Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Impasses e reflexões

Qual o futuro do jornal impresso? Esta tem sido uma pergunta constante desde que, a partir da segunda metade da década de 1990, a internet se difundiu por todos os continentes. Muitos já decretaram o ‘fim do jornal do impresso’, inclusive com profecias de quando isso ocorreria. Não podemos negar que, em todo o mundo, a circulação média diária dos jornais tem sofrido quedas vertiginosas. No Brasil, entretanto, ocorre um fenômeno interessante: o aumento na circulação diária. Dados da Associação Nacional de Jornais (ANJ) apontam que, em 2008, a circulação média de jornais aumento 5% em relação ao ano anterior, que por sua vez já tinha sido 11,8% maior do que em 2006. O que explica esse aumento? A própria ANJ atribui esse crescimento aos ‘quality papers’ ou jornais populares de qualidade, os novos populares, que atingem classes até então ignoradas pelos jornais ‘tradicionais’. Estes jornais aparecem cada vez mais enfaticamente entre os 10 jornais de maior circulação, ao passo que os ‘grandes jornais’ continuam a ter decréscimo em sua circulação.


Esses números apontam para uma necessidade de se compreender o que o leitor deste novo século espera do jornal. Parece óbvia a necessidade de se rever o conteúdo, a forma, e mesmo a definição de público-avo (e seus anseios) entre os jornais que, ao longo do século passado, estiverem sempre na linha de frente do processo de formação da opinião. De modo a participar, ainda que timidamente, dessa discussão, esta edição do MONITOR DE MÍDIA decidiu se debruçar sobre o conteúdo dos jornais diários de grande circulação na região sul do Brasil. A partir da classificação dos gêneros jornalísticos, trazemos aqui mais um olhar quanto a este processo de avaliação e reflexão sobre o ‘futuro dos jornais’, processo que divide opiniões e que precisa de mais estudos sistematizados para que não seja mera especulação ou tenha apenas o princípio da polêmica, da difusão de frases de efeito que nada contribuem para a análise crítica do jornalismo brasileiro.


E já que falamos em polêmica, nesta edição nossa reportagem se debruçou sobre um antigo problema da cidade de Itajaí (e de muitas cidades brasileiras): o embate entre questões políticas, questão ambiental e a vida de seus cidadãos. O foco é a localidade do Imarui e todo o impasse que envolve uma Área de Preservação Permanente (APP).


O leitor também pode conferir duas narrativas protagonizadas por jornalistas: Adelmo, jornalista de São Bernardo do Campo e o polêmico Luis Nassif, que participou da Semana da Comunicação realizada na Univali no mês de setembro. Esperamos que o leitor aprecie a leitura e que nos retorne com sua análise. Até a próxima edição.


***


Os gêneros jornalísticos na edição dominical do jornal diário


O jornal diário, de maneira geral, é feito às pressas. E é lido às pressas. Nem todo mundo dispõe de tempo, na correria do dia-a-dia, para dedicar à leitura das notícias, ainda mais quando elas vêm embrulhadas em um pacote que não pode ser facilmente acomodado ao banco do ônibus, trajetos a pé ou a carro, mesas de trabalho, café da manhã.


Para englobar a maior quantidade de fatos, de maneira que ocupem pouco espaço e possam ser lidos com agilidade, essa pressa toda acaba refletindo na redação. NOBLAT (2004) ressalta que a velocidade da produção pode prejudicar a qualidade do jornalismo oferecido.




A pressa é a culpada, nas redações, pelo aniquilamento de muitas verdades, pela quantidade vergonhosa de pequenos e granes erros que borram as páginas dos jornais e pela superficialidade de textos que desestimulam a reflexão. Apurar bem exige tempo. Escrever bem exige tempo. (NOBLAT, 2004, p. 38)


Mas, aos domingos as coisas costumam mudar: tudo fica mais lento e as pessoas geralmente dispõem de mais tempo livre. Com a perspectiva de o leitor apreciar com mais calma o material jornalístico dominical, o que as empresas jornalísticas apresentam de diferencial para esse dia?


O MONITOR DE MÍDIA analisou as edições dominicais do dia 20/09/2009 de cinco jornais diários com maior circulação aqui na região sul do Brasil: a Gazeta do Povo, de Curitiba; a Zero Hora, de Porto Alegre; o Diário Catarinense; a Folha de São Paulo e o Estado de São Paulo. Com base na classificação dos gêneros do jornalismo de José Marques de Melo, nossa proposta foi avaliar quais os gêneros mais freqüentes no jornal do domingo. Como procedimento metodológico para a análise, adotamos a classificação dos gêneros de Melo (1985;2006) que foram identificados a partir da análise do conteúdo, com ênfase no processo de categorização conforme proposto por Bardin (1977).


As categorias dos gêneros


A mediação entre fato e povo, que configura a função social do jornalismo, não se restringe ao mero relato descritivo das notícias: o público sente necessidade do posicionamento dos veículos em relação aos fatos, para compreender com mais clareza os processos que desencadeiam as notícias e suas conseqüências. Deste modo, Melo (1985) classifica os gêneros do jornalismo em duas categorias: informativos e opinativos.




Neste sentido identificamos duas vertentes: a reprodução do real e a leitura do real. Reproduzir o real significa descrevê-lo jornalisticamente a partir de dois parâmetros: o atual e o novo. Ler o real significa identificar o valor do atual e do novo na conjuntura que nutre e transforma os processos jornalísticos. (MELO, 1985, p. 47)


Essa divisão originou-se no século XVIII no periódico estadunidense Daily Courant, que diferenciava as notícias (news) das opiniões (comments) (OLIVEIRA, 2008, p. 19). Outros autores, no resto do mundo, também incluíram os gêneros interpretativos e diversionais a essa classificação. No Brasil, a primeira proposta de classificação dos gêneros do jornalismo foi formulada por Luiz Beltrão, que sugeriu três categorias: jornalismo informativo, interpretativo e opinativo. Baseado nesta classificação, MELO (1985) formulou uma nova sugestão para o modo de classificar os gêneros do jornalismo brasileiro:


A) Jornalismo informativo


1. Nota


2. Notícia


3. Reportagem


4. Entrevista


B) Jornalismo opinativo


5. Editorial


6. Comentário


7. Artigo


8. Resenha


9. Coluna


10. Crônica


11. Caricatura


12. Carta


Os gêneros informativos


Em relação aos gêneros informativos, de acordo com MELO (1985) enquanto a nota se configura como um relato breve do fato que ainda está em configuração, a notícia descreve o fato completo e a reportagem amplia as informações de um acontecimento que já eclodiu no organismo social. Já a entrevista, se caracteriza como um relato do fato que privilegia um ou mais de seus protagonistas.


