Os três clássicos da sociologia, Karl Marx, Émile Durkheim e Max Weber, sempre foram referências nas disciplinas teóricas dos cursos de comunicação, em textos próprios e através de outros autores que seguiram seus métodos de análise. No entanto, uma capacidade que os dois primeiros mostraram intensamente e que no terceiro deu origem ao seu trabalho principal, não foi devidamente aproveitada nos currículos, salvo, talvez, exceções: a matemática e a estatística.
Tanto Durkheim como Marx usaram números com abundância para comprovar suas teses. Foram rigorosos em suas pesquisas e por isso produziram ciência social da maior qualidade. Max Weber não utilizou quantidades e sua obra é igualmente reconhecida como determinante. Porém, é interessante notar que em A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo o autor inicia com uma constatação-chave para sua pesquisa, proveniente da estatística, e após, conectando fatos, históricos e sociológicos e cimentando suas causalidades em um modelo descritivo que, pode-se dizer, aproxima-se do matemático pelo seu rigor, criou um fundamento das ciências sociais.
Contudo, números nunca foram conteúdos bem vindos no ensino e pesquisa da comunicação, o que é um erro porque matemática e estatística são imprescindíveis para se chegar a resultados objetivos, indiscutíveis – ou seja, científicos. (E antes que alguém observe que Marx, com suas equações, errou feio, me adianto e digo que seu erro foi ter minimizado o papel político do Estado em uma economia capitalista, porque o econômico, expressado na matemática das relações sociais de produção, está correto.)
Capacidade de quantificação
Números e palavras se complementam, os primeiros oferecendo exatidão, já que não admitem dúvidas, e as segundas explicando o que eles significam. Ao mesmo tempo, estimulam a racionalidade materializada em decisões estratégicas. E isso é importante no ramo de assessorias de comunicação, pois lidam com o bem intangível da imagem em situações de crise/conflitos.
Estratégia é resultado de um pensamento derivado da matemática, resultado do ‘espírito de cálculo’, e é o suporte para que o indivíduo tenha algum controle sobre o futuro. Na perspectiva da Teoria dos Jogos, Mário Henrique Simonsen, em seu livro Ensaios Analíticos, escreve: ‘Para cada jogador, uma estratégia é um plano completo de jogo. Esse plano deve indicar como o jogador escolherá cada um dos seus lances, conforme a evolução do jogo’.
Não sendo uma mera abstração, este plano de ação deve indicar como se pode ganhar mais e perder menos, logo, são quantias que definem seu objetivo e, por isso, seu conteúdo deve ser convertido para valores numéricos. Em uma situação onde pode haver perda de imagem, e se essa for quantificada, preferir perder duas em vez de quatro é a escolha certa. Parece óbvio, mas na realidade não é assim tão fácil, porque para isto é preciso que se tenha a racionalidade de um jogo e capacidade de quantificação.
Técnicas e modelos
Por exemplo, vamos supor que uma empresa gera um fato negativo que pode prejudicar sua imagem. Estabelece-se um jogo entre a sua assessoria e uma emissora de televisão. Essa tem duas estratégias: divulgar o fato e insistir no fato; e a assessoria, assumir a culpa e não assumir a culpa. Os ganhos e perdas são: para a empresa, imagem; para a TV, audiência.
Quantificando-se os ganhos e perdas e montando-se uma matriz de pagamentos com os valores, é possível demonstrar, matematicamente, e com simplicidade, que a melhor estratégia para a assessoria é assumir a culpa, e assim ela estará fazendo o melhor que pode em função das ações da TV, minimizando a perda de imagem da empresa. A escolha desta estratégia também é capaz de limitar as ações da TV e impedir o aumento de sua audiência.
Ao assumir a culpa, a assessoria encerrou o jogo e se a TV insistir no fato terá diminuição de audiência, porque, agora, não há mais interesse no assunto. No entanto, se a assessoria utilizasse a estratégia de não assumir a culpa, a TV teria ganhos de audiência, já que insistiria no fato, pois ainda haveria material a ser explorado, e a empresa teria perda de imagem maior.
Neste caso, o melhor resultado para a assessoria exige a racionalidade do tipo ‘perder menos é ganhar’ para a geração de respostas dentro da rapidez que envolve a produção da notícia, o que significa procurar o ponto ótimo, um equilíbrio entre perdas e ganhos. Mas, sobretudo, exige a transformação de declarações qualitativas, ‘subjetivas’, o que se pensa como ‘melhor’, geralmente sem parâmetros reais, em valores numéricos. Apenas o senso de medida pode obter o melhor.
Existem técnicas e modelos capazes de contabilizar bens intangíveis, como a imagem, de forma estrutural, para agregar valor econômico ao patrimônio. Na conjuntura de uma crise é preciso racionalizar, com agilidade, o que deve ser dito e feito, partindo do pressuposto de que a quantificação é decisiva para selecionar a melhor estratégia. Para isto, o trato com números deve fazer parte do trabalho de uma assessoria e dos currículos de comunicação.
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Professor do Departamento de Jornalismo da UFSC