Capricho? Revista inútil de adolescentes pervertidas, recheada de futilidades.’ Este é o resumo do que pensa a esmagadora maioria dos jornalistas e estudantes de Comunicação. Muitos, aliás, acham que jornalismo mesmo é só aquele que fala de política e economia e torcem o nariz para as capas da Veja que tratam de comportamento.
Parto do princípio de que esta visão é estrábica. O olhar que a maioria de nós dirige à Capricho e às demais publicações similares não é certeiro. É preconceituoso e falsamente moralista. Fui desses. Mas, devido à imprevisibilidade do mercado, vi-me forçado a rever alguns paradigmas ao começar a trabalhar com uma revista feminina. Tateando à procura de um modelo de adequação ao público-alvo, deparei-me com a Capricho, a meu ver, um belo exemplo de interação entre emissor e receptor segmentado.
Não pretendo aqui discutir o mérito ideológico e moral que norteia a escolha de pautas deste periódico – ainda que elas reflitam as angústias e anseios de uma parcela freqüentemente incompreendida por pais, educadores e líderes religiosos. Detenho-me, contudo, na forma, no ‘tom’ escolhido para abordar seu leitor, aqui, garotas de 12 a 18 anos de classe A e B.
É de muito valor a experiência de Marília Scalzo com a Capricho, relatada no livro Jornalismo de Revista. Marília, diretora do Curso Abril de Jornalismo, conta como a revista mudou seu perfil editorial, partindo das fotonovelas, em 1952, até encontrar o público adolescente, ao final da década de 80. Esse processo histórico de mutação, aliás, é outro dos grandes trunfos da Capricho. Por meio de suas páginas, é possível enxergar a transformação cultural e social da mulher nos últimos 50 anos – uma excelente proposta de estudo de pós-graduação.
Além de sua importância histórica – é a segunda revista mais antiga em circulação da Editora Abril, perdendo apenas para Pato Donald –, nos últimos anos a Capricho ‘acertou o foco no leitor’, como diz Marília. Ela consegue conversar com o leitor como poucas revistas o fazem. Além do texto conjugado à linguagem adolescente, a forma como os editores conduzem a apuração das pautas é louvável. ‘Não que fôssemos falar exatamente como elas – afinal, éramos a revista e não a própria leitora – mas tínhamos de falar de uma forma que fosse próxima delas, inteligível, boa de ler’, conta Marília.
Roteiro da Realidade
Tome-se como exemplo a reportagem ‘Como não micar na balada’, de 14 de novembro de 2004. O verbo ‘micar’ do título já reflete uma competente sintonia com a leitora, sintonia esta comprovada no decorrer do texto. Mas o mais interessante é o que vem a seguir. As ‘repórteres’ são três adolescentes de 17 anos. São as dicas das ‘baladeiras espertas’ que compõem ‘as 20 dicas’, como anunciado na capa, todas devidamente editadas e ponderadas.
Ao final, duas garotas da Galera Capricho, uma equipe de adolescentes a serviço da revista, aplica as dicas das garotas numa danceteria da Vila Olímpia, em São Paulo. O fotógrafo Beto Hacker ficou de plantão e registrou alguns flashes interessantes, como ‘cantadas’ que as meninas levaram. A jornalista Bárbara Semerene, que assinou a matéria, também acompanhou de perto a noitada das meninas, reavivando a quase extinta espécie do narrador-observador.
Familiar? A nostálgica Realidade, coqueluche dos anos 60 e 70, seguia um roteiro semelhante, influenciada à época pelo chamado new journalism. Não é que Capricho faça o mesmo – os tempos, as pautas e os públicos são outros. Mas o princípio, o mergulho no mundo do leitor, é o mesmo, tanto no que diz respeito à forma como à apuração.
Para os outros
Dessa forma, ainda que se classifique como inúteis as expectativas das adolescentes, não é justo esquecer a forma exemplar como a revista conversa com este público. O resultado, além do sucesso indiscutível perante as garotas, pode ser visto nos números. Segundo Marília, quando a revista passou pela primeira reformulação editorial, em 1991, a tiragem pulou de 140 mil para 280 mil exemplares.
Capricho não é a única revista que deve ser analisada com mais atenção. Recomendo-a mais aos jornalistas homens, já que elas (confessem!) de vez em quando dão uma olhadinha, nem que seja na seção ‘Colírio’ (em que garotos são fotografados). Para as jornalistas mulheres, talvez seja interessante folhear a esportiva Placar. Ainda que esta não tenha histórias tão vitoriosas quanto as da Capricho, também é um bom exemplo de como se adequar a um público, no caso, o masculino.
O verdadeiro jornalista não faz revista para si mesmo, e sim para os outros. Como se vê, há muitas lições a serem aprendidas, até na suposta ‘futilidade’ de alguns títulos.
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Jornalista e mestrando em História