No último dia 7 de setembro, Dia da Independência, milhares de pessoas saíram às ruas das principais cidades do Brasil para cobrar por transparência administrativa e punição aos corruptos. O manifesto seria mais um ato, se não fosse divulgação veiculada incisivamente nas redes sociais, através de posts e mensagens compartilhadas. Buscando arregimentar ainda mais pessoas, grupos se encarregaram de transmitir em tempo real, através de links, vídeos e twitadas, os acontecimentos em tempo real.
Tal fato é um exemplo notório da real dimensão que os “espaços de interação virtual” têm consolidado, originando os seguintes questionamentos: como as intervenções provocadas pela internet criam rearranjos identitários? Como elas podem auxiliar o jornalismo no intuito de tornar o telespectador (termo que para muitos teóricos caiu em desuso, pois devido às novas plataformas tecnológicas a nova expressão seria “espect-ator”), cada vez mais partícipe das notícias? E quais as consequências que a proliferação em massa de informações na grande rede pode ocasionar na audiência, tendo em vista a impossibilidade de controlar o que se divulga e tão pouco, o que se é interpretado?
Tais dilemas não são fáceis de discutir. Pois os conceitos de “identidade”, “produção em massa” e “interpretação midiática” são passíveis de inúmeros questionamentos, já que o discurso pode perscrutar por uma seara bastante subjetiva. Mas, mesmo com essas privações, vale o esforço que tal reflexão provoca.
A vida real no campo virtual
Para RECUERO (2009), as redes sociais na internet são constituídas de representações dos atores sociais e de suas conexões. Como bem frisou a autora, o termo “atores” são aqueles que atuam, interpretam, reagem e intervêm. Assim, a expressão “receptor” perdeu sentido (pontualmente, a lógica do processo: emissor- mensagem- receptor, já ganhou novos redimensionamentos).
Na era da interatividade, o importante é construir uma cadeia de contatos e partilhar o que lhe interessa (que pode ser uma publicação acadêmica ou um simples “acabei de acordar”). Assim, o computador que o jovem universitário utiliza continuamente o torna sujeito de uma realidade virtual, onde seus limites são a todo o momento estendidos e seu conceito redefinido (aqui a ideia de “aldeia global”, síntese maior da noção de mundo globalizado, é intencionalmente omitida por considerar, por exemplo, que as vítimas da fome no continente africano, não são integrantes de uma “comunidade conectada”).
Assim, nesse espaço público mediado (BOYD, 2007), as pessoas podem reunir-se publicamente através da mediação da tecnologia, fomentando uma ligação efetiva (se bem que se pode descartar qualquer coisa através de um simples clique), como os temas de interesse em comum, são exemplo: os estilos musicais ou a simpatia literária. Destaquem-se as inúmeras comunidades e grupos no Orkut e no Facebook respectivamente. É essa noção de pertencimento que vai originar o questionamento feito inicialmente, que é a redefinição identitária que se é provocada a partir da intensa participação na grande rede. Exposta e publicizada como reafirmação ideológica ou absorção de valores ou costumes, legitimado por um grupo, sendo produzido e apropriado pelo todo, como lembra BOURDIEU (1983). É a rotina da vida real que se reflete no campo virtual.
Ver- julgar-agir
Todas essas questões suscitadas instigam, por fim, uma criteriosa análise acerca do papel do jornalismo ao “extenso canal de difusão”, a internet. Pois, se é notório a sua capacidade de repercutir temas do cotidiano, de criar heróis ou vilões, defender interesses localizados e de agregar crenças, como filtrar o que realmente é importante para torná-lo cada vez mais público? (tendo em vista que apesar do avanço considerável nos últimos anos, a internet ainda não é um meio de comunicação massivo, tal como a televisão e o rádio). Mais uma indagação que abre caminhos a novas interpretações. Numa perspectiva efetivamente teórica, critérios existem, como frisa BRUNS (2005), que prega o uso do gatewatching, que se refere à observação daquilo que é publicado pelos veículos noticiosos, no sentido de identificar informações relevantes assim que noticiadas.
Portanto, o que seria cogitado como valor do “Capital social” (COLEMAN, 1988; LIN, 2001; PUTNAM, 2000), passa pela avaliação das fontes, filtragem e investigação do canal de reverberação, evitando que equívocos aconteçam devido à intensa repercussão nas redes sociais, levando em consideração as possibilidades de boatos e factoides. Pelas razões refletidas, depreende-se que a comunicação vive uma situação dúbia. Pois, ao mesmo tempo em que os jornalistas integram-se à rede, para a coleta de dados e fatos significativos, os mesmos correm o risco de se levar pelo excesso de informações irrelevantes.
Há um tripé costumeiramente utilizado na rotina da pesquisa científica e que indiscutivelmente pode servir de base para a prática jornalística. Ele se baseia na seguinte sequência: ver- julgar-agir. O grande desafio é não ceder aos vícios virtuais que a produção em massa acarreta e tentar direcionar as energias para adaptar, sempre que possível, o progresso tecnológico à integridade dos conteúdos, o compartilhamento de notícias à democratização da informação e as redes sociais ao contato mais efetivo com o público.
Fontes: Redes sociais na internet, Difusão de informação e jornalismo: elementos para discussão, de Raquel Recuero
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[Emilson Ferreira é estudante e professor, Campina Grande, PB]