A opinião pública na política brasileira possui um papel relevante tanto nos períodos de normalidade democrática como em momentos de crise política. As realizações de pesquisas de opinião pública, que são uma constante na nossa vida política, sempre estão preocupadas em saber o que os cidadãos pensam sobre determinadas temáticas.
O conceito de opinião pública não é homogêneo e é compreendido de diferentes maneiras por várias abordagens. Portanto, não existe unanimidade em relação ao conceito de opinião pública, muitas vezes significando um agregado de opiniões individuais ou, outras vezes, compreendido como reflexo das opiniões da maioria.
‘Embora os primeiros ensaios sobre a opinião pública e sobre o público aparecessem já no fim do século 18, é sobretudo a partir de meados do século 20 que o conceito começa a ser amplamente trabalhado. Walter Lippmann, em 1922, comentaria: `Aceitando que a opinião pública é o principal motor nas democracias, seria razoável esperar encontrar uma literatura vasta. Mas não […]. A existência da força chamada opinião pública é sobretudo um dado adquirido´’ (LIPPMANN, 1960, p. 253, apud SILVEIRINHA, 2004, P. 2004, P. 410).
Silveirinha recupera autores que trabalharam com a problemática da opinião pública, percorrendo desde J.Bentham, J. Mill, passando por Immanuel Kant, Hegel, Tocqueville e Habermas. Na avaliação de John Stuart Mill, a opinião pública seria o grande problema das modernas democracias, pois dentro desta visão a maioria conduziria o governo e os indivíduos se perderiam nas massas: ‘Atualmente os indivíduos estão perdidos na multidão. Em política é quase uma trivialidade dizer que agora a opinião pública governa o mundo. O único poder digno desse nome é o poder das massas e dos governos que se tornam o órgão das tendências e dos instintos das massas’ (MILL, 1997, p. 68-69 apud SILVEIRINHA, 2004, p. 421).
Os autores estudados por Silveirinha remetem a discussão sobre opinião pública à imprensa, como um dado fundamental que dá sustentação à sua constituição. Tanto Tocqueville como James Bryce expressam uma preocupação com a opinião pública, muitas vezes identificada com a ‘tirania da maioria’, visto que prevalece a opinião da ‘maioria silenciosa’ e não dos indivíduos e o predomínio da diversidade. Bryce, por exemplo, reforça a presença dos meios de comunicação de massa como poderosos e ‘os jornais como os órgãos mais importantes e mesmo cruciais, pois refletem a opinião pública’ (SILVEIRINHA, 2004, p. 424).
Na avaliação da autora, Gabriel Tarde considera que ‘a opinião é para o público moderno o que a alma é para o corpo’ (TARDE, 1986, p.79 apud SILVEIRINHA, 2004, p. 425). ‘A opinião é definida como um grupo de juízos, momentâneo e mais ou menos lógico, que responde a problemas reais e que se encontra reproduzida em numerosas pessoas do mesmo país, do mesmo tempo e da mesma sociedade’ (SILVEIRINHA, 2004, p. 426).
Tönnies avalia os jornais como fundamentais para expressão de ideias e como veículos de informação, para a formação da opinião pública. Na avaliação de Silveirinha, Lippmann afirma que ‘a democracia está, pois, em perigo, porque os modernos mass media servem apenas para reforçar as opiniões estereotipadas, sendo que a opinião pública é simplesmente a agregação de opiniões privadas informadas pelos media‘ (SILVEIRINHA, 2004, p.432).
Não se pode falar de uma opinião pública, e nem de uma somatória de opiniões, pois existem vários públicos e a própria opinião pública não pode ser pensada fora dos media. O trabalho de Stuart Hall levanta a questão de que ‘os media têm um papel fundamental no moldar da opinião pública, mas os autores reconhecem que há um nível de experiência pública que existe fora dos media‘ (SILVEIRINHA, 2004, p. 438).
‘O objectivo da política mediada é usar a comunicação de massa para mobilizar o apoio público necessário para ganhar eleições e implementar os seus programas, a opinião pública sofre uma tecnificação e objectificação, passando a ser medida e `contabilizada´ sob a forma numérica, constituindo-se como um barômetro permanente… que `aquece´ ou `arrefece´ a acção política institucionalizada’ (SILVEIRNHA, 2004, p. 441).