Em uma análise mais recente, MELO (2006) ainda adiciona o gênero serviço à categoria informativa, que apesar de semelhante à nota, diferencia-se por tratar de ‘matérias informativas sobre cultura, economia, esportes, entre outros, redigidas telegraficamente para oferecer suporte a decisões de consumo dos leitores’ (MELO, 2006, p. 183).


Os gêneros opinativos


Ainda para MELO (1985), alguns gêneros opinativos possuem narrativa de valores semelhantes, porém, possuem identidades diferentes de acordo com a autoria/angulagem.




O comentário, o artigo e a resenha pressupõem autoria definida e explicitada, pois este é o indicador que orienta a sintonização do receptor; já o editorial não tem autoria, divulgando-se como espaço da opinião institucional (ou seja, a autoria corresponde à instituição jornalística). (MELO, 1985, p. 49)


Para o autor, a resenha e o artigo são gêneros próximos, pois a competência do autor é determinante na construção de valores dos textos. MELO (1985) também aproxima a crônica, a coluna, a caricatura e a carta, por apresentarem a identificação do autor. Porém, distinguem-se também nas suas angulações. Enquanto a ‘coluna e a caricatura emitem opiniões temporalmente contínuas, sincronizadas com o emergir e o repercutir dos acontecimentos’ (MELO, 1985, p. 49), a crônica e a carta surgem depois dos acontecimentos, como que seguindo seu rastro.


Além dessas distinções, enquanto a caricatura, para MELO (1985), representa o ‘espírito de corpo’ da redação do jornal, a carta apresenta uma opinião distante da redação, de um ponto de vista diferenciado. Já na crônica e na coluna, os valores incorporados dizem respeito à comunidade, aos grupos sociais para os quais o veículo jornalístico se dirige.


A partir dessas definições, partimos para a análise da edição dominical dos jornais selecionados, de modo a verificar se realmente há ênfase maior nos gêneros opinativos e na reportagem na edição de domingo, uma vez que, como mencionado anteriormente, nessas ocasiões os leitores teriam mais tempo para processar informações ampliadas, contextualizadas. Encontramos os seguintes resultados:


Folha de S. Paulo


O jornal Folha de S.Paulo, aos domingos, apresenta 10 cadernos/editorias. A Folha Ilustrada (10 páginas), a Folha + Mais (8 páginas), Esporte (8 páginas), Dinheiro (12 páginas), Cotidiano 1 (8 páginas), Cotidiano 2 (8 páginas), Opinião (2 páginas), Brasil (10 páginas), Mundo (8 páginas), e Ciência (1 página). Os gêneros do jornalismo se manifestaram nas diferentes editorias do jornal de acordo com a tabela a seguir:



































































































































Editoria/caderno Gênero Quantidade
Caderno Folha Ilustrada Reportagem 6
Resenha 2
Comentário 4
Caderno Folha +mais Reportagem 3
Resenha 2
Coluna 3
Esporte Notícia 6
Nota 10
Serviço 3
Entrevista 1
Coluna 1
Comentário 3
Dinheiro Reportagem 1
Notícia 9
Nota 2
Coluna 1
Comentário 4
Cotidiano 1 Reportagem 1
Notícia 5
Nota 1
Serviço 2
Crônica 1
Coluna 1
Cotidiano 2 Notícia 10
Nota 1
Comentário 1
Opinião Carta do leitor 10
Editorial 6
Comentário 2
Brasil Notícia 9
Carta do leitor 8
Coluna 1
Comentário 1
Mundo Notícia 7
Nota 3
Coluna 1
Ciência Notícia 2
Nota 1

Percebe-se que, de maneira geral, os gêneros informativos ocorrem com maior frequência na edição analisada, conforme mostra o gráfico abaixo: 


 


Entre os gêneros informativos que ocorreram na edição dominical de 20 de setembro de 2009 da Folha de S.Paulo, prevaleceram com maioria absoluta as notícias, seguidas das notas, das reportagens, nas notas de serviço e, por último, das entrevistas.



Gazeta do Povo


O diário curitibano, em suas edições dominicais, apresenta os seguintes cadernos/editorias: Economia (8 páginas), Revista da TV (12 páginas), Viver Bem (24 páginas), Caderno G (8 páginas), Esporte (6 páginas), Mundo (4 páginas), Vida e Cidadania (13 páginas), Vida Pública (8 páginas) e Opinião (2 páginas). A manchete da edição – ‘Idéia do Estado Mínimo é tese falida, diz Dilma’ – pertence à editoria de política. Os gêneros do jornalismo se manifestaram nas diferentes editorias do jornal de acordo com a tabela a seguir:











































































































































Editoria/caderno Gênero Quanto
Economia Reportagem 2
Notícia 5
Coluna 1
Caderno Revista da TV Reportagem 3
Notícia 1
Nota 13
Resenha 5
Caderno Viver Bem Reportagem 6
Nota 5
Serviço 2
Caricatura 1
Coluna 1
Caderno G Reportagem 3
Crônica 1
Caricatura 1
Resenha 8
Esporte Reportagem 2
Notícia 6
Nota 1
Serviço 1
Crônica 1
Coluna 1
Comentário 1
Mundo Reportagem 1
Notícia 4
Nota 4
Comentário 1
Vida e Cidadania Reportagem 2
Notícia 7
Entrevista 1
Caricatura 2
Coluna 3
Vida Pública Reportagem 1
Notícia 5
Entrevista 1
Coluna 3
Opinião Carta do leitor 13
Caricatura 1
Editorial 1
Coluna 1
Comentário 2

Assim como na Folha de S.Paulo, na edição dominical da Gazeta do Povo, houve maior presença dos gêneros informativos do jornalismo. Entre os gêneros informativos presentes, a edição dispôs de maior número de notícias, seguidas pelas notas, depois pelas reportagens, pelas notas de serviço e, por último, pelas entrevistas.




