A Economia Política da Comunicação (EPC) é uma das interdisciplinas emergentes do campo da Comunicação no Brasil, assim como a Folkcomunicação, a Cibercomunicação e outras. Sua linha de análise dedica-se a estudar os processos de produção, distribuição e consumo dos produtos comunicacionais e culturais no capitalismo contemporâneo. Enquanto interdisciplina, a EPC permite em seu interior a integração de um elevado número de estudos diferentes, desde que sintonizados com as proposições que a condicionam. Tais premissas são as que circunscrevem a própria desigualdade no modo de produção capitalista, incluindo suas lógicas de expansão, as posições de classe e os processos de acumulação. Reconhecendo a importância dos fenômenos simbólicos e comunicacionais, o viés analítico da EPC descarta reducionismos ao considerar as contradições deste mesmo sistema capitalista, além de possuir abertura ao diálogo com tantas outras disciplinas, a partir de incorporações, descartes e superações.
O conceito de interdisciplinaridade pode ser compreendido a partir de duas vertentes, conforme José Luiz Braga recentemente identificou, em Os estudos de interface como espaço de construção do campo da comunicação. A primeira corresponde ao cruzamento de disciplinas ou tecnologias diversas, originárias de outros campos, onde um conhecimento nunca é isolado ou estanque, uma vez que as ciências contemporâneas se inter-relacionam. A segunda diz respeito ao desenvolvimento de um conhecimento locado na interface entre duas ou mais disciplinas estabelecidas, de modo a preencher uma lacuna epistemológica existente. A EPC localiza-se na primeira concepção, cujo desenvolvimento teórico-metodológico enraíza-se na ciência moderna do século 20.
Origem e desenvolvimento
A origem da EPC é uma disciplina geral chamada Economia Política, cujas bases remontam aos séculos 17 e 18, e tem na obra conhecida como A riqueza das nações, de Adam Smith, um de seus textos fundadores. O interesse da Economia Política, desde seu início, foi compreender o conjunto das relações sociais oriundas da crise do regime monárquico, a partir da generalização do mercantilismo e sua extensão ao mundo do trabalho.
O desenvolvimento da Economia Política possibilitou desenvolverem-se dois horizontes teóricos. O primeiro trilha uma linha de raciocínio tecnicista, que barra a investigação social e política, a preocupação histórica e, sobretudo, as relações entre valor e trabalho, privilegiando a circulação de mercadorias e capital. Esta vertente se torna conhecida como Economia, simplesmente, e da Economia Política chamada clássica trouxe o entendimento das categorias e instituições econômicas como baluartes da estrutura social, afeito aos ideais burgueses de predomínio do sistema vigente. A segunda corrente é a que interessa aos estudos da EPC, cuja perspectiva é chamada de crítica, tendo como seu maior representante Karl Marx (1818-1883).
Assim, na contemporaneidade, enquanto a Economia Política clássica esclarece a macroestrutura social, a Economia Política da Comunicação nutre-se da perspectiva crítica para analisar fenômenos específicos gerados no ambiente comunicacional, especialmente seus recursos e relações de poder.
Legado marxista
A construção do materialismo histórico e dialético em Marx, principal método utilizado pelos economistas políticos da comunicação, se dá através da observação dos primeiros textos dos clássicos da Economia Política. Este filósofo considera o método científico “correto” aquele que começa sempre por um objeto ou um conjunto “vivo”, como a nação, o trabalhador, a classe social ou o Estado, entre outros; mas termina por descobrir, através da análise, relações gerais abstratas que são determinantes, tal como a divisão do trabalho, a mercadoria e a mais-valia. O essencial na teoria de Marx é a elaboração de relações baseadas na análise – entendendo relação como as características dos objetos do conhecimento dispostos e compostos em si e entre si no espaço e no tempo.
A maior diferença entre a concepção crítica da Economia Política clássica e a Economia “pura” está nos pressupostos dos estudos de Marx, que fundamentou seu materialismo histórico como o reconhecimento da historicidade e efemeridade dos fenômenos sociais e culturais, opostas às já citadas “leis naturais do capital”, as quais entendem a propriedade, o lucro, entre outros, como independentes da ação e influência do tempo. Marx considerou que todos os processos produtivos são transitórios, tudo que é gerado socialmente depende de como os homens se organizam, inclusive em relação à natureza. Não há como dissociar as relações materiais e os modos de vida, nem tirar o indivíduo do contexto em que se encontra, pois toda forma de consumo, produção e troca é transitória e histórica. Assim, o interesse de Marx se volta para o modo de produção e reprodução da vida material, os quais sofrem influências das relações entre os indivíduos, da relação destes com a natureza e das necessidades da existência social, concernentes ao grau de civilização alcançado pela sociedade e culturalmente transmitido às futuras gerações pelo acúmulo das experiências vividas.
Não obstante, enquanto Marx sustenta que a necessidade constante de expansão do capitalismo seria o motor de sua queda, os estudiosos da EPC negam esta posição. Reconhecem a competentíssima disseminação do modo de produção capitalista em todo o mundo, com uma capacidade de contínua adaptação às crises surgidas, tratando o estudo dos fenômenos do seu interesse desde uma ótica global, acompanhando o caminho percorrido pelo capital internacionalizado. Ainda, o entendimento dos movimentos do capital em Marx é diferente de seus herdeiros teóricos da EPC, por considerarem estes que o capital internacionalizado não criou as condições para sua própria queda, como advertia o filósofo. O que se vê, contrariamente, é a criação de um sistema-mundo colocando as indústrias culturais como objeto de pesquisa, dentro de um cenário que transpõe a sociedade nacional como unidade de análise. Neste sistema, há um “centro do mundo”, de onde partem as determinações para as regiões intermediárias e dependentes, configurando um esquema de troca desigual e hierárquica.
Fundamentação metodológica
Os economistas políticos da comunicação compreendem que, enquanto ciência das leis que regem as macroestruturas sociais, o materialismo histórico e dialético é capaz de explicar cientificamente os problemas gerais e cardinais do chamado mundo da vida, desde seu conjunto quanto de qualquer um de seus aspectos separadamente. Em outras palavras, considera a sociedade num todo, não se tratando da análise acidental ou isolada de objetos ou fenômenos, mas sim destas relações interligadas organicamente, dependendo umas das outras e condicionando-se reciprocamente.
Trata-se, antes de tudo, de um estado de movimento e mudança perpétuos, em que renovação e desenvolvimento são incessantes e contínuos. Por este motivo a disciplina tem rompido, desde seu surgimento, com posicionamentos que desconsideram o papel central do capitalismo e suas dinâmicas. Sua perspectiva de análise é fundamentada a partir da historiografia, utilizando-se de análises macro-abstratas para compreender as particularidades dos fatos, isolando sujeito e objeto; ainda pode eventualmente considerar diferentes paradigmas teórico-metodológicos, quando assim julgar necessário, de modo a constituir seu próprio método ou teoria do conhecimento.
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[Roger Bundt e Andres Kalikoske são professores de Comunicação na Unisinos]