Na avaliação de Ortega, ‘a proliferação de toda espécie de sondagens nos meios de comunicação é algo mais que um desejo de precisão social. É também um eficaz instrumento de dirigir a atenção da sociedade e dos políticos para certos temas’ (ORTEGA, 2000, P. 77 apud SILVEIRNHA, 2004, p. 441).
O conceito de opinião pública é visto por Pierre Bourdieu (BOURDIEU, 1982) como tendo ‘um valor quase puramente empírico de validade questionável’ (SILVEIRINHA, 2004, p. 442). Bourdieu considera a opinião pública como ficção e produzida como produto de uma retórica, sendo reduzida a sondagens de opinião e a instauração do que se poderia chamar de `sondocracia´. As pesquisas de opinião não possuem fundamento crítico, reflexivo ou comunicativo.
Bourdieu afirma que ‘a opinião pública não existe’: ‘Primeiramente, toda pesquisa de opinião supõe que todo mundo pode ter uma opinião; ou, em outras palavras, que a produção de uma opinião está ao alcance de todos’ (BOURDIEU, 1982, p. 137). O autor não parte da crítica à representatividade das amostras para problematizar as pesquisas de opinião pública, mas identifica um caráter político nas problemáticas propostas aos entrevistados. Nesse sentido, afirma que ‘a sondagem de opinião pública, no contexto atual, é um instrumento de ação política; sua função mais importante consiste talvez em impor a ilusão de que existe uma opinião pública como pura adição de opiniões individuais’ (BOURDIEU, 1982, p. 139-140).
¿Para qué sirven los sondeos? Como en el caso de los medios, sirven para informar, entreter y educar. El papel de los medios modernos – es decir, la prensa, la radio y la televisión – es informar al lector, al oyente y al telespectador, acerca de lo que sucede dentro del mundo en el que viven. Además, es hacerlo de una manera entretenida y, como resultado, mejorar su conocimiento de las circunstancias que rodean los sucesos sobre los que se les informa’ (WORCESTER, 1995, p. 187).
As pesquisas informam o que os outros pensam sobre determinados assuntos e a publicização nos meios de comunicação pode auxiliar os indivíduos a compreenderem determinados assuntos e, a partir desse conhecimento, atuarem de uma maneira ou de outra.
‘Los sondeos pueden revelar hasta qué punto el público está informado acerca de qualquier tema, y si tiene opiniones firmes sobre el mismo; al mismo tiempo, pueden dar a conocer qué hace la gente y a qué medios de comunicación está expuesta’ (BLUTLER y ROSE, 1960 apud WORCESTER, 1995, p. 188).
As sondagens, quando realizadas pelos meios de comunicação, servem para informar, instruir e entreter, daí a propagação de pesquisas encomendadas pelos diferentes meios. Também são utilizadas pelos partidos políticos e por grupos de pressão, que querem influenciar a opinião pública, problematizando assuntos políticos.
No caso brasileiro, as pesquisas de opinião pública serviram como legitimadoras das ações governamentais e como ator importante na condução dos processos políticos e como instrumento para a elaboração e condução das políticas públicas e políticas governamentais. As pesquisas de opinião pública também são utilizadas para legitimar políticas adotadas pelos governantes e auxiliam na elaboração de políticas públicas e programas partidários. Todos querem saber o que a chamada opinião pública pensa a respeito de certos assuntos.
Breve Histórico do Observatório da Imprensa
O site Observatório da Imprensa é uma iniciativa do Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo (Projor) e do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Universidade Estadual de Campinas (Labjor/Unicamp). O site tem como foco a crítica da mídia e a problematização do papel dos meios de comunicação de massa na configuração da opinião pública. Desde 1996 o site está no ar e é diariamente atualizado. Conta com uma equipe de editores, redatores e colaboradores, responsáveis pelas edições que têm periodicidade semanal. Posteriormente, em maio de 1998, o OI ganhou uma versão televisiva, produzida pela TVE do Rio de Janeiro e pela TV Cultura de São Paulo, transmitida semanalmente pela Rede Pública de Televisão.