Diário Catarinense


A edição analisada do Diário Catarinense apresentou os cadernos/editorias de Política (10 páginas), Economia (6 páginas), Mundo (1 página), Geral (9 páginas) , Mercado e Sucesso (1 página), Polícia (2 páginas), Esporte (6 páginas), Diário do Leitor (1 páginas), Serviço (1 página), Colunistas (4 páginas), Reportagem Especial (2 páginas) e Visor (1 página). A manchete da edição – ‘Lição de vida: a história da mãe que, há 15 anos, enfrenta um rio para levar os filhos à escola’ – pertence à editoria de geral.













































































































































Editoria/caderno Gênero Quanto
Política Reportagem 3
Notícia 6
Artigo 2
Editorial 2
Coluna 1


Economia
Reportagem 1
Notícia 2
Entrevista 1
Coluna 1
Mundo Reportagem 1

Geral
Reportagem 3
Notícia 5
Nota 2
Serviço 2
Mercado e Sucesso Serviço 7
Entrevista 1
Polícia Reportagem 2
Notícia 1


Esporte
Notícia 7
Nota 8
Entrevista 1
Coluna 1
Diário do leitor Carta do leitor 14
Serviço Serviço 5
Colunistas Coluna 3
Reportagem especial Reportagem 1
Visor Nota 4
Serviço 1
Caricatura 1
Editorial 1
Coluna 1
Caderno TV + show Notícia 2
Nota 11
Coluna 2
Caderno Donna Reportagem 4
Entrevista 1
Crônica 3
Resenha 1
Coluna 2
Comentário 1

O Diário Catarinense também apresentou, na edição analisada, quantidade maior de gêneros informativos do jornalismo.



Dos gêneros informativos presentes na edição, as notas apareceram mais vezes, seguidas das notícias, das reportagens e notas de serviço, que apareceram na mesma quantidade, e das entrevistas.




Zero Hora


A edição analisada do jornal Zero Hora trouxe como manchete uma reportagem especial sobre o dia do gaúcho – ‘Os herdeiros das batalhas gaúchas’. As editorias presentes do caderno dominical foram: Informe Especial (1 página), Reportagem Especial (1 página), Política (8 páginas), Editoriais (1 página), Artigos (3 páginas), Mundo (4 páginas), Geral (8 páginas), Especial (5 páginas), Polícia (2 páginas), Gente e Negócio (1 página), Esporte (7 páginas), Dinheiro (8 páginas), TV +Show (8 página) e Donna (28 páginas).































































































































































Editoria/caderno Gênero Quanto
Informe especial Nota 5
Serviço 2
Caricatura 1
Reportagem Especial Reportagem 1
Política Reportagem 1
Notícia 3
Nota 1
Coluna 2
Editoriais Editorial 2
Artigos Artigo 6
Caricatura 2
Mundo Reportagem 2
Notícia 1
Nota 1
Coluna 1
Geral Reportagem 1
Notícia 5
Nota 3
Serviço 2
Especial: Reportagem 1
Polícia Reportagem 1
Gente e negócio Serviço 14
Entrevista 1
Esporte Reportagem 1
Notícia 4
Nota 5
Serviço 2
Entrevista 1
Crônica 1
Coluna 3
Dinheiro Reportagem 3
Notícia 3
Nota 1
Entrevista 1
Artigo 1
Coluna 1
TV + Show Reportagem 4
Resenha 1
Coluna 3
Comentário 1
Donna Reportagem 2
Notícia 1
Nota 6
Crônica 1
Resenha 3
Coluna 5

Os gêneros informativos do jornalismo também tiveram maior ocorrência na edição analisada da Zero Hora. Desta vez, as notas apareceram mais, seguidas das notas de serviço, notícias, reportagens e, por último, entrevistas.




O Estado de S.Paulo


A edição analisada do Estado de S.Paulo apresentou os seguintes cadernos/editorias: Espaço Aberto (1 página), Notas e Informações (1 página), Nacional (10 páginas), Internacional (6 páginas), Vida& (4 páginas), Esportes (6 páginas), Metrópole (8 páginas), Cultura (16 páginas), TV & Lazer (20 páginas), Feminino (16 páginas). A manchete da edição – ‘Diante do pré-sal, produtores de etanol cobram proteção’ – pertencia à editoria nacional.






































































































































Editoria/caderno Gênero Quanto
Espaço Aberto Carta do leitor 6
Caricatura 1
Comentário 2
Notas e Informações Carta do leitor 5
Editorial 3
Nacional Notícia 4
Entrevista 2
Coluna 1
Internacional Reportagem 1
Notícia 8
Vida& Reportagem 1
Notícia 4
Entrevista 1
Esportes Notícia 8
Nota 1
Serviço 7
Entrevista 3
Coluna 1
Comentário 1
Metrópole Reportagem 3
Notícia 6
Nota 3
Serviço 5
Carta do leitor 3
Cultura Reportagem 7
Entrevista 1
Crônica 2
Caricatura 1
Resenha 11
Coluna 2
TV & Lazer Reportagem 1
Notícia 8
Carta do leitor 3
Resenha 1
Coluna 2
Comentário 1
Feminino Reportagem 3
Resenha 1
Coluna 1

Apesar de estarem próximos em quantidade, na edição analisada do Estado de S.Paulo também houve maioria dos gêneros informativos do jornalismo, as notícias ocupando a maioria do espaço quantitativo, seguidas pelas reportagens, notas de serviço, notas e entrevistas.




 


Considerações


Diferente do que se esperava, as edições dominicais dos jornais diários não apresentam grandes diferenciais do jornalismo praticado nos demais dias da semana. Em todos os jornais analisados, as reportagens – que são textos mais longos e aprofundados – não foram maioria entre os gêneros informativos presentes. Além disso, os gêneros opinativos, de maneira geral, mostraram-se minoria no conteúdo jornalístico do domingo.


As discussões acerca da necessidade de uma reinvenção no jornalismo impresso são recorrentes. Com outras mídias cada vez mais rápidas e, no caso da internet, geralmente superficiais, vemos aprofundamento, reflexão e opinião como possíveis maneiras de os grandes impressos diários se manterem em circulação e adquirirem uma função social mais bem definida.


Para Noblat, é justamente essa não alteraçào no modelo do jornal diário que tem estabelecido a chamada crise nos impressos. Para o autor, o jornal diário precisa se reinventar, ninguém mais vai comprar jornal do dia seguinte para ler as mesmas informações que já leu na internent no momento mesmo em que ocorriam. Os jornais diários precisam repensar sua fórmula, caso contrário, Noblat (2003, p. 36) profetiza:




‘(…) Os jornais, contudo, morrerão, sinto dizer-Ihes isso. Tal como existem hoje, tudo indica que morrerão. Só não me arrisco a dizer quando’.


Aqui priorizamos uma descrição quantitativa de modo a evidenciar qual o tipo de gênero jornalístico mais enfatizado pelos principais jornais diários que circulam na região sul do Brasil (e do Brasil, levando em conta que Folha e Estado de S.Paulo estão entre os 10 jornais de maior circulação). Não temos a pretensão de afirmar que é este o modelo de jornal impresso brasileiro, no que se refere aos gêneros, uma vez que nossa amostra não dá conta de todo o território nacional. Entretanto, fica claro com este diagnóstico que o modelo adotado pelos jornais aqui analisados é de fato, preocupante, mostra que os principais jornais diário que circulam na região sul ainda não se organizaram no sentido de rever seu modo de fazer jornalismo diante da concorrência trazida pela internet. Não quer dizer que concordamos com a profecia de Noblat, mas, acreditamos que se os jornais não começarem logo a repensar seu modelo (de conteúdo, de abordagem, de alcance em termos de público-alvo) parece bastante provável que eles se tornarão cada vez menos importantes no processo de definição daquilo que chamamos de Opinião Pública, a despeito da influência que já foram capazes de exercer.


