeram mais uma vítima: imediatamente depois do fim da versão impressa do histórico mas já decadente France-Soir, agora foi a vez do jornal econômico francês La Tribune. Criado em 1984 por Bruno Bertez – que reuniu um grupo de jornalistas especializados em economia, considerados de esquerda e originários dos jornais Les Echos e Le Monde –, o último número de La Tribune foi impresso em 30 de janeiro.

À beira da falência, com perdas mensais de 10 milhões de euros (cerca de R$ 22 milhões),o título foi comprado por um grupo de imprensa regional, France Économie Régions, que pretende manter parte dos jornalistas do diário, que empregava 165 pessoas e vendia cerca de 60 mil exemplares. O jornal mantém seu site diário e pretende continuar a circular impresso em versão semanal a partir de abril deste ano.

Com o desaparecimento de La Tribune dos jornaleiros, quem lucra é Les Echos, que se vê numa posição de quase monopólio da imprensa econômica na França. O dono do bem-sucedido jornal, Bernard Arnault, é o homem mais rico da França. Proprietário do grupo de luxo LVMH (que detém entre dezenas de marcas Louis Vuitton e Dior, o champagne Dom Pérignon e parte da marca italiana Bulgari), Arnault já tinha sido dono de La Tribune, antes de comprar Les Echos,em 2007. Logo depois, em 2008, vendeu La Tribune por um euro simbólico a Alain Weill, que por sua vez repassou-o em 2010.

Propriedade de grandes industriais

Weill vê nas dificuldades dos jornais impressos a mudança de um certo modelo econômico com a desmaterialização da imprensa. Mas a verdade é que La Tribune não começou a ter problemas com a crise atual, que já dura alguns anos. O título teve seis proprietários em 27 anos de existência. E apesar de formar com seu rival uma dupla de concorrentes que alimentava uma disputa saudável na divisão dos leitores da imprensa diária econômica, La Tribune nunca chegou a vender como Les Echos – fundado em 1908 pela família Servan-Schreiber –, que tem uma tiragem de cerca de 120 mil exemplares.

Para o historiador da imprensa Patrick Eveno, o desaparecimento de La Tribune é a prova de que não há lugar para mais de um diário especializado em economia nos grandes países europeus. Por outro lado, Le Monde assinalava que a França é o único país industrializado, juntamente com a Itália, em que as grandes empresas de mídia impressa pertencem a grupos industriais, e não a grupos de mídia, como é o caso nos Estados Unidos e na Inglaterra, onde mesmo jornais econômicos como o Wall Street Journal e o Financial Times são propriedades de grupos de mídia, isto é, pertencem a “gente do ramo”.

Na França, o panorama é bem diferente, pois mesmo os grandes jornais e grupos de imprensa são propriedade de grandes industriais. Serge Dassault comprou Le Figaro, Lagardère é dono do Journal du Dimanche e de várias revistas, como Elle e Paris Match, e Arnault possui Les Echos. Mesmo Le Monde passou sob o controle de um trio de industriais, Xavier Niel, Matthieu Pigasse e Pierre Bergé. Libération tem como acionista majoritário Edouard de Rothschild.

Informação no papel

Dentro desse contexto desfavorável para os jornais impressos, Libération canta vitória. No início de fevereiro, uma reportagem do jornal mostrava que apenas quatro diários da imprensa escrita tiveram crescimento positivo na França: Libération foi o que mais cresceu em 2011, comparando com as vendas em 2010. Le Monde cresceu 1,80% em 2011, Le Figaro, 1,85%, Les Echos, 3,04% e Libération cresceu 5,62%.

Prova de que os leitores franceses não se contentam com a leitura de jornais gratuitos nem com as versões digitais de grandes órgãos tradicionais ou e de jornais criados exclusivamente na internet. A informação no papel ainda é insubstituível para um grande número de pessoas.

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[Leneide Duarte-Plon é jornalista, em Paris]