A partir de maio de 2005, o Observatório da Imprensa chegou ao rádio, com um programa diário atualmente transmitido por emissoras em São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Distrito Federal.
O OI atua como fórum permanente de usuários da mídia – leitores, ouvintes, telespectadores e internautas – articulados em entidades desvinculadas das empresas jornalísticas, com ênfase na participação, livre manifestação de opiniões e análises sobre a cobertura realizadas pelos grandes meios de comunicação a respeito de vários temas da agenda brasileira e internacional.
Trata-se de uma entidade civil, não-governamental, não-corporativa e sem vínculos partidários que acompanha, junto com outras organizações da sociedade civil, o desempenho da mídia brasileira na produção e disseminação de notícias. Cabe ressaltar que, segundo o próprio site, o OI não pretende ‘competir, substituir ou alinhar-se’ às entidades associativas, tais como a ABI, a Fenaj, a Abert, a ANJ e a Aner, mas se coloca na perspectiva de problematizar a atuação dos meios de comunicação, considerando a importância da mídia na configuração da contemporaneidade.
A inspiração para criar um observatório de mídia ocorreu a partir de três iniciativas pioneiras: a media-watching, surgida nos Estados Unidos, o ombudsman e o media-criticism. Essas experiências foram fundamentais para sensibilizar inicialmente os profissionais de comunicação e, posteriormente, outros setores da sociedade, preocupados com a importância de se debater o papel da mídia e a complexidade da função jornalística na sociedade moderna.
Entre as questões centrais que preocupam os articuladores do OI destacaríamos a natureza pública do chamado ‘produto’ jornalístico que é a informação. Em uma era na qual a informação é a base para organização da vida social e política, observamos o aumento crescente da importância dos veículos de comunicação. Considerando que os meios de comunicação de massa são produzidos por empresas privadas norteadas por interesses próprios, nota-se que esses interesses influenciam diretamente nas decisões ou atendem às decisões dos acionistas ou representantes, levando a um tipo de enfoque das informações veiculadas.
Cabe ressaltar que a informação jornalística pode ser produzida e disseminada por um veículo privado, mas é, inquestionavelmente, um serviço público, com garantias legais previstos em vários artigos da Constituição, o que pressupõe a responsabilidade social em relação às notícias veiculadas.
A sociedade civil deve abranger sucessivos níveis de monitoração e atuação, de forma a diminuir a distância entre os poderes e a cidadania, convertendo-se ela própria em uma instância. No caso dos meios de comunicação de massa, o Observatório da Imprensa propõe-se a funcionar como um atento mediador entre a mídia e os mediados, preenchendo o nosso ‘espaço social’, até agora praticamente vazio.
Para discutir a relação entre enquetes e OI
No presente artigo, o ponto de partida foi a seguinte questão: qual o papel da enquete na configuração da opinião pública?
A partir dessa questão inicial, outros temas surgiram. Em primeiro lugar, a importância de retomar algumas definições e teorias que se debruçaram sobre o polêmico conceito de opinião pública. Em segundo lugar, enfocamos nossa reflexão em torno da Internet para compreendermos as características da sociedade interconectada. Em terceiro lugar, compreender o papel da enquete no site do OI.
A primeira definição importante está na diferenciação entre enquete e pesquisa de opinião pública. Essa conceituação é importante, considerando que, muitas vezes, enquete e opinião pública são tratadas como sinônimos.
Partindo de uma definição ampla e geral, a pesquisa de opinião pública pode ser compreendida pelo uso de procedimentos científicos para mensurar a opinião dos indivíduos em um universo previamente estabelecido. A partir da escolha do universo temos várias etapas, como por exemplo o tamanho da amostra de entrevistados, a elaboração de questionário estruturado ou semi-estruturado, a classificação socioeconômica dos informantes, entre outros aspectos.