REFERÊNCIAS


BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Presença, 1977.


MELO, José Marques de. A opinião no jornalismo brasileiro. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1985.


MELO, José Marques de. Teoria do jornalismo: identidades brasileiras. São Paulo: Paulus, 2006.


NOBLAT, Ricardo. A arte de fazer um jornal diário. 5. ed. São Paulo: Contexto, 2004.


OLIVEIRA, Patrícia. Gêneros informativos: uma análise comparativa entre o jornalismo brasileiro e o francês. Universidade do Vale do Itajaí. Curso de Comunicação Social – Jornalismo. (Trabalho de Conclusão de Curso). Itajaí, Univali. 2008.


***


NO AR


Os bastidores de uma voz do rádio


Há algumas edições o MONITOR colocou em pauta a inclusão de deficientes no mercado de trabalho. Foi possível conhecer um pouco das leis e do panorama geral da situação que ainda é um impasse para empresas – a maioria delas despreparada para receber esses funcionários – e para as poucas escolas de capacitação desses deficientes. Já na edição passada, o leitor pode conferir um pouco sobre o jovem jornalista brasileiro. Desse encontro no metro de São Paulo, surgiu mais um personagem que sintetiza um pouco dessas duas reportagens.


Metrô de São Paulo. Um lugar que não me parece propício para conhecer pessoas. Apesar da quantidade de gente que entra e sai todos os dias, ninguém está ali para papear. Ou você presta atenção e cava seu espaço de entrada, ou fica a espera do próximo metro. Tudo é rápido e cansativo, todo mundo indo e vindo do trabalho, da escola, dos compromissos e compromissos. Mesmo assim, foi na estação Vila Mariana que conheci Adelmo.


Algumas poucas palavras e descobrimos que fazemos parte da mesma área profissional. A formação em Rádio e TV, pela Universidade Bandeirantes, permite que Adelmo Ferreira atue na produção, criação, redação e direção de programas de emissoras de rádio e televisão. Além disso, durante a faculdade foram ensinadas técnicas de edição, iluminação, operação de áudio, locução e apresentação. O perfil desse profissional exige desenvoltura diante das câmeras e microfones, facilidade de comunicação, expressão, liderança e improviso.


Adelmo conheceu os estúdios de rádio ainda criança, quando ia acompanhar as gravações de um programa do Lombardi, famoso locutor do SBT, na Rádio ABC AM de Santo André. Foi a voz desse locutor, hoje um grande amigo de Adelmo Ferreira, que conquistou a curiosidade do moleque. Desde cedo ele parecia ter o perfil exigido para a área de comunicação. Gosta de falar e isso é fácil de perceber – aquele trajeto de metro passou mais rápido do que os demais. Os ouvintes de São Bernardo do Campo, cidade onde nasceu e mora até hoje, acompanharam passo a passo a evolução profissional do radialista.


Quando entrou num estúdio pela primeira vez para gravar, Adelmo tinha 16 anos de idade. Trabalhou em rádios comunitárias e percebeu que era aquilo mesmo que queria. Resolveu sair de porta em porta e pedir para trabalhar. O diretor da Alvorada FM, emissora de Santo André, propôs um teste, e foi ali que Adelmo conquistou seu espaço todos os sábados às 18 horas. Seu primeiro programa, ‘Recado do Amor’ é até hoje sua marca registrada entre os ouvintes da região. Para se especializar no que gostava, o até então locutor fez um curso no Senac de locução de rádio e em seguida entrou para a universidade. Já que tinha o talento e um público que crescia junto ao seu programa, Adelmo procurou conhecer técnicas que aprimorassem cada vez mais seu trabalho. Hoje, aos 33 anos, além de atuar continuamente no rádio, está envolvido também com o projeto de um programa para a TV Aberta, canal 9 da Net de São Bernardo.


Adelmo se lembra muito bem quando perdeu totalmente a visão aos sete anos de idade. ‘Eu estava em Recife visitando familiares, e enquanto jogava bolinha de gude com um primo, lembro de uma mancha negra encobrindo minha visão de repente’. Quando tinha apenas um ano, ele teve sarampo. A doença atacou o nervo óptico prejudicando a visão, até que aos sete anos o nervo se atrofiou totalmente. A cegueira na infância pode ser algo muito mais comum do que se imagina, mas hoje em dia é possível evitar, prevenir e tratar – para saber mais conheça o Projeto Olhinho do Futuro do Lions de São Paulo.


Tudo aquilo foi um susto para a família e para o, até então, garoto. Adelmo se preparava para consultas com oftalmologistas em Cuba. Entretanto, o diagnóstico foi claro, e os médicos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) comunicaram à família que a situação era irreversível. ‘Minha mãe ficou desesperada, pois na minha família não tinha nada parecido. Ela fez promessas, visitou igrejas, nessas horas vale tentar de tudo’. Mas a melhor coisa que sua mãe, Dona Celeste Ferreira da Silva fez foi procurar uma escola especializada. Começou assim, o processo de readaptação ao seu mundo, que ganhava outro sentido com a perda da visão. Foi no Instituto de Cegos Padre Chico que Adelmo aprendeu o Braile e conheceu outras crianças com a mesma deficiência. ‘Lá as crianças corriam, jogavam bola, brincavam e eu vi que não era só eu’. Ele estudou no Padre Chico durante o primário e depois foi integrado a uma escola comum para cursar as séries seguintes.


A iniciativa da família foi essencial para a formação de Adelmo e na maneira como ele buscou sua inclusão. ‘Hoje em dia muitas famílias preferem manter o deficiente em casa, enrustido, sem procurar oportunidades’. O radialista comenta que não se sente excluído e sempre fez tudo que teve vontade sem medo de ser rejeitado.


Atualmente, Adelmo é casado e tem três filhos, Guilherme com 8 anos, do primeiro casamento, Giovana com 2 anos e Gustavo com um ano de idade, os dois do segundo casamento. ‘Sempre namorei mulheres que enxergavam e sou casado com uma. Muitos dos meus amigos perguntam como tenho coragem de chegar. Não tenho medo de tentar, o máximo que pode acontecer é levar um não’. Para conquistar seu espaço, Adelmo diz que é preciso ser seguro de si e passar isso para as pessoas. ‘As pessoas vão te ver da maneira que você se apresenta para elas, se eu chegar como um coitadinho… Acho que o deficiente tem um bloqueio dentro dele mesmo e o maior problema é o preconceito que o cego tem por ele próprio’.


