Quem diria que a mais alta corte da justiça brasileira precisaria lançar mão de argumentos retóricos e basicamente políticos para decidir sobre uma questão central para cerca de 80 mil profissionais do jornalismo, além de outros milhares de estudantes (futuros jornalistas), como aconteceu no Supremo Tribunal Federal (STF) no último dia 17/06/09?
Seria de se esperar que, para decidir sobre qualquer assunto específico, os magistrados do STF se fossem basear em argumentos e justificativas técnicas – com sustentação jurídica, lógica e coerente – e não, ‘impressões’, opiniões sobre interpretação da história brasileira e comparações desmerecedoras de uma categoria que lutou (e, em alguns casos, pagou com a própria vida) pela democracia neste país.
Comparar jornalismo com ‘arte’ e literatura é típico de uma impressão que desconhece o que faz, cotidianamente, um jornalista em sua rotina de produção. E, pior, alegar que a defesa do acesso à profissão se confunde com liberdade de expressão equivaleria dizer que o acesso à justiça – defendido pela grande maioria da população – estaria restrito, constitucionalmente, na medida em que se reconhece a importância da formação e existência de um advogado.
Qual o argumento justificativo?
Outro momento que joga luz (e inconsistência) à decisão do STF sobre o caso pode ser ilustrado pela comparação da especificidade profissional em jornalismo com práticas de culinária ou ‘corte e costura’. Estariam, de fato, os representantes maiores da suprema corte judicial do país, convencidos de que tal argumento justifica a decisão tomada? O que diriam, senhores/as, se alguém – na rua, praça, bar ou shopping – comparasse suas habilidades técnicas e competências profissionais com a prática de outras atividades que não exigem formação universitária, como ocupações operacionais que dispensam competências e habilidades conceituais?
Por que os ministros do STF não optaram, diante de tamanha e visível confusão de argumentos ou opiniões (talvez impressões!), por consultar profissionais, técnicos ou pesquisadores da área diretamente interessada, antes de tomar tal decisão? Senhores, desta vez não se pode dizer que a mídia ‘queimou’ a imagem do judiciário brasileiro… Pelos argumentos apresentados, sem lógica e sustentação defensável (o que seria de se esperar de qualquer esfera e decisão judicial, em qualquer lugar do mundo contemporâneo), foi o próprio ‘supremo’ o responsável.
Recentemente, senhores ministros, a sociedade brasileira presenciou um bate-boca, no mínimo, estranho, entre dois ministros desta importante esfera decisiva judiciária. Será que tal ‘debate’ – já acessado por milhares de contribuintes brasileiros na internet – tem algo em comum com a postura adotada pela maioria dos integrantes do STF no último dia 17/06/09? Gostaria, lógico, de acreditar que não haveria nada em comum entre as duas situações!
Concretamente, qual o argumento técnico, jurídico e constitucional que justifica a decisão contrária à exigência de diploma universitário para o exercício profissional em jornalismo? Não é possível identificar, ao longo do tempo em que o assunto foi apresentado (e pouco ‘discutido’, efetivamente) no STF, dia 17/06/09, qualquer justificativa neste sentido.
Indícios de desrespeito
E, agora, o que dizer aos milhares de profissionais que apostaram parte importante de suas vidas na formação universitária diante de tal decisão? E para os estudantes, que entraram nos cursos universitários com base numa legislação – vigente no Brasil, que assegura(va) o acesso à profissão pela formação universitária –, não existiria nenhum direito adquirido?
A imagem do STF não foi criticada pelos profissionais da imprensa… Há antecedentes mais sérios, preocupantes e contraditórios, que uma corte judicial não deveria provocar, como um bate-boca exibido ao mundo todo, argumentos sem senso comum e sem convencimento jurídico que poderiam justificar a decisão pelo fim da exigência de formação superior em Jornalismo.
Da parte do STF existe ainda, em tal decisão, indícios de um claro desrespeito às universidades e aos milhares de profissionais graduados (em Jornalismo) ao longo das últimas quatro décadas em todo o país. As mesmas universidades, diga-se de passagem, que possibilitaram que os ministros se tornassem, hoje, representantes da corte maior da ‘justiça’ brasileira!
‘Argumentos’ e opiniões similares
Senhores, as dúvidas de milhares de profissionais, estudantes, e de milhões de brasileiros que contam com o jornalismo para assegurar alguns direitos sociais – mesmo quando os responsáveis por diversos serviços públicos tentam ignorar ou alegam desconhecer – precisam de explicações, ou ao menos justificativas convincentes. Nada de achismo, comparações desqualificadoras ou comentário senso comum!
Sem tais explicações, talvez seja o momento de a sociedade civil organizada pensar em outra forma de organizar o país… Começando pela defesa de concurso público (universal e transparente), sem qualquer exigência técnica ou de formação profissional, para exercer o cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal do Brasil. Isso pode não ser bom, mas poderia ser uma alternativa… Para (des)regulamentar tudo!
Do contrário, o corporativismo e as decisões políticas (como possíveis indicações e trocas de favores) continuariam a existir. E aí o risco é que, em futuras decisões, outros setores profissionais podem ser atacados com ‘argumentos’ e opiniões muito similares.
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Jornalista, professor e contribuinte (que também paga salário de ministro), Ponta Grossa, PR