Friday, 27 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O Woodstock da comunicação virou tsunami

Em 2001, publiquei neste Observatório um artigo sobre o XXIV Congresso da Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares de Comunicação realizado em Campo Grande, MS. O título, em tom irreverente, era adequado à proposta dos encontros dos comunicólogos: “O Woodstock da comunicação no Brasil”.

Agora, após mais de 11 anos, acabo de voltar do XXXV Congresso da Intercom promovido pela Unifor – Universidade de Fortaleza, na capital cearense. Com mais de 3.000 participantes entre alunos, professores e pesquisadores de Comunicação, devo reconhecer que o Woodstock virou uma enorme onda, um verdadeiro tsunami.

A proposta do Congresso deste ano era ambiciosa e muito apropriada para o país do futebol em contagem regressiva para a Copa do Mundo em 2014 e as Olimpíadas do Rio de Janeiro, em 2016: “Esportes na Idade Mídia: Diversão, Informação”.A conferência inaugural foi proferida pelo antropólogo, professor, consultor, escritor, colunista de jornal e produtor de TV Roberto da Matta. Os organizadores do evento não poderiam ter escolhido melhor pensador para debater a importância do futebol para os brasileiros.

É bom lembrar que Da Matta é autor de um livro referencial sobre o tema, Universo do futebol: esporte e sociedade brasileira (Editora Pinokotheque, 124 pp., 1982). onde ele descreve muito bem a nossa paixão:

“O futebol brasileiro se difere do europeu, pela sua improvisação e individualidade… é regido por leis impessoais, apresentando fatores imprevisíveis que podem dar a vitória para uma equipe considerada menos apta para ser a vencedora, ou seja, não há um modo de prever com segurança uma relação direta (racional) entre os meios e os fins”.

“Um tanto cansado…”

Na abertura oficial do Congresso da Intercom, o teatro da Unifor estava lotado e o professor Da Matta deu um show. Ele falou da origem do esportes na Grécia Antiga e tratou de diversos aspectos, como espírito de competição e o individualismo que caracterizam diversas modalidades esportivas como vôlei, natação, atletismo e futebol.

Também aproveitou para relembrar e ilustrar com diversas imagens que o esporte redesenha a paisagem urbana do Brasil. Se antigamente predominavam nas grandes cidades as igrejas e outros tipos de construções, hoje o que prevalece são os estádios e centros esportivos.

Com muito bom humor, Roberto da Matta discorreu sobre esportes e seus aspectos políticos, sociais, culturais e capitalistas sem deixar de fazer diversas provocações e contar boas histórias sobre a sua longa vida repleta de muitas realizações e algumas inquietações: “Quando me perguntam como um brasileiro deve se comportar nos EUA, eu digo: exatamente ao contrário da maneira que você se comporta no Brasil”.

Foram quase três horas de sabedoria, provocações e irreverências. O professor Roberto da Matta, do alto de seus 76 anos de idade, com mais de meio século dedicado à pesquisa sobre o Brasil e os brasileiros, adquiriu o “direito” de dizer o que pensa. Da Matta não poupa críticas aos antigos desafetos, os teóricos das ciências sociais, e muito menos os “escoteiros” (sic), “aquele bando de garotos que dormem juntos em barracas”. Muitas risadas e ainda mais aplausos.

Para quem deseja conhecer um pouco mais do pensamento desse crítico contundente do Brasil e de suas mazelas, indico o artigo publicado em O Globo – e reproduzido no Diário do Nordeste (7/9) – em que Da Matta cita alguns dos problemas de nossas universidades:

"…talvez seja por isso que hoje, velho e um tanto cansado dos teóricos que pululam nas universidades, eu prefira ler literatura onde ninguém precisa falsificar coisa alguma, porque tudo já está falsificado, satisfazendo de sobra aquilo que buscamos" (ver aqui).