A ferramenta ele tem: uma voz suave, dinâmica e impostada, característica de um bom locutor de rádio. Mas, a faculdade que cursou e a área de preferência exigem muita observação e cuidados técnicos com imagens, aparelhos e instrumentos. Para essas funções, Adelmo contava sempre com um ajudante que o auxiliava nos ajustes dos equipamentos. A tecnologia ajuda muito nos estudos e trabalhos de Adelmo. Ele carrega o notebook para cima e para baixo e utiliza softwares de voz que são leitores de telas.


Com a deficiência ele aprimorou o uso dos demais sentidos e tem uma ótima memória. Apesar de todas as adaptações, algumas situações engraçadas já fizeram parte de sua rotina profissional. ‘Uma vez fui entrevistar o cantor Daniel e estavam lá vários outros repórteres. Um cinegrafista, que não tinha percebido que eu não enxergava, ficava batendo a câmera toda hora na minha cara. Eu não conseguia sair nem pegar a entrevista’. Para esses casos ele conta sempre com um assessor, que o ajuda a encontrar o entrevistado e posiciona corretamente o microfone.


O radialista também atua como assistente administrativo da companhia de alarmes Sekron Digital no período da manhã. Já na parte da tarde, Adelmo é do rádio, da política e do esporte – sem contar que divide a atenção com Guilherme, Giovana, Gustavo e a esposa Tatiana Ferreira. Seu atual programa é na webrádio Vozes da Cidade, um trabalho diferente dos que costumava fazer, pois com o surgimento da internet, seu público passa a ser ilimitado.


O envolvimento do também candidato a vereador Adelmo Ferreira com a política tem como principal plataforma as conquistas dos direitos dos deficientes físicos. Apesar de não ter sido eleito em nenhuma das duas candidaturas em São Bernardo do Campo, Adelmo não pretende desistir. Para ele as duas últimas eleições foram importantes para mostrar suas propostas de capacitação e acessibilidade do deficiente, mas sua campanha ainda foi modesta diante dos demais candidatos com dinheiro para tais investimentos. O radialista avalia o atual governo federal de maneira positiva no que diz respeito à inclusão do deficiente. ‘Antes do Governo Lula era difícil as empresas cumprirem a lei 8.213instituiu que toda a empresa com 100 ou mais funcionários seria obrigada a conceder de 2 a 5% dos cargos a pessoas portadoras de deficiência-. Até 2002, nenhuma empresa era multada, hoje as empresas estão contratando e procurando se adaptar’.


Dentre as atividades diárias, Adelmo reserva um tempo para o esporte. Ele é coordenador de uma equipe de Futebol de Cinco, como é conhecida a modalidade dos jogadores com deficiência visual. ‘Mês que vem a equipe vai disputar um campeonato em Niterói da série B. O pessoal tem treinado bastante para conseguirmos chegar à série A ano que vem’, conta o palmeirense. Para quem não conhece a modalidade da qual o Brasil foi bicampeão nas Paraolimpíadas de Pequim, o esporte é praticado com jogadores vendados – pois alguns podem enxergar vultos – e somente o goleiro enxerga.


Adaptações, improviso, vontade. A combinação desses fatores contribuiu para a realização profissional de Adelmo. Dentre os momentos mais marcantes da carreira como radialista ele cita seus entrevistados favoritos, ‘o pessoal do grupo Roupa Nova’. Romântico assumido, inspira-se nas melodias da banda de mais de 30 anos para escrever suas poesias e elaborar o programa Recado do Amor – ao vivo, todas as terças, quintas, sábados e domingos às 21horas na webrádio Vozes da Cidade. Mesmo adorando o trabalho, Adelmo pretende voltar para a emissora aberta. ‘Fazer webrádio é muito gostoso, imagina falar para qualquer lugar do mundo?! Mas você acaba perdendo o ouvinte que não tem acesso à internet, a dona de casa, o trabalhador, aquela pessoa que te ouve no carro’.


O prestígio e o reconhecimento dos ouvintes são reflexos dos esforços de Adelmo. A gratificação vem com os amigos conquistados através do rádio, pessoas que admiram e retribuem de maneira carinhosa seu trabalho. O radialista recorda que um de seus ouvintes mais especiais é Jefferson, do qual só lembra o primeiro nome. ‘O Jefferson é um garoto que tem todos os meus programas gravados. Ele escuta desde minha estréia no rádio e sempre liga para falar comigo’, se emociona Adelmo, dono de uma bela voz e de muito pique.


***


‘O Jornal Nacional foi o pior fenômeno jornalístico da TV brasileira’


Tamara Belizário


Calça social por cima da camisa azul-marinho, cinto e sapato preto. Pode ser um advogado ou empresário, mas é jornalista. Em cima do palco, gesticula e fala alto quando quer chamar a atenção. No seu discurso, os grandes meios de comunicação são vilões. Luís Nassif parece dar show: ‘Se continuar como está, daqui a dez anos todos os jornais terão acabado’. Prende a jovem plateia de estudantes de comunicação com frases bombásticas e previsões catastróficas sobre o futuro do jornalismo. ‘Só sobrará a Globo. O Estadão já acabou, a Folha de S.Paulo está acabando também.’


Nassif se formou no começo da década de 70, na Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (USP). ‘A faculdade foi feita só para ganhar o diploma’, garante ele. Apesar de considerar ter aprendido mais em seis meses de trabalho na redação do que no período que ficou na Universidade, Nassif incentiva a formação acadêmica em Jornalismo. Talvez porque o palco do show é o Anfiteatro da Universidade do Vale do Itajaí (Univali) durante a Semana de Comunicação* do curso de Jornalismo da Instituição.


Frases contra os veículos de comunicação impressos são lançadas como bombas por Nassif. A plateia gosta e aprova o discurso acalorado contra os ‘picaretas de plantão’ que habitam as redações. ‘Os jornais inventam escândalos para atacar as pessoas’. O jornalista cita como exemplo o movimento para retirar Fernando Collor de Mello do governo nos anos 90. Segundo Nassif, a renúncia foi desencadeada pela imprensa que queria afastar o presidente, mas para ele foram utilizados motivos equivocados para conseguir retirar o poder de Collor. ‘Publicou-se até que o presidente usava supositório de cocaína, invenção dos mass media’, afirma Luís.