Essas pesquisas vêm adquirindo um papel cada vez mais fundamental nas decisões políticas e são amplamente utilizadas nos processos eleitorais ou nos momentos decisivos da realidade social e política e pode contribuir para a tomada de decisões. Governantes, partidos políticos, personalidades públicas fazem essas consultas para orientar suas ações, corrigir rotas ou, ainda, para compreender os humores da população.
Desse modo, nota-se que a divulgação dos resultados dessas pesquisas são utilizadas como se fosse a radiografia da opinião pública, principalmente pela cientificidade dos procedimentos estatísticos utilizados nas várias etapas de coleta e tratamento dos dados.
A enquete não é estruturada como a pesquisa científica, não utiliza procedimentos estatísticos e não adota uma amostra do universo de entrevistados. Possui caráter aleatório e não tem como postulado verificar a opinião em diversos estratos sociais como a pesquisa de opinião pública estruturada. A enquete faz uma pergunta direta sobre um tema que esteja no centro de um debate travado publicamente, portanto quer identificar uma opinião simples no ‘calor’ do momento.
As enquetes são amplamente utilizadas por sites e blogs jornalísticos. Alguns sites ou blogs possuem enquetes diárias que são empregadas para captar a opinião dos internautas, mas também funcionam como aspecto que impulsiona a interatividade. Nossa hipótese provisória é que a enquete está para a ciberpolítica assim como a pesquisa de opinião pública está para a mídia impressa.
Considerando a velocidade da comunicação exercida na blogosfera, a enquete funciona para ajudar a potencializar o debate em torno de determinado tema sem perder o ‘calor’ da discussão; portanto, a partir da divulgação de uma informação, a enquete pode ser colocada no ar e passa a contabilizar automaticamente as manifestações dos internautas. Mesmo que ela não tenha a preocupação de ‘representar’ a opinião pública contemplando todos os segmentos sociais.
Por outro lado, temos as pesquisas de opinião divulgadas pela mídia impressa. A elaboração de uma pesquisa pressupõe um conjunto de etapas que vão desde a elaboração do questionário, definição da amostra, organização do trabalho de campo, tabulação dos questionários e a análise dos resultados obtidos. Após o cumprimento dessas etapas são publicados os resultados da pesquisa. É a partir deles que se inicia o debate sobre o tema abordado.
No caso específico do OI, identificamos a seguinte preocupação com relação ao papel desenvolvido pelas pesquisas de opinião pública, manifestada em seu site:
‘No caso da mídia, a cidadania foi convertida num conjunto de consumidores, ficticiamente vocalizados por pesquisas de opinião pública que empregam metodologia quantitativa, necessariamente redutora, e com pautas alheias aos reais interesses e necessidades dos opinadores’ (OI, 2009)
Nota-se que o mesmo questionamento de Bourdieu se manifesta na forma como os articuladores do OI veem a utilização das pesquisas de opinião pública. Para além do questionamento sobre a composição das amostras, nota-se que muitas vezes ocorre uma utilização de indicadores de opinião pública para a legitimação de determinados processos políticos.
No caso do site do Observatório da Imprensa, as enquetes fazem parte da divulgação do debate realizado no programa semanal de TV. A cada semana um tema é escolhido para ser comentado pelos convidados e a enquete é uma forma de criar a interatividade com o público. Os telespectadores votam no site e, posteriormente, o resultado é divulgado no próprio site. Ali encontramos os resultados das enquetes realizadas desde 2005 no item ‘Balanço da urna’ (http://www.teste.observatoriodaimprensa.com.br/urnindex.asp).
Para Luiz Egypto, redator-chefe do OI [entrevista realizada por e-mail em 08/05/09], as enquetes no site desempenham o seguinte papel:
‘Nada mais do que isso, apenas uma enquete sem pretensões científicas – até porque não seria este o caso. Seu objetivo é estabelecer um link do site do Observatório da Imprensa com o tema daquela semana do programa de TV do Observatório, produzido pela TV Brasil e transmitido pela rede pública de televisão às terças-feiras, ao vivo, desde maio de 1998.’
