Os estudos de mídia e política se intensificaram no Brasil nas últimas duas décadas (Rubim e Azevedo, 1998). Após as primeiras eleições democráticas diretas, em 1989, toda uma geração de pesquisadores passou se preocupar com temas relativos à comunicação e política, como agendamento, configurações do espaço público, espetacularização, midiatização, propaganda e marketing político-eleitorais, entre outros.
Em seu estudo sobre as pesquisas referentes ao tema, entre 1989 e 2002, Colling (2007) destaca as particularidades dos cenários de cada eleição e as diferentes abordagens que os pesquisadores utilizaram para analisar os dados. Segundo ele, um grupo significativo de estudiosos percebeu, apenas, impactos ruins da imprensa sobre as eleições. “Trata-se de um mesmo discurso crítico, muitas vezes simplista e redutor que, de um modo geral, poderia ser assim resumido: a mídia despolitiza e espetaculariza as eleições, age sempre intencionalmente e manipula e agenda o receptor” (COLLING, 2007, p. 43).
A complexidade da sociedade atual e o desenvolvimento da mídia reconfiguram o cenário da comunicação política. Na contemporaneidade, levando em conta o tamanho das metrópoles e as restrições que o capitalismo impõe, é improvável que os cidadãos possam acompanhar o processo de negociação e deliberação. “(…) a política já não controla de modo pleno a sua própria realização como atividade necessariamente pública” (RUBIM, p. 128, 1999). O acesso à informação e ao acontecimento político está, sobretudo, condicionado á atuação da imprensa. Isso não significa que a comunicação interpessoal, transmitida pelos líderes de opinião não exista. Pelo contrário, passou a concorrer com uma intrincada gama de processos comunicacionais, que se interrelacionam.
Cenários e conjunturas singulares
Nesse sentido, a mídia age como um ator político, interagindo com diversos outros atores sociais na construção da comunicação política. Como consta em Rubim (1999), ela surge como local privilegiado de concentração de poder, na constituição de uma nova dimensão pública e uma nova sociabilidade. Rubim e Colling (2005) enfatizam que os dois campos têm posições, ao mesmo tempo, contrastantes e similares; forças complementares e antagônicas. A relação, pois, é marcada por momentos de conflito, negociação e acordo, na qual a dinâmica é de contínua locomoção. “Esta tensa conexão – porque sempre simultaneamente conflituosa e complementar – coloca continuadamente em disputa os poderes e as predominâncias da política e da mídia” (RUBIM & COLLING, 2005, p. 13).
A mídia não funciona apenas como um elo de intermediação (passiva) entre política e cidadãos. Nesta mediação há intervenção ativa de muitos atores sociais, tais como proprietários das empresas, profissionais, anunciantes, fontes, entidades, forças políticas presentes na sociedade. Além disso, ela sofre os efeitos da cultura e rotinas de produção, que inevitavelmente irão envolver seleções, agendamentos, silenciamentos, enquadramentos etc. (RUBIM & COLLING, 2005, p. 31).
Pode-se concluir, articulando os argumentos teóricos, que a interface mídia/política não assume características sólidas, como um padrão que se repete ano após ano. Os autores pontuam que as circunstâncias de midiatização das campanhas, o modelo de cobertura jornalística e o comportamento dos políticos variam entre as eleições. O entrelaçamento das diversas variáveis que constituem sociedade, economia, política e mídia são responsáveis por cenários e conjunturas singulares. Assim:
os contextos, as conjunturas e os campos de força político-eleitorais de cada uma das eleições presidenciais têm propiciado uma variedade de interações entre o campo midiático e o político, com modalidades diferenciadas de cobertura, com estratégias distintas de campanhas eleitorais etc. (op. cit. p. 33).
Uma sociedade “estruturada em rede”
Seguindo esse raciocínio, Weber (2000) equipara o poder da mídia ao da política, fazendo uma ressalva: a mídia tem a capacidade de difusão de outros poderes. “Somente através das mídias é possível criar uma teia de reconhecimento das ações, sujeitos e instituições políticas e reforçar ideias, temas e movimentos a eles vinculados” (WEBER, 2000, p.17). Contudo, a pesquisadora adota uma perspectiva pessimista ao afirmar que o poder midiático tem a “capacidade pedagógica de despolitizar interferindo no distanciamento entre assuntos políticos e participação política. Tudo pode ser relativizado, desqualificado, desnorteado, quando há cumplicidade de interesses entre a mídia e os políticos” (WEBER, 2000, p. 23).
As transformações da política na era do marketing e da massificação dos meios de comunicação dividiram os teóricos. Schwartzenberg (1977) segue a tradição de Guy Debord e considera que o Estado se transforma em uma empresa teatral produtora de entretenimento e de personagens, culminando na despolitização do público (eleitorado), no que ele chama de mediapolítica. A videopolítica, termo cunhado por Sartori (1989), se refere à mudança das disputas políticas para a televisão. Para Sartori, as mídias operam de acordo com lógicas próprias levando à “emotização” e esvaziamento da política. As eleições, segundo a tipologia de Weber (2000), são o espetáculo político articulado, que abrange a cobertura dos eventos políticos obrigatórios, como eleições, e têm seus conteúdos editados pelas mídias. Para ela, o espetáculo político contraria a “lógica da verdade intrínseca ao discurso político” (WEBER, 2000, p. 34).
Miguel (2004), ao contrário, explica que a política não se tornou um ramo do entretenimento ou da publicidade. Para ele, o discurso político sempre foi retocado, seja por técnicas de retórica, aparência ou timbre da voz. Por isso, “nunca houve nada parecido a um debate ‘puro’ de ideias, desligadas daqueles que as enunciam” (MIGUEL, 2004, p. 3). Os veículos de comunicação expandiram as oportunidades de lidar com o discurso político, em busca de uma linguagem adequada aos meios e às particularidades dos públicos.