De acordo com seu raciocínio, a culpa de todos os problemas recai sempre nas mãos da imprensa. A desorganização do modelo político brasileiro é responsabilidade dos meios de comunicação, que aceitam as estranhas jogadas dos governantes porque se beneficiam com esse tipo de politicagem. A baixa visibilidade da pobreza no Nordeste também é culpa da imprensa, que se concentra apenas no eixo Rio-São Paulo e ignora os Estados mais afastados. Até a enchente… Bom, quanto à enchente que devastou Santa Catarina em novembro de 2008, Nassif não pode culpar os comunicadores. A demora no repasse de verbas para a reconstrução do Porto de Itajaí, no entanto, também é responsabilidade da imprensa. ‘Se o assunto não está na agenda dos grandes meios, ele não é discutido no Congresso.’


Quando perguntado sobre os insucessos jornalísticos na televisão brasileira, Nassif é categórico. ‘O Jornal Nacional foi o pior fenômeno jornalístico da TV.’ O jornalista acredita ainda que a guerra da Globo contra a Record só prejudicou a emissora carioca. Os ‘podres’ da concessão da Rede Globo foram expostos pela concorrente e foi uma tentativa ‘ridícula’ da Globo de reconquistar a liderança isolada que detinha há anos.


A falta de modéstia, muitas vezes típica da profissão, se mostra presente na palestra de Nassif, que dura cerca de duas horas. O exemplo de blog de sucesso é sempre o seu. O Dossiê Veja, escrito por Nassif, é usado como modelo para o bom jornalismo e o sucesso na Internet. ‘Se você digita Veja no google, as três primeiras aparições serão links direcionados para o site da revista. O quarto é para o meu dossiê.’ Depois de terminar a palestra e ir para a sala vip para atender a imprensa, Nassif não desliga o ego – e nem o smartphone. Diz, em tom descontraído, após ver a tela do celular, que quando saiu de casa não tinha nenhum comentário. Agora estava com 160, se referindo aos comentários em seu blog.


O Porto de Itaquí


Luís Nassif tenta se aproximar do público catarinense diversas vezes utilizando o porto de Itajaí como exemplo para mostrar as lacunas da política brasileira. Só esquece de atualizar seus dados, já que a cidade (e o porto!) se chamam Itajaí, e não Itaquí, como teima em dizer. O jornalista é corrigido por uma aluna que, cansada das repetições errôneas, decide gritar o nome correto do complexo portuário municipal.


Ainda no panorama estadual, Nassif fornece um exemplo concreto sobre a politicagem brasileira. A não-confirmada aliança para as eleições do ano que vem entre o Partido Progressista (PP) e o Partido dos Trabalhadores (PT) choca o jornalista. ‘Isso é um absurdo! Eu sei quem é o Lula, mas não sei quem é o PT.’ Nassif acredita que os partidos políticos perderam a identidade e passaram a ser meros aglomerados políticos.


O jornalista, que é dono da agência de comunicação Dinheiro Vivo, já trabalhou na Folha de S. Paulo (onde foi colunista e era membro do conselho editorial do jornal) e na revista Veja, onde começou como estagiário. Sobre a revista, é necessário outro capítulo: Nassif fica nervoso ao falar dos duelos que travou contra os jornalistas Diogo Mainardi e Reinaldo Azevedo, colunistas da Veja, durante os últimos anos.


Mainardi e Reinaldo Azevedo x Nassif


Em agosto de 2005, Diogo Mainardi publicou em sua coluna semanal na revista Veja um texto chamado ‘O empresário Nassif’. Mainardi acusou Nassif de reproduzir integralmente na sua coluna na Folha de São Paulo informações de um release. A mensagem foi escrita pelo empresário Luiz Roberto Demarco, oponente de Daniel Dantas para o comando da Brasil Telecom. A briga iniciou quando Nassif denunciou que a revista Veja estava defendendo os interesses de Dantas.


No mesmo ano, Nassif saiu da Folha e deixou o cargo no conselho editorial do jornal. Mainardi e seus partidários dizem que ele foi demitido. O jornalista econômico tem outra versão para a história: teria se demitido do jornal para se dedicar exclusivamente ao blog e a sua agência de comunicação. As farpas entre os colunistas da Veja e Nassif continuaram a ser trocadas até que, em fevereiro de 2008, Nassif lança o site ‘O caso Veja’ em que publica um série de artigos contra a revista.


Em ‘O caso Veja’, Nassif reúne provas e documentos que acusam os desvios éticos cometidos pela revista durante anos. ‘O maior fenômeno de anti-jornalismo dos últimos anos foi o que ocorreu com a revista Veja. Gradativamente, o maior semanário brasileiro foi se transformando em um pasquim sem compromisso com o jornalismo (…)’, explica o jornalista no começo do dossiê.


Mainardi respondeu às acusações com uma coluna titulada ‘Nassif, o banana’. Reinaldo Azevedo, também colunista da Veja, ingressou na briga e passou a fazer acusações contra Nassif depois do começo do dossiê. Hoje, os jornalistas brigam na justiça com processos por danos morais. A guerra de bugios, porém, continua no blog de Nassif e nas colunas da revista semanal mais lida no país.


Internet: o presente


As previsões de Nassif, que são catastróficas quanto aos meios de comunicação impressos, ganham um caráter positivo quando se trata da Internet e dos blogs. Os jornalistas recém-saídos das faculdades devem conseguir empregos nos portais, que vem ganhando espaço e público durante os anos. Segundo o jornalista, com o advento da Internet, as barreiras para entrar no meio jornalístico acabaram. ‘Os blogs terminaram com o monópolio da notícia.’


Luís Nassif ainda explica que os blogs reúnem uma teia com mais informação e conhecimento que os jornais impressos. Os focas (apelido dado para os jovens jornalistas) devem se acostumar a trabalhar com banco de dados, programação e linguagem rápida para a Internet. ‘A imprensa mente e os blogs conseguem desmentir na hora. Os leitores ganharam esse poder com a Internet.’ O jornalista completa dizendo que seu blog é mais lido do que a sua antiga coluna semanal na Folha de São Paulo.


No final da palestra, cinco jornalistas cercam Nassif para esclarecer as polêmicas sobre a Veja. O grupo ainda convida o jornalista para jantar, bater um papo e tomar um chope. A princípio, ele aceita. Pouco tempo depois, pede desculpas, diz que precisa ir para o hotel porque o avião vai decolar cedo no outro dia. O blog, e sua legião de fãs, não podem esperar.