No site, existe uma chamada para a TV do Observatório, porém a imagem e o som não aparecem. O site limita-se a reproduzir a fala introdutória do programa feita pelo jornalista Alberto Dines. Portanto, não dá para acompanhar a discussão ocorrida na TV. As enquetes, de certa maneira, nos ajuda a situar a temática apresentada, mas é muito limitada e insuficiente para compreender todos os aspectos levantados e polemizados nos programas.
Segundo Luiz Egypto, ‘a enquete fica aberta à votação por uma semana, sempre a partir das manhãs de terça-feira. O tema é vinculado à pauta do programa televisivo do Observatório. Quando, eventualmente, se trata de uma reprise, o tema passa a ser algum assunto em evidência na semana, mas sempre com um enfoque midiático’.
Selecionamos o período entre janeiro e maio de 2009, para observamos os principais temas das enquetes. Agrupamos as enquetes do período em quatro blocos temáticos: mídia brasileira, cobertura da política nacional, cobertura da política internacional e atuação da divulgação de informações sobre temas de interesse geral.
Mídia brasileira
A primeira questão identificada na seleção dos temas das enquetes é que elas não necessariamente estão dialogando com a agenda da mídia. Nota-se que o Observatório se coloca na perspectiva de pautar determinados temas que dificilmente seriam abordados pelos grandes veículos de comunicação. Trata-se de uma agenda do OI, ou seja, dos temas considerados relevantes para os articuladores do Observatório, que devem ser colocados em debate, mesmo que não façam parte da agenda definida pela grande mídia.
No primeiro bloco, sobre a mídia brasileira, observa-se que o conjunto de enquetes tinha como objetivo identificar a posição dos telespectadores sobre alguns aspectos importantes a respeito da atuação dos meios de comunicação no Brasil. Essa preocupação se manifesta nos seguintes resultados:
06/01/09
Como avalia o desempenho da mídia brasileira em 2008?
Respostas | Votos | Porcentagem |
Excelente | 7 | 1,00% |
Bom | 24 | 3,00% |
Satisfatório | 67 | 10,00% |
Insuficiente | 208 | 30,00% |
Péssimo | 393 | 56,00% |
Total de votos: 699 |
Os resultados apresentados demonstram o descontentamento em relação à cobertura dada pelos meios de comunicação e aponta para o questionamento da atuação da mídia: 86% qualificam a cobertura de 2008 como péssima ou insuficiente. Cabe ressaltar que, de maneira geral, o perfil do público que acompanha tanto o programa de TV quanto o site do OI é de um segmento da população considerado bem informado, que acompanha vários veículos de comunicação e se preocupa em confrontar as notícias veiculadas por esses meios.
Outro tópico importante nesse item se refere ao debate em torno da Lei de Imprensa, legislação regulamentadora da atividade jornalística. Foram realizadas enquetes para analisar a opinião dos telespectadores em torno da manutenção ou do fim da lei; sobre a importância da garantia do direito de respostas; e, talvez o mais importante, se a manutenção da lei é capaz de tornar a imprensa mais responsável. Trata-se de uma discussão que, sem dúvida, vincula-se mais às preocupações dos profissionais de mídia, mas que deve ser ampliada considerando o caráter público da atividade desses profissionais.
Conforme podemos observar no artigo publicado pela jornalista Correia, recuperando o histórico da Lei de Imprensa:
‘Em 30 de abril de 2009, sete dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram pela revogação da Lei 5.250 – Lei de Imprensa –, publicada em 9 de fevereiro de 1967. Assinada pelo marechal Humberto de Alencar Castello Branco, primeiro presidente do período governado por militares, a norma visava regular a liberdade de manifestação do pensamento e da informação, porém trazia em seu bojo um viés repressor. Sua extinção não foi por unanimidade e o debate entre os juízes da suprema corte se estendeu por longas horas, o que reflete a delicadeza da matéria’ (CORREIA, Genira Chagas, 2009).
Ao colocar esse tema em debate, o OI cumpre com seu papel de discutir a imprensa, ou seja, busca ampliar o debate e tentar incluir os segmentos sociais preocupados com qualidade da informação jornalística e com a garantia da liberdade de comunicação e de expressão, princípio fundamental para a consolidação de uma sociedade democrática.
