Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Ex-prostituta ganha perfil no NYTimes

Deu Bruna Surfistinha no New York Times. Em artigo assinado pelo polêmico correspondente Larry Rohter [27/4/06] – aquele que escreveu sobre os hábitos alcoólicos do presidente Lula –, a ex-prostituta / blogueira / escritora brasileira é descrita como ‘celebridade nacional’ e ‘fenômeno cultural’. Rohter diz que Bruna, que na verdade se chama Raquel Pacheco, ficou famosa por descrever, na internet, seu cotidiano como prostituta – relatos posteriormente reunidos no livro O Doce Veneno do Escorpião. O jornalista conta ao público americano que, ao fazê-lo, ela levantou um ‘vigoroso’ debate sobre valores e práticas sexuais, ‘revelando um país que não é tão desinibido como o mundo pensa’.

O livro de Bruna vendeu mais de 100 mil cópias, e acaba de ser traduzido para o espanhol. A ex-prostituta conta na entrevista a Rohter que, para sua surpresa, 80% do público que aparece em sessões de autógrafos é formado por mulheres. Segundo ela, o grande interesse feminino em suas experiências sexuais reflete uma lacuna entre as percepções sobre sexo e a realidade. ‘Eu acho que existe muita hipocrisia e um pouco de medo envolvidos’, diz Surfistinha. ‘As mulheres brasileiras têm esta imagem sexy, de serem desinibidas na cama. Mas qualquer um que vive aqui sabe que isso não é verdade’.

Carnaval e moralismo

Rohter continua seu artigo lembrando que o carnaval e a suposta sensualidade nacional podem dar a impressão de que o Brasil é permissivo e liberal, especialmente quando comparado com outras nações predominantemente católicas. ‘Mas especialistas dizem que a situação real é muito mais complicada, o que explica a ascensão de Bruna e as fortes reações provocadas por ela’.

O Brasil é um país cheio de contradições, completa o antropólogo da Universidade Colúmbia Richard Parker, autor do livro Bodies, Pleasures and Passions: Sexual Culture in Contemporary Brazil (Corpos, Prazeres e Paixões: Cultura Sexual no Brasil Contemporâneo, tradução livre). ‘Há um certo espírito de transgressão na vida cotidiana, mas também há muito moralismo’.

Pudor

O resultado disso, continua o jornalista, é que alguns brasileiros aplaudiram a franqueza de Bruna e disseram achar saudável romper certos tabus, e outros classificaram a iniciativa como uma nociva manifestação da globalização e do livre mercado.

Rohter conta que, hoje, Bruna leva uma vida bastante comum: tem namorado firme, pretende casar com ele, vai prestar vestibular para psicologia. Ele termina o artigo contando que, curiosamente, a própria ex-prostituta, talvez influenciada pelo controverso pudor brasileiro, também sofre suas próprias contradições. ‘Em seu livro, em vez de escrever as palavras normalmente usadas nas ruas para descrever atos e órgãos sexuais, ela coloca apenas as primeiras letras das palavras, com pontos que indicam o que todo mundo já sabe’, diz o jornalista. ‘Eu acho que é vulgar dizer a palavra inteira’, Bruna explica. ‘Mas também não queria ser muito formal’.