Mainardi respondeu às acusações com uma coluna titulada ‘Nassif, o banana’. Reinaldo Azevedo, também colunista da Veja, ingressou na briga e passou a fazer acusações contra Nassif depois do começo do dossiê. Hoje, os jornalistas brigam na justiça com processos por danos morais. A guerra de bugios, porém, continua no blog de Nassif e nas colunas semanais da revista semanal mais lida no país.


[A semana de Comunicação da Univali aconteceu entre os dias 14 a 18 de setembro. Luís Nassif foi a atração da penúltima noite. A palestra era voltada para estudantes e profissionais de Jornalismo, Publicidade e Propaganda e Relações Públicas.]


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Imaruí: de mangue a porto


Na localidade do Imaruí, bairro Barra do Rio em Itajaí (SC), a maioria das pessoas vive como Dona Olivina e Lorizete. Elas enfrentam os mais variados tipos de problemas, que vão desde a falta de saneamento básico e água encanada nas casas até a maré que sobe frequentemente e inunda os terrenos e residências. Apesar disso, alguns deles garantem que gostam de morar no Imaruí:


É fácil entender o porquê dessa afirmação, boa parte dessas pessoas são imigrantes que vieram para Itajaí em busca de uma vida melhor. Por julgar estarem perto do trabalho – empresas pesqueiras, estaleiro, setor de construção civil – e de recursos públicos – como posto de saúde – optam por viver em condições de vida algumas vezes subumanas.


A vala a céu aberto, que toma conta de uma das ruelas, denuncia a já mencionada inexistência de um sistema de esgoto. Isso, somado à maresia, expõe as famílias a perigos bastante conhecidos de muitos brasileiros: leptospirose e diarréia causadas pelo contato com a água contaminada.


O lixo presente por todo o local mostra o descuido da comunidade com o meio ambiente, que degradam de maneira desmedida pelo simples fato de estarem ali. Contraditoriamente, o Imaruí é considerado Área de Preservação Permanente (APP) pela legislação federal porque é região de mangue.


O Projeto São Francisco de Assis


Atualmente, a prefeitura de Itajaí desenvolve um projeto que prevê a retirada dos moradores do Imaruí para executar um plano de expansão portuária no local. A Secretária Municipal de Habitação do município, Neusa Maria Vieira, conta que o Projeto São Francisco de Assis vai remover 228 famílias do Imaruí e 88 da Canhanduba e reassentá-las na localidade Volta de Cima, bairro Espinheiros. Ela explica que a empresa Itajaí Terminal Portuário (ITP), proprietária de parte da área ocupada pela comunidade, comprou o terreno no loteamento e doou-o para a prefeitura em troca da posterior remoção dos moradores.


A princípio, o financiamento das casas do projeto São Francisco de Assis será feito por meio do Programa Minha Casa, Minha Vida – da Caixa Econômica Federal. Dessa forma, o governo entra com uma parte do dinheiro e a Itajaí Terminal Portuário entra com a outra. A Secretária de Habitação garante que as famílias não terão custo nenhum e que todos os gastos serão assumidos pela empresa: ‘eles ganharão uma casa digna e com boas condições para viver. Se o acordo com a Caixa não der certo, teremos que conversar com a empresa e abrir uma licitação para contratação de uma construtora’. O advogado da Itajaí Terminal Portuário, Antônio Joanini Filho, confirma que as casas serão pagas pela empresa: ‘os moradores não terão qualquer despesa. O custo vai ser suportado pelo investidor, foi um compromisso que o empresário assumiu perante as famílias’.


Neusa Vieira conta que antes os moradores estavam mais resistentes a sair do Imaruí, mas que agora muitos vão à secretaria perguntar quando o loteamento ficará pronto, quando vão poder morar em suas novas casas e quando terão uma melhor qualidade de vida. ‘Quero fazer uma reunião com as famílias que serão removidas, mas quero levar informações concretas. Estamos fechando agora a questão do financiamento, depois disso já podemos conversar com a comunidade e dar um posicionamento mais correto’, explica.


O projeto, que foi aprovado no ano passado, não vai ser concluído esse ano. O terreno se encontra em fase de terraplanagem e as construções estão previstas para começarem em 2010. A secretária esclarece que as casas geminadas levarão cerca de seis meses para ficarem prontas e serão feitas de placas (estruturas pré-montadas), uma tecnologia internacional.


Segundo Neusa, o atual Prefeito Jandir Bellini (PP) se preocupa bastante em enviar as famílias para o loteamento na Volta de Cima, porque o local foi um dos atingidos pela enchente de novembro passado. Mas, segundo ela, o engenheiro da ITP fez um estudo no local e afirmou que o Projeto São Francisco de Assis terá a infra-estrutura necessária para que as famílias estejam e se sintam seguras. Nesse sentido, será feita uma terraplanagem de 1,5m: ‘Itajaí está hoje muito vulnerável, não se pode afirmar que um lugar não vai alagar. O que não pode faltar é o investimento na infra-estrutura’. Foi justamente isso que deixou a coordenadora do Mestrado em Gestão de Políticas Públicas da Universidade do Vale do Itajaí, Dra. Adriana Rosseto, reticente com o projeto desde o início, para ela é preocupante retirar as pessoas de uma área em que sofrem com constantes inundações para outra também sujeita a alagamentos.


Os dilemas do reassentamento


Por que não buscar alguns lotes próximos ou desmembrar alguns terrenos maiores? Esses são alguns dos questionamentos feitos por Adriana. Para ela, inserir essa comunidade na malha urbana mais próxima seria uma boa solução: ‘teria que haver um plano que considerasse a inserção dessas pessoas na sociedade para fazer uma movimentação menos traumática’. E completa: ‘mexer com a vida das pessoas não é uma coisa simples. Nós que temos dinheiro não admitimos que se mexa nem no meio-fio da nossa calçada sem que a prefeitura preste satisfação, aí, quem não tem, pode jogar em qualquer canto?’.


O presidente do Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente (CONDEMA) Caio Floriano dos Santos concorda com Adriana quanto à urbanização do Imaruí: ‘Já que não vão tirá-las para preservação do local, poderia ser feito ali mesmo o loteamento, na forma de prédios ou adensamentos para que as pessoas possam ficar lá’. Ele ainda problematiza que a prefeitura deveria considerar o vínculo que as pessoas estabeleceram com o Imaruí e entre elas próprias: ‘tem que se tomar cuidado com a questão da sociabilidade’. Santos alerta também que é importante ter cautela em misturar os moradores do Imaruí com os da Canhanduba porque são comunidades com culturas bastante distintas.