As transformações provocadas na mídia impressa com o advento da Internet também foram objeto de enquetes. Conforme podemos observar, 53% das respostas avaliam que a qualidade do jornalismo na internet é melhor em relação aos demais veículos de comunicação, enquanto que 24% acreditam que seja pior.
31/03/09
Como avalia a qualidade do jornalismo na internet em relação aos demais veículos de comunicação?
Respostas | Votos | Porcentagem |
Melhor | 457 | 53,0% |
Pior | 202 | 24,0% |
A mesma | 196 | 23,0% |
Total de votos: 855 |
O debate em torno da relação entre mídia impressa e internet é complexo e suscita polêmicas. A situação das empresas de mídia impressa demonstra uma crise que não tem um caráter exclusivamente financeiro, mas também inclui a perda da exclusividade na divulgação de informações. Com a internet, nota-se que pouco a pouco a mídia impressa perde essa primazia, enquanto que blogs, sites e outras mídias eletrônicas passam a ser utilizados para a obtenção de informações por setores que, anteriormente, não possuíam canal de diálogo, tal como proposto por esses novos formatos jornalísticos presentes na internet.
Esse debate foi travado pelo sociólogo Paul Starr, professor da Universidade de Princeton (EUA), e Steven Hohnson, fundador de uma das primeiras revistas online. Para Starr:
‘As pesquisas em ciências sociais mostram que, onde a mídia noticiosa é fraca, a corrupção está muito mais presente. Sem uma imprensa independente capaz de cobrar responsabilidade dos governos locais e estaduais, o projeto básico de uma democracia federal fica comprometido. A internet está enfraquecendo a capacidade da imprensa de subsidiar a produção de jornalismo de serviço público, e isso por uma razão, sobretudo’ (FSP, 10/05/09 – Caderno Mais, versão online)
Por outro lado, Johnson afirma:
‘Acho que existem boas razões para pensar que o sistema de notícias que está se desenvolvendo online será melhor que o modelo dos jornais com o qual convivemos nos últimos cem anos. Uma maneira de enxergar essa transformação é pensar na mídia como um ecossistema. Na maneira como ela circula a informação, a mídia de hoje é, de fato, muito mais próxima de um ecossistema do que era o velho modelo industrial e centralizado da mídia de massas. O novo mundo é mais diversificado e interligado’ (FSP, 10/05/09 – Caderno Mais, versão online)
A reconfiguração na estrutura das empresas de mídia e os modelos vigentes da mídia impressa na produção e divulgação das informações são na atualidade objeto de um debate complexo que envolve muitas dimensões. Qualidade das informações, questões financeiras, aspectos ecológicos (pela devastação de florestas para a geração de papel) – esses são alguns dos temas relevantes para a reflexão sobre as transformações provocadas pelas tecnologias de informação e de comunicação no cenário da comunicação social.
Cobertura da Política Nacional
Com relação aos temas da política nacional, nota-se que o caráter investigativo da mídia divide as opiniões. Apenas 13% acreditam que as investigações da imprensa poderiam evitar a escalada de escândalos relacionados ao Congresso Nacional, enquanto 50% não acreditam no poder da imprensa de impedir que parlamentares se envolvam em atitudes que se confrontam com a atividade parlamentar.
Ao analisar os escândalos políticos, Thompson destaca que sua divulgação foi resultado de alguns fatores: a profissionalização dos jornalistas, o surgimento do jornalismo investigativo e o interesse comercial na divulgação dos escândalos, já que esse fenômeno ‘vende’, existindo portanto um interesse mercadológico.
19/05/09
Se a imprensa tivesse se antecipado nas investigações sobre o Congresso, os escândalos chegariam às atuais proporções?
Respostas | Votos | Porcentagem |
Sim | 72 | 13,0% |
Não | 271 | 50,0% |
Daria na mesma | 196 | 36,0% |
Total de votos: 539 |
Convergindo com esses dados, outra enquete mostra um indicador preocupante: 86% não se sentem bem informados a respeito dos acontecimentos ocorridos em Brasília. Ao associarmos os dois indicadores podemos concluir que, para os internautas do Observatório da Imprensa, a atividade investigativa dos meios de comunicação não se mostra suficiente para evitar os escândalos políticos e não tem sido capaz de informar adequadamente a população sobre os acontecimentos nas esferas do poder executivo, legislativo e judiciário, sediados em Brasília.
