Faz parte do senso comum afirmar que ‘jornal é tudo igual’. A conveniência proporcionada pelas agências de notícia e a larga disseminação de assessorias de imprensa contribuíram para que os produtos jornalísticos ficassem mais e mais parecidos de uns anos para cá. Mas é possível dizer que os jornais são todos iguais e que a leitura de um dispensa o consumo dos demais?
Gêmeos univitelinos
Preocupado com a cada vez mais freqüente padronização da imprensa, este Monitor de Mídia comparou os jornais catarinenses na tentativa de verificar se a afirmação do senso comum é uma verdade nas bancas ou um mito entre os leitores. Aleatoriamente, foram escolhidas três edições de A Notícia, Jornal de Santa Catarina e Diário Catarinense: as dos dias 20, 22 e 25 de outubro. Os pesquisadores leram atentamente cada um deles, listando todas as notícias, notas e reportagens publicadas ao longo das páginas, exceto nos cadernos temáticos. Em seguida, as listagens das unidades informativas foram comparadas para que se observasse com mais nitidez as recorrências de assuntos, e, em alguns casos, a reprodução idêntica dos conteúdos.
A edição nº 59 (http://www.cehcom.univali.br/monitordemidia/paginas/materias.php?id=235) deste Monitor de Mídia alertava para um acelerado processo de padronização entre os veículos do Grupo RBS. Com a tabloidização do Jornal de Santa Catarina, no final de setembro, as diferenças entre o jornal e o Diário Catarinense reduziram-se drasticamente. Não só isso. Em alguns casos, a semelhança vem se estendendo ao carro-chefe do grupo, a Zero Hora, editada em outro estado, o Rio Grande do Sul.
Filhotes da mesma incubadora, JSC e DC têm intensificado o decalque, na medida em que republicam – às vezes, no mesmo dia – matérias e fotos de um no outro, a pretexto de uso da agência interna.
Exemplos claros da utilização de mesmo material pelos jornais do Grupo RBS são as matérias publicadas em suas contracapas. Em outubro, o espaço reservado para contar as histórias de personagens do Estado foi o mesmo sete vezes. A paixão de Edwin Weigmann pelas bicicletas pôde ser lido no DC do dia 15 e no Santa do dia 20, Gilberto Nicolodelli que conheceu a esposa e o gosto pelo tiro também apareceu nos dois jornais; Lurdes da Silva e seu trabalho voluntário como cozinheira foi o tema da última página do Santa no dia 19 e do DC no dia 28, os estudantes japoneses que visitaram Blumenau estão nas edições do dia 21, pintora de Timbó aparece no dia 12 no Santa e no dia 19 no DC, as locomotivas de José Dognini são o assunto do Santa no dia 14 e do DC no dia 16, e o responsável pelo toque do sino de uma igreja de Blumenau é o personagem da edição de 16 e 17 do Santa e do dia 26 do DC.
O leitor chega a ter a impressão de que se trata do mesmo jornal, já que além dos textos serem idênticos, as fotos utilizadas são muitas vezes iguais e a disposição na página também segue o mesmo padrão.
Nas páginas internas, a situação é menos explícita, mas não menos preocupante. Nos três dias analisados, este Monitor de Mídia encontrou 59 textos muito semelhantes publicados pelos dois jornais. Na maior parte, os textos sofriam pequenas modificações aparecendo como matéria em um e como nota em outro. Um entre os muitos exemplos é o que trata do pronunciamento do secretário especial dos Direitos Humanos, Nilmário Miranda, dizendo que as fotos publicadas não seriam do jornalista Vladimir Herzog, morto em 1975. No DC, foi publicado como matéria e no Santa, como nota. Muitas vezes, até os títulos são iguais. Foi o que ocorreu no dia 22 na p. 6 dos dois jornais, onde o título é ‘Agora é com o Ministério público’. No dia 25, ‘Petróleo pesa mais do que alta dos juros’ foi o título usado na p. 18 do DC e na p. 12 do Santa.
As semelhanças não ficam apenas nos títulos, estendendo-se a linhas de apoio e corpo de matérias. Nas editorias de Geral do dia 25, os jornais publicaram uma matéria sobre banco de dentes em Itajaí. JSC traz, na página 17, matéria intitulada ‘Banco combate comércio de dentes’ com a seguinte linha de apoio: ‘Em Itajaí, túmulos chegaram a ser violados nos cemitérios para a extração de dentaduras’. No Diário, p. 22, o título é ‘Banco de dentes vai coibir comércio ilegal’, e a linha de apoio é ‘Até túmulos foram violados para extrair dentaduras’.
