Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A Carta de Uberlândia

A diretoria do Fórum Nacional de Professores de Jornalismo (FNPJ) divulgou nesta sexta-feira (4/5) o documento final do 14º Encontro Nacional de Professores de Jornalismo (ENPJ), realizado entre os dias 27 e 29 de abril na Universidade Federal de Uberlândia. A Carta de Uberlândia é um documento que sistematiza as políticas e discussões dos professores de Jornalismo reunidos no 14º ENPJ. O texto sinaliza as diretrizes defendidas pelos professores de Jornalismo, jornalistas e pesquisadores em jornalismo no que diz respeito ao envolvimento de jornalistas nos esquemas de corrupção, ainda a importância da implementação democratização dos meios de comunicação no país e que o governo brasileiro garanta, de fato, a segurança da atividade jornalística, tendo em vista os vários assassinatos de jornalistas ocorridos nos últimos meses.

O documento também reafirma a necessidade de o Congresso Nacional dar continuidade ao processo de votação da Proposta de Emenda Constitucional 33, conhecida como a PEC dos Jornalistas e agilidade na aprovação das novas Diretrizes Curriculares pelo Conselho Nacional de Educação.

Abaixo, a íntegra do documento.

Carta de Uberlândia

Os docentes reunidos no 14º Encontro Nacional de Professores de Jornalismo, realizado em Uberlândia, Minas Gerais, no período de 27 a 29 de abril de 2012, manifestam preocupação com as denúncias de envolvimento de jornalistas e de empresas de comunicação no esquema de corrupção montado pelo contraventor conhecido por Carlinhos Cachoeira.

Se comprovadas, as denúncias significam que os valores humanos, democráticos e jornalísticos mais elementares estão deixando de ser respeitados por este pequeno grupo de profissionais e de empresas. No caso específico do exercício do jornalismo, fica gravemente prejudicada a postura de impessoalidade e independência no tratamento da informação jornalística, que se constitui em serviço e bem público necessário ao exercício da cidadania e à constituição de uma esfera pública democrática.

Os professores de Jornalismo alertam para o fato de que esse comportamento é avesso aos valores debatidos nos cursos com os futuros profissionais e para o fato de, apesar de restrito a pequenos grupos de jornalistas, revelar uma forma nova de operação do crime. As notícias até agora divulgadas sobre a Operação Monte Carlo, da Polícia Federal, revelam que jornalistas e empresas são assediados para integrar diretamente uma organização criminosa, e passam a fazê-lo como uma de suas células, com o propósito não só de distorcer a realidade, mas de viabilizar práticas absolutamente ilícitas.

Isso exige de todos os atores sociais envolvidos com o Jornalismo uma postura de revalorização dos princípios éticos e deontológicos da profissão, ações no sentido de blindar a atividade jornalística contra o assédio promovido pelo crime, cassar o registro dos maus profissionais e exigir das autoridades públicas profunda investigação dos fatos e punição aos corruptos e corruptores.

Para os participantes do Encontro, esses fatos sinalizam mais uma vez para a necessidade da democratização da comunicação no Brasil, o que passa pelo estabelecimento de um marco regulatório claro, que assegure, ao mesmo tempo, a liberdade de imprensa e a participação da sociedade no estabelecimento de políticas para o setor, por intermédio de um Conselho de Comunicação independente e com poderes de regulação, como ocorre em boa parte do mundo democrático, conforme proposta aprovada na I Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), realizada em dezembro de 2009.

No caso específico do jornalismo, passa também pela criação, negada pelo Congresso Nacional, de um Conselho Federal e dos Conselhos Regionais de Jornalistas, como autarquia legítima para zelar adequadamente pelo bom exercício profissional do jornalismo, cassando, se necessário e em benefício da sociedade, o registro dos profissionais cuja conduta antiética seja comprovada.

Também é preocupante o aumento da violência contra jornalistas no Brasil, com seis assassinatos ocorridos nos últimos cinco meses. O último da triste estatística foi Décio Sá, de 42 anos, morto com seis tiros, em São Luiz do Maranhão, no dia 23 abril de 2012. Sá era jornalista do estado do Maranhão e dono de um blog conhecido pelas denúncias e críticas contra o poder público e políticos, o que o tornou uma das páginas mais acessadas da região. Tais fatos denunciam a intolerância de certos setores da sociedade com a crítica pública e com os valores democráticos e requerem das autoridades policiais e judiciais ações contundentes no sentido de punir os responsáveis e garantir a segurança necessária ao exercício profissional do Jornalismo, um serviço fundamental à cidadania e à democracia.

Os participantes do 14º ENPJ também reafirmam a necessidade de o Congresso Nacional dar continuidade ao processo de votação da Proposta de Emenda Constitucional 33 (conhecida como a PEC dos Jornalistas), aprovada em primeiro turno no Senado da República, que restitui a obrigatoriedade da graduação em Jornalismo para o exercício da profissão de jornalista. Essa exigência, equivocadamente eliminada pelo STF da legislação que regulamenta a profissão, é condição fundamental para qualificar a atividade, colocá-la em sintonia com as aspirações sociais, devolver minimamente ao Estado a capacidade de regulação da atividade e restabelecer o papel central da instituição universitária na determinação do perfil profissional e, portanto, do perfil de jornalismo que a sociedade brasileira terá.

No que diz respeito à educação superior, os docentes de Jornalismo também manifestam preocupação com a demora na apreciação da proposta de novas Diretrizes Curriculares Nacionais de Jornalismo pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), onde tramita há mais de dois anos. Tal fato gera insegurança, atrasa a atualização dos projetos pedagógicos e da estrutura curricular desencadeada por diversos cursos de Jornalismo em todo o Brasil e posterga mais ainda o processo nacional desencadeado pelo próprio MEC de reconhecimento e de afirmação da identidade e especificidade do jornalismo e dos seus princípios democráticos e republicanos.

Os participantes do encontro reivindicam, ainda, das autoridades competentes, o fortalecimento das políticas de extensão, para que essa prática se efetive como componente fundamental da presença das instituições universitárias na vida das sociedades nas quais estão inseridas. Por fim, os participantes do 14º Encontro Nacional de Professores de Jornalismo denunciam a precarização do trabalho docente, as demissões arbitrárias e a substituição de professores qualificados por outros de menor capacitação, medidas que visam a potencialização do lucro e evidenciam a mercantilização da Educação.

Aprovada na Assembleia-Geral Ordinária do FNPJ realizada no 14º Encontro Nacional de Professores de Jornalismo

Uberlândia (MG), 29 de abril de 2012