De maneira geral, a imprensa dedica grande espaço para a veiculação de informações sobre os acontecimentos políticos de Brasília e, muitas vezes, pouco espaço para a política regional. A percepção dos internautas que participaram dessa enquete pode nos indicar a insatisfação com a qualidade das informações veiculadas sobre a dinâmica política nacional, porém a qualidade dessas informações é vista como insuficiente para que o público se sinta informado sobre esses acontecimentos.
Ao articularmos esses indicadores com a avaliação do desempenho da mídia abordado acima, é possível verificar uma crítica à qualidade da informação, aos temas selecionados pela agenda da mídia (MANIN, 1995) e pelo tipo de enquadramento (PORTO, 2004) dado às notícias. Desse modo, é possível entender por que 56% consideram que o desempenho da mídia brasileira é péssimo e que 86% não se sentem bem informados a respeito da política nacional.
28/04/09
Você se considera bem informado sobre o que acontece em Brasília?
Respostas | Votos | Porcentagem |
Sim | 98 | 14,0% |
Não | 603 | 86,0% |
Total de votos: 701 |
7/04/09
Você está suficientemente informado sobre o que aconteceu no Brasil entre a renúncia de Jânio Quadros e a redemocratização?
Respostas | Votos | Porcentagem |
Sim | 171 | 23,0% |
Não | 589 | 78,0% |
Total de votos: 760 |
Os 78% de internautas que não se sentem informados sobre os acontecimentos ocorridos desde a renúncia de Jânio Quadros até o período de redemocratização expressam o descaso do sistema educacional em trabalhar conteúdos da histórica política brasileira. A mesma avaliação pode ser feita em relação aos meios de comunicação, que trabalham com o ‘hoje e agora’, buscando novidades, se apegando aos ‘furos de notícias’ e esquecendo que um de seus papéis é se constituir em um Banco de Dados, já que armazena e arquiva a nossa história política.
Cobertura da política internacional
Mais uma vez as enquetes nos indicam o aumento da internet como referência para a obtenção de informações, conforme podemos observar nos resultados do quadro abaixo:
20/01/09
Onde encontrar as melhores informações sobre a guerra na Faixa de Gaza?
Respostas | Votos | Porcentagem |
Internet | 520 | 81,0% |
Jornais | 69 | 11,0% |
Rádio | 19 | 3,0% |
Revistas | 12 | 2,0% |
TV | 23 | 4,0% |
Total de votos: 643 |
A internet concentrou a maioria das respostas dos internautas e é seguida pelos jornais com uma diferença de 70%. De fato, a cobertura internacional oferecida pela mídia impressa é pouco expressiva em relação às possibilidades de informações que se podem acessar pela internet.
Outro aspecto importante desse debate é o tipo de abordagem oferecida a respeito de acontecimentos da política internacional como, por exemplo, a enquete a respeito da cobertura sobre o conflito entre Israel e Palestina. Parte expressiva das respostas aponta que a cobertura jornalística oferecida sobre esse conflito estimula os ressentimentos. Trata-se de uma questão muito delicada, à medida que a relação entre os dois países é complexa e, muitas vezes, de difícil compreensão.
13/01/09
A cobertura da mídia estimula os ressentimentos na Palestina?
Respostas | Votos | Porcentagem |
Sim | 318 | 74,0% |
Não | 112 | 26,0% |
Total de votos: 430 |
Considerando a importância do significado da agenda pós-racial e pós-ideológica colocada pela campanha eleitoral de Barack Obama, candidato do Partido Democrata americano, chama a atenção que a percepção emitida pelas respostas a essa enquete expresse um certo pessimismo em relação à cobertura da mídia brasileira frente ao novo contexto internacional com a eleição do presidente americano. 75% dos que votaram não acreditam que a mídia brasileira consiga acompanhar a nova agenda colocada em debate por Obama.
