‘É normal que cheguem reclamações de leitores contra o uso exagerado de termos estrangeiros nos textos do O Povo. Parece paradoxal, assim, que eu traga a questão à pauta da coluna em razão de uma queixa, encaminhada no início da semana através da Internet, contra o pedantismo da opção por ‘ombudsman’ para o jornal nominar uma função que, sem qualquer prejuízo aparente, poderia substituir por ‘ouvidor’, em português claro e compreensível. Explicar o porquê do uso criticado de um termo inglês no caso parecerá infrutífero, até diante do fato imposto pela realidade de que no décimo primeiro ano de sua implantação a função já parece consolidada, também como nomenclatura, dentro da estrutura da empresa. A discussão que a mensagem possibilita é oportuna, porém, como meio de reflexão sobre os exageros que sobram diariamente nas nossas páginas quanto ao uso de expressões estranhas à língua oficial do nosso País, que é o português. Para o leitor identificado como André no e-mail que me chegou na última segunda-feira, o nome ombudsman é uma espécie de ‘ofensa ao leitor comum, que não sabe pronunciar e muito menos escrever essa palavra’. É a partir de uma incongruência na própria denominação do cargo que ocupo, portanto, que trago à discussão um dos problemas cada vez mais comuns aos textos do O Povo: o ‘estrangeirismo’.
Cabe meeting, por que usar encontro?
O problema não chega a ser o uso de termos estrangeiros, em si. Está mais, de fato, no exagero com que eles aparecem, muitas vezes tomando o espaço de palavras em português que, se utilizadas, permitiriam uma compreensão melhor da mensagem que a informação tenta passar. O caso, portanto, também é de elaboração de textos mais facilmente assimiláveis pelo leitor, objetivo que se deve perseguir no fazer jornalístico. É exemplar, porque diário, praticamente, o caso da coluna Sônia Pinheiro. Nela, transformou-se lugar comum que negócio vire business, início seja start, festa apareça como party, aniversário vire birthay, amigos percam espaço para friends, para citar apenas alguns termos mais comumente convertidos naquele espaço, gratuitamente, à língua inglesa. Há um argumento que se gosta de utilizar como justificativa ao fato: seria, já, um estilo de escrever próprio à colunista. Não há dúvida de que se deve respeitar os estilos pessoais, desde que também estes estejam em acordo com regras mínimas do jornalismo e da língua portuguesa. O enxerto exagerado e indiscriminado de termos estrangeiros funciona como elemento dificultador da compreensão de um texto, o que simboliza apenas um dos lados do problema. Um outro, que tem a ver com a queixa do leitor que deu mote à coluna, diz respeito ao pedantismo que embute a opção por utilizar palavras que nem sempre é possível ao leitor saber o que representam.
O guia que devia guiar não guia
Outro aspecto da questão é a existência de regras internas para o uso consentido dos estrangeirismos O nosso Guia de Redação de Estilo, documento nem sempre consultado e que com alguma constância desrespeitamos, é claro em dizer que ‘palavras e expressões estrangeiras só devem ser admitidas quando já incorporadas ao uso corrente’. Os exemplos que lá estão mostram quais situações se admite como normais, incluindo termos como rock, show, blitz, jazz, os quais, é certo, não dispõem de um correspondente em português consolidado. Incluir ombudsman seria forçar a barra, muito embora haja um entendimento hoje prevalecendo de que ouvidor seria um limitador na compreensão da função, o que tem parecido determinante para a resistência de usar o termo nos dois casos existentes atualmente no Brasil de sua manutenção – O Povo e Folha de S.Paulo. Para demonstrar que o problema vai além da coluna Sônia Pinheiro, mesmo que nela chame atenção pelo fenômeno da repetição, faço uso de um exemplo que publicamos sexta-feira passada, dia 7, no Vida & Arte. Uma matéria editada na página 5 do caderno manda o Guia às calandras e desfila uma estranha alternância entre português e inglês para noticiar um evento que aconteceria em Fortaleza sob o título, e não poderia ser diferente, de ‘3Breakers! Combat’. Um passeio rápido pelo texto localiza termos como line-up, drum’n’bass, undergroove, techstep, e-music, groove, jazzy, liquid funk, soulfull e acid jazz. Todos postos em italic, uma regra que permite identificar a presença ‘estrangeira’, sendo em que apenas um caso há preocupação da redatora em apresentar uma tradução do termo para aquele que o André do e-mail chamaria de leitor comum. E, precisamos estar conscientes disso, é mais comum do que normalmente imaginamos.
Sem revisor, mas de olho na revisão
Professora de português ligou, na semana, para indagar se o jornal não dispõe de revisor para detectar os erros gramaticais que, diz ela, têm aparecido em grande quantidade ultimamente.Depois de um longo diálogo que mantivemos, parece que a deixei convencida de que há uma boa consciência interna para o problema e que, ao contrário do que muitos imaginam, não é a existência da figura do revisor que reverterá o quadro. Na verdade, em raras redações brasileiras, hoje, se mantém a revisão naquela estrutura tradicionalmente conhecida, na qual os textos são submetidos a leituras de especialistas antes de serem levados às páginas. O texto que o repórter escreve no seu terminal de computador é o definitivo, praticamente, submetendo-se, no trâmite normal, apenas a mais uma leitura, feita pelo editor no momento em que ele está ganhando a forma de notícia. Achei importante trazer a questão à coluna por duas razões fundamentais. Primeiro, levar ao conhecimento geral de que há um forte debate interno quanto à qualidade dos nossos textos, ou, em casos detectados, à falta dela. Mais do que isso, fazer as pessoas entenderem que existem iniciativas, em prática e por praticar, que pretendem proporcionar esta reversão à qual me referi no início. O segundo aspecto determinante da abordagem externa do assunto é prestar esclarecimentos, pois o leitor não é obrigado a saber da realidade diferente que hoje apresenta uma estrutura de redação, onde, lamentávelmente, já não há mais espaço para o revisor.’