O artigo de Michael Gurevitch, professor da Universidade de Maryland, Stephen Coleman e Jay Blumler, professores da Universidade de Leeds, reflete as mudanças no cenário da comunicação política promovidas pela ascensão, primeiramente da televisão e, recentemente, da internet. Os autores explicam que a televisão ainda prevalece como fonte de informação política dos cidadãos. No entanto, esse veículo sofre pressão do crescimento do recente modelo de comunicação política online. A nova ecologia da mídia envolve um universo complexo que interage a comunicação interpessoal, os veículos de massa e a onda de blogues, wikis, redes sociais e sites.
No texto, Gurevitch, Coleman e Blumler (2009) descrevem as alterações na relação entre a política e a mídia, provocadas pelo surgimento e pela consolidação de tecnologias interativas de comunicação. A análise dos autores aponta as consequências desse novo cenário para os políticos, para os profissionais de mídia e para os cidadãos. Nesse sentido, a popularização da televisão, na década de 1960, introduziu uma nova forma de relacionamento entre políticos e cidadãos. O jogo político, a busca por apoio e, sobremaneira, as eleições passaram a ser mediados pela TV. “Política e televisão se tornaram, realmente, instituições complementares, existindo em um estado de dependência mútua” (GUREVTCH, COLEMAN, BLUMLER, 2009, p. 165) [“television and politics became indeed complementary institutions, existing in a state of mutual dependence”].
Cinco alterações
Os profissionais de televisão se posicionaram de forma intervencionista no papel de apresentar os temas e histórias políticos, num processo que resultou em cinco mudanças. Para os acadêmicos, primeiramente, a televisão assumiu o centro da arena política, tornando-se “co-produtora” das mensagens políticas, definindo e construindo a realidade política.
Além disso, a tevê contribuiu para a despolitização do processo político, personalizando e espetacularizando os temas. “Isso talvez seja um produto inevitável do caráter visual desse meio, no qual faces são mais facilmente reconhecíveis e acessíveis pela audiência do que argumentos sobre política” (opus cit. p. 166) [“It is, perhaps, an inevitable product of the visual character of the medium, in which faces are more easily recognizable by and accessible to mass audiences than abstract arguments about policies”].
A terceira alteração constatada: a TV transferiu a política para a sala de estar. Isso causou duas grandes repercussões: o aumento da audiência dos temas políticos, em primeiro lugar, incorporando indivíduos que nunca se sentiram expostos ao processo de decisão; e a dispersão do público entre a grande diversidade de conteúdo de entretenimento. A próxima mudança, embora os autores reconheçam que ela careça de maior análise e pesquisa, foi a diminuição da participação entre os membros da audiência. O argumento se baseia nas mudanças do formato da política na tela, tendo em vista que a os debates televisionados permitiram o exercício da exposição seletiva às mensagens políticas.
A última modificação identificada por Gurevitch, Coleman e Blumler (2009) foi a profissionalização da política. Os partidos se resguardaram de estudiosos de comunicação para moldar suas mensagens e para construir cuidadosamente a pessoa pública de atores políticos em formas compatíveis com a linguagem dos novos meios de mídia.
A chegada da internet
Os catedráticos americanos afirmam que o domínio da televisão começa a ser diluído. A internet faz parte, atualmente, da ecologia midiática e provoca significativas alterações na maneira dos cidadãos se comunicarem e se informarem. Pesquisas realizadas no Estados Unidos mostram que as pessoas mais novas adotaram os veículos de notícia online como principal meio de conhecimento do processo político. Isso não quer dizer que a internet vai tomar o lugar da televisão, mas é uma “evidência de uma reconfiguração ecológica, alteração de papéis e relacionamentos dentro de um panorama midiático” (opus cit. 168) [“evidence of an ecological reconfiguration, recasting roles and relationships within an evolving media landscape”].
Evidência clara desse processo é a participação ativa de cidadãos na circulação de mensagens, como receptores e como transmissores de informação. Os públicos, dessa forma, podem intervir no processo de comunicação política com uma eficácia que não se podia imaginar 20 anos atrás. A internet oferece uma informação alternativa aos meios de massa.
No contexto da democracia política, eleitores que procuram informação online, interagem com campanhas e compartilham seus pontos de vista com outros cidadãos se sentem, mais frequentemente, bem informados, mais eficazes politicamente e com mais vontade de participar no processo democrático (opus cit. p. 169) [“In the context of political democracy, voters who go online to seek information, interact with campaigns, and share their views with other citizens are likely to feel better informed, more politically efficacious, and more willing to participate in the democratic process”].
Essas afirmações, todavia, não desconsideram a influencia da televisão na contemporaneidade. Os meios tradicionais de comunicação persistem, enfatizam os pesquisadores. A televisão continua sendo o meio mais consultado e com maior alcance: o palco de eventos midiáticos. Mesmo assim, as novas tecnologias reconfiguram a comunicação política.