27/01/09
A mídia brasileira conseguirá acompanhar a agenda pós-racial e pós-ideológica de Barack Obama?
Respostas | Votos | Porcentagem |
Sim | 103 | 25,0% |
Não | 301 | 75,0% |
Total de votos: 404 |
A falta de isenção da mídia na cobertura de determinados temas também é apontada pelas enquetes. Especificamente no caso da extradição do italiano Cesare Battisti, o OI perguntou se os internautas consideravam a cobertura da mídia isenta. Apenas 14% responderam que sim, contra 86% que responderam não acreditarem na isenção dos meios de comunicação. Nesse caso específico, observa-se que havia uma tentativa por parte da mídia em questionar as decisões adotadas pelo governo brasileiro e tentar insuflar um conflito entre Brasil e Itália. Cesare Battisti é acusado pelo governo italiano de integrar um grupo terrorista e de ser o responsável por algumas mortes em seu país.
10/02/09
A cobertura da mídia sobre o caso Cesare Battisti é isenta?
Respostas | Votos | Porcentagem |
Sim | 90 | 14,0% |
Não | 541 | 86,0% |
Total de votos: 631 |
O caso da brasileira Paula Oliveira, moradora da Suíça que declarou ter sido vítima de um ataque de grupos neonazistas, é outro tema polêmico. O OI realizou duas enquetes sobre o assunto e 92% das respostas afirmam que a cobertura realizada pela mídia brasileira foi apressada, ou seja, divulgou informações sem que houvesse uma preocupação em checar a veracidade dos fatos. O caso chegou a gerar um incidente diplomático entre Brasil e Suíça, contornado, posteriormente, pelas autoridades brasileiras.
Nesse episódio, a mídia desencadeou um processo de desconfiança em relação às investigações realizadas na Suíça para o esclarecimento das agressões sofridas pela brasileira. Cabe ressaltar que no mesmo momento em que esse episódio ocorre verificamos na Europa uma onda de xenofobia, principalmente após a crise econômica e a presença de imigrantes ocupando os postos de trabalho dos europeus.
24/02/09
Como avalia o comportamento da mídia brasileira na cobertura do caso Paula Oliveira?
Respostas | Votos | Porcentagem |
Correto | 54 | 8,0% |
Apressado | 632 | 92,0% |
Total de votos: 686 |
As investigações para o esclarecimento do caso continuam, mas a versão veiculada pela imprensa atribuindo a responsabilidade das supostas agressões a grupos de extrema direita parece ter sido desconstruída pelas revelações que questionam a conduta da brasileira na divulgação das informações à imprensa. Nesse caso, importa saber que a imprensa brasileira divulgou uma informação que criminalizava um grupo de agressões que, aparentemente, nunca existiu, pois o mais provável é que essa versão teria sido inventada e ‘comprada’ pela imprensa brasileira.
Considerações Finais
O Observatório da Imprensa, diferentemente da imprensa diária, procura realizar análises mais substanciosas sobre o comportamento da mídia de forma geral. A própria composição da equipe do Observatório é caracterizada por jornalistas que trabalharam nos jornais e revistas mais importantes do país. Ou seja, estamos falando de uma equipe de profissionais que conhecera, todas as facetas da imprensa brasileira e, portanto, sabem o que escrevem e o que polemizam.
Os temas presentes nas enquetes trabalhadas pelo OI não necessariamente dizem respeito à agenda da mídia e nem da agenda do público. A preocupação do site se volta para questões próprias do corpo jornalístico – presentes nos artigos, na pauta jornalística da TV Observatório da Imprensa e nos debates travados entre os internautas, que são convidados a expressarem suas opiniões, e os jornalistas responsáveis pelos artigos publicados. O espaço aberto pelo OI implica em buscar uma participação efetiva dos leitores, espectadores e ouvintes desse órgão que tem como um de seus objetivos vigiar e fiscalizar a imprensa brasileira.
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Professora do Departamento de Política da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, pesquisadora do Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política da PUC/SP e professora do Departamento de Política, do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e pesquisadora do Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política e pesquisadora do CNPq