A mídia, tão atenta aos deslizes ministeriais, perdeu uma excelente oportunidade com a desastrosa declaração da ministra Marta Suplicy sobre a crise aérea. A frase, aconselhando os passageiros a relaxar e aproveitar, foi destaque em todos os jornais e revistas semanais. E acabou entrando para a coletânea de foras do governo Lula. O máximo que os noticiários fizeram foi atribuir a frase à origem profissional da ministra, que antes de entrar para a política ficou famosa como sexóloga que dava conselhos às mulheres num programa matutino da TV Globo.
O fato de ser ou ter sido sexóloga e ter se declarado feminista torna a declaração ainda mais grave. O fato de Marta ter usado apenas parte da frase, não a torna menos grosseira. A frase que deu origem à declaração está lá, com todas as letras, no artigo de domingo (17/6) de Sérgio Augusto, ‘Mistérios gososos’, no Estadão:
‘O último lambari verbal do presidente foi mais lamentável do que a recomendação da ministra para que relaxássemos quando vitimados pelo caos aéreo. Afinal de contas, ela é sexóloga de formação. Natural que tudo veja pela perspectiva do sexo, inclusive o turismo, até porque o nosso forte é, mesmo, o turismo sexual. E como o que se padece atualmente nos aeroportos brasileiros configura uma violação dos direitos mais elementares do cidadão, seu conselho (`Relaxem e aproveitem´) faz sentido. Ou vocês já se esqueceram da frase original? ‘Se o estupro é inevitável, relaxe e aproveite’.’ (O Estado de S. Paulo, 17/06/2007).
Direitos desrespeitados
Como sexóloga e mulher, Marta Suplicy deveria saber o quanto esta piada é infeliz. Mulher nenhuma, submetida à violência de um estupro, terá condições de relaxar e, muito menos, aproveitar. Como ministra do Turismo, ela deveria saber, mas provavelmente não faz idéia, o quanto é desgastante enfrentar filas no aeroporto tentando obter um serviço pelo qual pagamos. Como sugere Clovis Rossi no artigo ‘Não dá para relaxar’:
‘Deveria haver uma lei obrigando executivos públicos, de todos os níveis, a viver um dia ao mês (ou a cada dois meses, vá lá), como gente normal. Nada de carro oficial com motorista, nada de avião da FAB, nada de ‘aspones’ para fugir das filas ou pagar contas onde quer que seja, nada de privilégios. Talvez assim, só assim seriam evitados comentários tão imbecis como o da ministra do Turismo.’ (Folha de S. Paulo, 17/06/2007)
Talvez a ministra Marta consiga fazer os turistas esquecerem a frase infeliz – se fizer alguma coisa para diminuir o caos aéreo e prove que não teve a intenção de desdenhar, como disse na nota que divulgou no dia seguinte à declaração. Os turistas podem até perdoar. Enquanto continuar como ministra do Turismo, terá chance de melhorar sua imagem.
Agora, o que ela deve é um pedido de desculpas às mulheres e a seus antigos colegas de profissão, os sexólogos, que tentam ajudar mulheres vítimas de violência sexual.
Seria interessante que a imprensa pesquisasse com os ex-colegas de Martha, com psicólogos e psiquiatras e com organizações de defesa da mulher se, como no caso dos turistas brasileiros, um pedido de desculpas resolve tudo e se alguém pode relaxar e aproveitar quando vê seus direitos desrespeitados.
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Jornalista