Cada vez mais parecidos, os jornais do Grupo RBS sofrem um processo de estandardização, anunciado pelos próprios controladores. É evidente que algumas mudanças nesta direção podem ser muito positivas para o grupo, mas notícia repetida é bom para o leitor?
Quando os concorrentes se parecem
É até esperado que haja uma ligeira semelhança entre os jornais que são controlados por um mesmo grupo editorial, afinal, isso é vantajoso por questões logísticas e interessante na busca de uma identidade comum para os produtos da casa. A situação se complica quando os concorrentes diretos ficam muito parecidos.
E foi isso o que o leitor mais atento encontrou ao se deparar com o Diário Catarinense e A Notícia. Foram 54 ocorrências em que o material publicado tratava do mesmo assunto nos jornais. Não que isso seja totalmente condenável, afinal há fatos que não podem ficar de fora das páginas noticiosas. Entretanto, preocupa quando os diversos veículos recorrem às mesmas pautas ou às mesmas fontes, reduzindo o noticiário a um restrito conjunto de assuntos.
A utilização dos mesmos temas foi mais comum nas editorias de Política e Esportes – maciçamente alimentadas por agências de notícias –, mas não houve nenhuma outra que tenha escapado de fazer eco ao concorrente. A análise das três edições (20, 22 e 25/10) possibilitou ainda encontrar uma agravante na situação de semelhança: alguns dos textos publicados são iguais! Foi o que ocorreu no dia 22, quando a matéria sobre as acusações entre vices em Porto Alegre aparece na p. 10 do DC e na p. A7 de AN. E no dia 25, na nota ‘Candidato admite derrota no Afeganistão’ publicada pelo diário de Joinville, a mesma foi publicada pelo DC sob o título ‘Karzai é o presidente’.
Quando aparecem, as diferenças nem sempre estão relacionadas com um fator positivo dos jornais. Nos dias analisados, estiveram vinculadas a erros de informação três vezes. No dia 22, a matéria que tratava do tufão no Japão trazia, no AN, 63 mortos e 25 desaparecidos. Para o DC, eram 66 vítimas e 22 desaparecidos. No dia 25, os soldados iraquianos mortos eram 49 para AN e 48 para DC. Na mesma data, ocorre mais um caso. Desta vez, a dúvida fica em torno do número da edição da etapa do Campeonato Mundial de Surf (WQS) deste ano. No DC era a 36ª vez, no AN, a 35ª.
A semelhança entre os concorrentes não é uma prerrogativa da imprensa catarinense. Em 8 de outubro, o leitor que passou os olhos apressados pela banca viu duas Folha de S.Paulo. Ou se preferir, dois Estado de S.Paulo. Como se tivessem saído de uma copiadora, as edições dos maiores jornais paulistas eram idênticas graficamente: não só repetiam duas fotos, como as dispuseram na mesma seqüência nas capas, ocupando a mesma colunagem. O flagrante dos sósias foi apontado pelo acadêmico de Jornalismo, Rodrigo Lóssio, da Universidade Federal de Santa Catarina em seu site (http://www.lossio.com.br/).
Clonando a si mesmo
O cúmulo da semelhança é quando algo repete a si mesmo. Foi o que se viu em A Notícia em dois dias numa mesma semana. Na quinta-feira, 21, o jornal estampou na cabeça da página A6 o título ‘Adversários reforçam o corpo-a-corpo’. Abaixo dela uma foto com o candidato à prefeitura de Florianópolis Chico Assis (PP) caminhando no meio de populares com o ex-governador Espiridião Amin. Abaixo da foto, outra com o candidato do PSDB, Dario Berger, percorrendo as ruas da cidade com correligionários.
No domingo, 24, o jornal usa título muito parecido na página A5: ‘Candidatos intensificam corpo-a-corpo’. E o que é pior: o AN reproduz a mesma seqüência de fotos, em cima a de Chico Assis e em seguida, a de Berger. E mais: na foto do candidato do PP, mais uma vez, ele aparece andando pelas ruas com populares, ao lado de Amin. Alguém pode chamar isso de coincidência?
É tudo igual?
Mas, e afinal de contas, jornal é mesmo tudo igual? Na análise desses três dias escolhidos aleatoriamente, o que se viu é que os jornais andam cada vez mais parecidos, mas a maior parte do conteúdo publicado era de material singular, não havendo recorrência nos concorrentes. Jornal não é tudo igual. Pelo menos por enquanto. Cada vez mais, as assessorias de imprensa pautam os jornais e as agências de notícia oferecem o mesmo olhar dos fatos. Em constante encolhimento, as redações acomodam-se com a mera compra ou aceitação do material produzido fora. Perdem com isso o leitor e o próprio jornalismo.
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Projeto da Univali para acompanhamento da imprensa catarinense (http://www.univali.br/monitor)