Rubim (2002) destaca que o espetáculo é inerente a todas as sociedades humanas e sempre esteve “presente em praticamente todas instâncias organizativas e práticas sociais, dentre elas, o poder político e a política” (RUBIM, 2002, p. 1). Nesse sentido, o que se modifica são as condições dessas relações em uma sociedade contemporânea “estruturada em rede” (Castells, 1996, 1998) e ambientada pela mídia (RUBIM 2000 e 2001)” (RUBIM, 2002, p. 1).
Espetacularização ou apenas midiatização
De acordo com o autor, o espetáculo não é estranho à política. Ele é, ao contrário, uma oportunidade de realização de dimensões estéticas, emocionais, cognitivas e valorativas da política, em cena. O regime de visibilidade contemporâneo “obriga a política a possuir uma dimensão estética” na nova dimensão pública de sociabilidade. “A política não se realiza sem o recurso às encenações, aos papéis sociais especializados, aos ritos e rituais determinados” (opus cit. p. 8).
No entanto, ele distingue espetacularização de midiatização, argumentando que nem tudo que é divulgado pela mídia é espetacularizado. “Midiatização designa a mera veiculação de algo pela mídia, enquanto espetacularização, forjada pela mídia ou não, nomeia o processamento, enquadramento e reconfiguração de um evento, através dos inúmeros expedientes anteriormente analisados” (opus cit. p. 20).
Os veículos de comunicação, em especial a televisão, se tornam palco privilegiado de disputa política na atualidade. Rubim (2002) escreve, todavia que isso não exclui os expedientes de participação política modernos: comícios, passeatas, discussões. Gomes (2004), ainda relembra a importância das negociatas e barganhas que se desenrolam a portas fechadas, longe dos tentáculos da imprensa.
Sobre as eleições, Rubim faz duas observações: a) o embate eleitoral majoritário se dá, sobretudo, na mídia; b) a campanha desenvolvida nas telas exerce impacto sobre as ruas. A política tem modalidades diferentes de exposição midiática, algumas rotineiras, como as atividades dos executivas ou legislativas, outras agendadas – eleições, plebiscitos – e ações de intervenção – passeatas, manifestações – cada um deles pode sofrer espetacularização ou, apenas, midiatização, de acordo com Rubim.
Portanto, existe toda uma região da política não propensa ao espetacular, porque muitas vezes aversa à publicização para ter vigência e eficácia. Mas a zona não espetacular da política não se limita aos acordos, alianças, conversas, avaliações e projeções sigilosas. Existe uma outra dimensão constitutiva da atividade política que não interessa e parece tornar inviável o espetáculo midiatizado. Trata-se, como visto acima, da política ordinária, daquela que se realiza cotidianamente no dia-a-dia, sem grandes apelos, intensas mobilizações ou questões socialmente polêmicas (RUBIM, 2002, p. 27).
Por fim o pesquisador lança um quadro analítico contendo quatro tópicos para a investigação da espetacularização midiática da política: a) eventos não espetacularizados; b) eventos espetacularizados pela política e midiatizados; c) eventos espetacularizados pela mídia; e d) eventos espetacularizados pelos dois campos. Forma de análise, essa, que distingue os processos de criação do espetáculo e permite o entendimento referente às relações de poder dissimuladas pelo espetáculo e os interesses relacionados ao seu acionamento.
A cobertura eleitoral
A cobertura eleitoral, critica Miguel, se reduz às estratégias de disputa por cargos, verbas e apoios, relegando ao segundo plano um debate sobre projetos de sociedade. Mesmo assim, ele relembra que a imprensa atua em conjunto com uma diversidade de outros agentes sociais de interesses conflitantes. Dessa forma, “é inimaginável que os meios de comunicação sejam os porta-vozes imparciais do debate político” (MIGUEL, 2004, p. 05).
Dias (1992) explica que a política eleitoral está embasada em negociatas entre grupos políticos antagônicos, mesmo que adversários apenas pelo controle do poder. As alianças traçam estratégias midiáticas, seguindo os critérios de valores-notícia de cada veículo, para auferir exposição.
O agir político é um agir entre adversários que se esgueiram por entre suas próprias estratégias, como os programas gratuitos de rádio e televisão, para combater os outros. Há agressões, acusações, xingamentos, mas tudo nos limites da palavra, das estratégias da política e, contemporaneamente, do marketing eleitoral, embora a intenção e a motivação sejam destruir e eliminar o inimigo-adversário (DIAS, 1992, p. 36).
A autora identifica que a cobertura jornalística cede mais espaço ao jogo eleitoral que os candidatos as lideranças partidárias dão segmento. Assim, ela ressalta que as notícias são construídas a partir da noção dessa noção de adversarismo presente nas articulações. Por isso, a imprensa trabalha com os posicionamentos táticos dos políticos e as ações engendradas por cada um deles para minar a força eleitoral alheia. “(…) [O] conceito de política presente na cobertura da imprensa esteja relacionado ao confronto que se estabelece na arena política” (DIAS, 1992, p. 38). Ela ressalta, ainda, que a construção narrativa da mídia encobre os interesses do narrador como sujeito politicamente envolvido, pois a lógica apregoada pela mídia é a de um embate entre competidores, sem interferências relativas à cobertura.
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[Marcelo Alves dos Santos Junior é graduando em Comunicação Social – Jornalismo da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) – e bolsista de iniciação científica do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação Científica e Tecnológica financiada pela Fundação de Apoio a Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig)]