As novas práticas
Assistir televisão não é mais uma atividade de reunião social, como era na década de 1960. As múltiplas opções de canais e a possibilidade de gravar a programação provocaram a fragmentação do que era uma audiência massiva, ou seja, as pessoas veem o que as interessa. O papel de esfera pública da televisão foi diminuído, à medida que se tornaram menores as trocas de experiência, conhecimento e comentários a partir da programação televisiva.
A emergência da televisão, descrevem os acadêmicos, descentrou as esferas pública e privada, liquidificando suas margens. Debates públicos e decisões políticas se misturaram a dramas íntimos e ao divertimento pessoal. A interface entre público e privado aumentou ainda mais com a chegada da internet, que pode destruir ou elevar reputações, e testar ou descartar rumores em minutos. “A ubiquidade das tecnologias midiáticas, das câmeras de telefone móvel e gravadores portáteis, sempre online, estão erradicando as barreiras tradicionais entre publico e privado” (opus cit. p. 170-1) [“The ubiquity of media technologies, from mobile phone cameras and pocket recorders to always-on Internet connections, are eradicating traditional barriers between public and private”].
As especificidades técnicas da internet também reconfiguram o cenário da comunicação política e da interface midiática. Gurevitch, Coleman e Blumler (2009) argumentam que o texto digital é fluido e propenso à viralidade, à interatividade e à remixagem. A comunicação política, segundo eles, se torna muito mais propensa a ruídos e à disfunção.
Enquanto que atores políticos estavam preocupados em produzir performances acabadas para consumo público, políticos contemporâneos são compelidos a pensar sobre audiências interativas e sua capacidade de questionar, desafiar, redistribuir e questionar as mensagens que recebem (opus cit. 171) [Whereas political actors were once concerned to produce polished, finished performances for public consumption, contemporary politicians are compelled to think about interactive audiences and their capacity to question, challenge, redistribute, and modify the messages that they receive].
A integridade monolítica das mensagens está acabada. Assim que qualquer conteúdo é publicado na internet, o material está sujeito a alterações, cortes, adições e re-interpretações. No mundo online, todos podem ser produtores, editores e comentaristas.
As consequências de um novo ecossistema de comunicação
Os meios massivos de comunicação continuam importantes para a disputa política tradicional. O avanço tecnológico e o desenvolvimento social, no entanto, estimularam significantes consequências e reconfigurações para televisão, rádio e jornal. Cada um deles teve que responder a diferentes pressões e questionamentos propostos, assim como políticos, profissionais de mídia e cidadãos se defrontaram com novas oportunidades e desafios.
Nessa linha de pensamento, há muito mais opções de fonte de notícia. Jornalistas dos meios de massa tentaram construir narrativas políticas que se aproximavam a características do drama, como uma arena de disputa de poder, escândalos e gafes, em detrimento da discussão deliberativa dos assuntos. Os profissionais de televisão ainda alcançam um público maior que todos os outros meios somados, tendo um papel central na transmissão dos temas e preocupações públicas.
Os políticos são forçados a lidar com mais espaços de mediação do que antes. Com isso, há inevitável diminuição do controle sobre a agenda de temas políticos em discussão. Isso torna a postura dos líderes políticos mais reativa do que proativa, na definição dos temas da agenda. A fluidez dos limites entre público e privado levou os políticos a enfatizarem personalidades e a construírem pessoas públicas com base em estratégias de marketing e de comunicação.
À disposição dos cidadãos, existe uma vastidão incomensurável de fontes de informação, o que nem sempre garante a pluralidade igualitária de vozes. As pessoas sofrem uma sobrecarga de notícias e se sentem incertas do que merece credibilidade, apontam os acadêmicos. “Enquanto cidadãos tem aceso a mais informação e comunicação do que antes, estes meios não estão distribuídos igualmente. Diferentes graus de acesso refletem formas de desigualdade social, pobreza, pessoas com pouca educação menos comumente tem acesso ou habilidade para usar a internet” (opus cit. 174) [“Moreover, while citizens have access to more information and communication resources than ever before, these are not distributed equally. Access differentials reflect patterns of social inequality, with poorer, less educated people least likely to have access to or skills in using the Internet”].
Em consequência, os cidadãos mais questionadores, que acompanham e criticam, encaram as frustrações tradicionais da ineficiência do processo político. “Um sentimento desorientador de estar conectado tecnologicamente, mas politicamente desconectado, alimenta o desengajamento cívico; cidadãos acreditam que políticos resistem à potencialidade democrática das tecnologias interativas de comunicação” (opus cit. p. 174) [“A disorientating sense of being technologically connected, but politically disconnected, fuels civic disengagement; citizens come to believe that politicians are bound to resist the democratic potentiality of interactive communication technologies”].
O novo cenário estabeleceu mudanças e um ecossistema que está em permanente ajuste e negociação. Cabe a nós saber navegar entre o mundo de fonte de informações e aprender a questionar práticas e posturas duvidosas, em busca de uma comunicação mais democrática, plural e igualitária.
Referência
Gurevitch, M., Coleman, S., & Blumler, J. (2009). “Political communication – old and new media relationships”. The Annals of the American Academy of Political and Social Science, 625 (1), 164-181. doi: 10.1177/0002716209339345
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[Marcelo Alves dos Santos Junior é graduando em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ)]