Prêmio e repentistas

Mas outros grandes pensadores brasileiros também abrilhantaram o Congresso da Intercom em Fortaleza. Destaco a presença do guerreiro da Comunicação, o professor José Marques de Melo, que participou de mais um encontro da sua grande criação, Sociedade Brasileira dos Estudos Interdisciplinares de Comunicação (Intercom). Em companhia do professor Antonio Hohlfeldt, presidente da Intercom, Marques de Melo fez questão de entregar os prêmios Luiz Beltrão 2012 às principais instituições e personalidades do campo da Comunicação. A cerimônia foi acompanhada pelas improvisações de uma dupla arretada de repentistas do famoso cordel cearense. Um ideia muito original e criativa para homenagear os premiados de Fortaleza.

Importante sublinhar que o Prêmio Luiz Beltrão da Intercom foi criado em 1998 “como forma de reconhecimento para os pesquisadores e grupos de pesquisa que estejam se destacando no meio acadêmico na área de comunicação. Ele é dividido em duas categorias que são personalidades e instituições e cada um destes grupos subdividido em outros dois, respectivamente: liderança emergente e maturidade acadêmica; e grupo inovador e instituição pragmática”.

Em 2002, o nosso projeto TV UERJ Online, a primeira TV universitária brasileira na internet (ver aqui), teve a honra e o privilégio de receber o Prêmio Luiz Beltrão para Grupos Inovadores no Congresso da Intercom em Salvador, BA. O prêmio garantiu o reconhecimento e a sobrevivência de um projeto inovador que, após 10 anos, continua no ar e é referência para projetos semelhantes de TV universitária.

Fim do mundo

Aproveito para citar a produção acadêmica do Grupo de Pesquisa “Telejornalismo e Sociedade”, coordenado pela professora Iluska Coutinho, da Universidade Federal de Juiz de Fora. Este ano foram selecionados temas igualmente diversos e relevantes que podem ser consultados no links abaixo:

>> Tendências do telejornalismo brasileiro e mundial –Prof. Jacques Alkalai Wainberg (PUCRS)

>> De Boni a Boninho: A mudança estética e conceitual da tv brasileira para atrair a nova classe média– Prof. Flávio Antônio Camargo Porcello (UFRGS)

>> Telejornalismo e Comunicação Dialógica: A Possibilidade do Exercício da Cidadania em Grande Escala– Profs. Alfredo Eurico Vizeu Pereira Junior e Heitor Costa Lima da Rocha (UFPE)

>> Telejornalismo Público: Notas sobre a construção de uma prática e um conceito –
Profa. Iluska Maria da Silva Coutinho(UFJF)

>> Rede Nacional de Telejornais Universitários: uma proposta na internet – Profs. Antonio Claudio Brasil Gonçalves e Carlida Emerim (UFSC)

>> À Imagem e Semelhança do (Ir)real: Novas Visualidades no Telejornalismo – Profa. Edna de Mello Silva (UFT)

>> A TV que cabe no bolso: uma análise de conteúdo do Jornal das Dez da Globo News disponível para recepção no celular– Profa. Cristiane Finger Costa (PUCRS)

>> O papel do repórter nos programas que unem entretenimento e informação: estudo do quadro ‘Proteste Já’ do CQC– Profa. Paula Regina Puhl (Feevale)

O Congresso da Intercom nos proporcionou cinco dias de intensos debates sobre o passado, presente e futuro da Comunicação, além de momentos de sabedoria e humor.

Mas, e o tal tsunami?

Segundo a Agência Experimental do Núcleo Integrado de Comunicação da Unifor, a instituição é “a melhor universidade particular do Norte e Nordeste e a 13ª melhor do Brasil”…

…e o tsunami está no design do outdoor do Congresso.

Eles explicam:

“2012 é o ano de tsunami na Unifor, o lugar onde a onda quebra. Utilizamos o mar como elemento principal, formando uma onda, idealizando o tsunami de informação, e uma brincadeira ao fato de correr rumores de que o mundo como conhecemos chegará ao seu final no fim do ano”.

O XXXV Congresso da Intercom 2012 foi um sucesso. Os organizadores estão de parabéns. Tudo deu certo. Mas tomara que as previsões anunciadas pelos criadores do belo outdoor do evento estejam… erradas.

Se o mundo não acabar, o próximo Congresso da Intercom devera ser em Manaus, AM, em 2013. Não percam.

***

[Antonio Brasil é jornalista e professor da Universidade Federal de Santa Catarina]