Recentemente, um grupo de quatro pessoas fez uma série de entrevistas com diretores de redação dos maiores jornais do estado, perguntando a opinião deles sobre o jornalismo literário e seus derivados. Este trabalho teve como objetivo mapear a opinião desses jornalistas acerca do tema e entender por que é tão incomum vermos este estilo estampado nos periódicos. O trabalho fez parte de uma série de abordagens sobre o tema, idealizado pela Academia Brasileira de Jornalismo Literário (ABLJ). A seguir, a conversa com o diretor de redação do Estado de S.Paulo, Sandro Vaia.
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O que você entende por jornalismo literário (estilo do conceituado Gay Talese)?
S.V. – O jornalismo literário é aquele que prioriza a busca do estilo na narrativa, e que foge à definição da estrutura tradicional de uma matéria jornalística e não se preocupa em seguir os preceitos clássicos, que são os de responder às perguntas o que, quem, como, quando, onde, por quê.
É possível a inserção diária de matérias neste estilo em jornais como o Estadão? Quais as dificuldades?
S.V. – Sim, é possível inserir esse tipo de matéria em qualquer edição do jornal. O ideal seria que se fizesse isso com mais freqüência. Há dois condicionantes, porém, que dificultam um pouco esse desejo; 1) fatos que se prestem a esse tipo de narrativa; 2) repórteres capacitados a desenvolver esse tipo de narrativa.
O que falta para investir em massa nessa área?
S.V. – Faltam condições objetivas na redação de um jornal. É preciso investir em talentos: mas há tempo para formá-los? Há recursos para investir em desenvolvimento de talentos? Há profissionais capacitados para receber esse tipo de investimento? Há profissionais capacitados a passar esse tipo de conhecimento? Escassez, eis a palavra-chave. Tanto de recursos como de talentos.
Há profissionais qualificados disponíveis no mercado para trabalhar com o estilo Gay Talese?
S.V. – Há, sim, profissionais qualificados no mercado. Mas estão dispersos em vários meios. E são poucos, muito poucos.
Há quanto tempo o Estadão utiliza esse tipo de narrativa em seu jornal? (Exemplo é a matéria do Eduardo Nunomura ‘Eu seqüestrada’)
S.V. – Não há nenhum programa específico do Estadão em utilizar ou deixar de utilizar esse tipo de narrativa. Ele surge espontaneamente, de acordo com o assunto abordado e de acordo com a capacitação e o talento do repórter.
Essas matérias influenciam na vendagem das edições?
S.V. – Não acredito que influenciem diretamente. Mas elas, quando bem feitas, melhoram a qualidade do jornal. E melhorar a qualidade do jornal acaba aumentando as vendas. Mas isso acontece no longo prazo, quando se impõe como uma tendência e uma característica do jornal e isso entra na percepção do leitor sobre a qualidade total do jornal que ele escolhe. É um processo, não um fato isolado.
Já houve um retorno financeiro do investimento da empresa em relação ao new journalism?
S.V. – Não, isso não é mensurável.
Qual a expectativa da direção em relação a essas produções diferenciadas?
S.V. – A expectativa é sempre a de servir o leitor da melhor maneira possível. Se uma narrativa literária que fuja ao estilo clássico do jornalismo hardnews for satisfatória para o leitor, e cumprir sua finalidade de informar ao mesmo tempo em que proporciona uma fruição estética agradável e diferenciada, tanto melhor para o jornal.
Se o new journalism é alternativa para atrair leitores, por que existe uma resistência? Quem faz essa resistência (jornalistas ou a direção dos jornais)?
S.V. – Que eu saiba, não há resistência explícita de ninguém ao new journalism. O que há, repito, é carência de talentos para exercê-lo.
No Rio Grande Sul, em Porto Alegre, um jornal diário conseguiu aumentar sua tiragem, e conseqüentemente o faturamento, com a produção de textos no estimo Gay Talese. O mesmo não pode ser realizado na maior cidade do país?
S.V. – Se você está se referindo ao jornal Zero Hora, não acredito que o jornal tenha aumentado sua circulação e seu faturamento em função apenas do jornalismo literário. Esse aumento de circulação se deve a vários fatores, conjunturais, regionais, empresariais que não cabe discutir aqui.
Se o papel do new journalism é também transformar a realidade, não seria uma contradição as grandes empresas implantarem o estilo visando o lucro?
S.V. – Não entendo que o papel do new journalism seja o de transformar a realidade, mesmo porque isso seria esperar ou exigir muito dele. O papel do new journalism, no meu entender, é simplesmente o de produzir a narrativa de um fato jornalístico de forma a proporcionar ao leitor, além das informações sobre o fato, um prazer estético derivado da (esperada) boa qualidade do texto. Ou seja: o de contar bem uma boa história. É apenas isso.
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Jornalista, pós-graduado em Jornalismo Literário, curso coordenado pela Academia Brasileira de Jornalismo Literário