Em contrapartida, Neusa acredita que mesmo urbanizando a região do Imaruí não é possível viver lá: ‘seria necessário construir casas para todas as famílias, pois as condições em que elas vivem agora são subumanas’. Já Adriana Rosseto discorda: ‘A urbanização em uma área daquelas normalmente não é uma construção de grande porte. Requer saneamento, pavimentações, locais de uso coletivo, iluminação, tratamento de acessos viários e de pedestres’. Ela explica que não são obras difíceis de fazer e que, inclusive, tem custo baixo.


O processo de degradação do manguezal do Imaruí é anterior a ocupação das cerca de 230 famílias que vivem lá atualmente. Isso é o que afirma o arquiteto Oswaldo Schuch, que em 2004 realizou uma pesquisa sobre habitação nesse bairro. Segundo ele a primeira intervenção no local se deu pela instalação do aeroporto, que hoje nem existe mais. Mas, é ao estaleiro que ele atribui a maior parte da responsabilidade pela deterioração do manguezal: ‘O estaleiro acabou com o mangue. Em cinco anos causou uma degradação enorme ali’. Para Schuch o impacto ambiental promovido pelas famílias que ocupam a área de mangue é irrisório se comparado ao promovido pelas empresas que estiveram ou estão no local: ‘Essas empresas promoveram uma degradação muito grande e anterior a pequena degradação que essas pessoas que estão ali hoje fizeram’.


Apesar disso, o Plano Diretor Municipal atual transformou a área em Zona de Apoio ao Porto (ZAP), que significa que ela é considerada pela prefeitura como ideal para sediar e desenvolver o setor portuário. Schuch concorda que o local é favorável para esse tipo de atividade em decorrência da proximidade com o porto: ‘Aquela é uma área naturalmente preparada para expansão do porto, é possível ver o traçado da linha portuária passar por ali’. No entanto, pondera que, já que não se cogita a recuperação do manguezal, o mais correto seria optar pela urbanização do local em beneficio das famílias que ali vivem: ‘Eu entendo que o poder público poderia urbanizar a área e manter as pessoas ali, tentando não atrair mais gente para causar ainda mais degradação’. E aponta como solução a utilização do dispositivo poluidor-pagador como forma de conseguir os recursos necessários para construir uma infra-estrutura que ofereça condições de vida digna àquelas pessoas.


Outro fator que parece ter sido desconsiderado pelo poder público é o fato da localidade Volta de Cima ficar longe do centro de Itajaí. Schuch conta que o que leva as pessoas a morarem naquele ponto do Imaruí é a proximidade que encontram com o centro da cidade e com o trabalho, já que boa parte delas é empregada pelo setor pesqueiro e civil, que não exigem mão de obra qualificada. Por outro lado, o advogado da ITP defende que essas famílias serão transferidas para o bairro que será o maior de Itajaí e atribui o questionamento ao fato das pessoas estarem acostumados com cidade pequena: ‘Achamos que tudo tem que ser em torno da Rua Hercílio Luz. Nós temos que pensar em cidade grande. Hoje seis ou sete quilômetros da Igreja Matriz não podem ser considerados longe’. Vale lembrar que o loteamento São Francisco de Assis fica do outro lado da BR 101 a, aproximadamente, 10 km do centro da cidade.


Apesar de a maioria da comunidade querer agora sair do mangue, aquela velha máxima de que ‘não é possível sentir falta daquilo que nunca se teve’ cai como uma luva para algumas pessoas que vivem na localidade do Imaruí. Ouça a opinião de quem é feliz morando lá, apesar das péssimas condições.


Mangue: um berçário desvalorizado


Assim como todo ecossistema, os manguezais têm uma função. A primordial é ser berço de inúmeras espécies marinhas ou que vivem no ambiente estuarino e depois migram para o mar. Como é um local abrigado para reprodução, o mangue é considerado o grande berçário natural do mundo, como explica o oceanógrafo Caio Floriano dos Santos: ‘o mangue é um ecossistema fundamental para inúmeras espécies que vivem no mar e no seu ciclo reprodutivo adentram o rio. Elas procuram um lugar abrigado como os manguezais para reproduzirem e depois retornarem ao oceano. O ciclo biológico de muitos animais depende dos mangues’.


Outra função importante deste tipo de ecossistema é a de ciclagem de nutrientes. Santos conta que os manguezais são depuradores naturais e servem como reguladores. Segundo ele, a não preservação de um manguezal gera uma série de problemas tanto no ciclo das espécies quanto na ciclagem de nutrientes, já que tudo na natureza forma uma cadeia. ‘Infelizmente no nosso país há a cultura de achar que o mangue não tem função. Acabamos vendo o local como algo feio, sem importância e que cheira mal’, lamenta.


O que mais se vê em Santa Catarina é o descaso com os manguezais, o mais comum é aterrar esses locais para a construção de algum empreendimento. O oceanógrafo afirma que, para o poder público, a questão financeira é sempre mais atrativa: ‘As pessoas em geral, principalmente os construtores, não entendem toda a complexidade ecológica por trás desse ecossistema’.


A questão político-ambiental


Em 11 de setembro de 2008, a empresa Itajaí Terminal Portuário (ITP) conseguiu uma licença com a Fundação do Meio Ambiente (FATMA) para construir um empreendimento portuário de 29.500,00 m² no Imaruí – após o reassentamento da comunidade na Volta de Cima. O advogado da ITP, Antônio Joanini Filho, declarou que a área da empresa a ser construída passa de 100.000,00 m² e, mesmo tendo conhecimento da legislação ambiental, não concorda que aquela área seja de preservação permanente por estar inserida em um Distrito Industrial. Apesar disso, Joanini garante que qualquer empreendimento que vá ser feito obedecerá estritamente toda a legislação vigente e que o projeto de construção é conduzido a todos os órgãos ambientais: ‘Um empreendimento deste tipo exige licenciamento do IBAMA, FATMA, FAMAI, licenciamento municipal e do Ministério da Marinha… Tudo isso já foi encaminhado’.


O superintendente da Fundação do Meio Ambiente de Itajaí (FAMAI), Nilton Dauer, explica que a lei de parcelamento do solo proíbe a construção em Áreas de Preservação Permanente (APP) e em áreas de risco, como é o caso do manguezal do Imaruí. Dauer responsabiliza o descaso do poder público pela ocupação da localidade e critica o funcionamento das instituições públicas e de gestão ambiental: ‘Houve conivência de muitos governantes porque a lei não permite a construção naquele local. Se os órgãos ambientais junto com a Secretaria de Urbanismo fossem mais rigorosos não haveria essas ocupações’.


Segundo o superintendente, a proposta da FAMAI com relação à ocupação no Imaruí é a retirada das famílias em uma ação conjunta com a Secretaria de Habitação e a posterior proteção do local. Ele vê como fundamental para a preservação desses ecossistemas a existência de alternativas para realocação dessas pessoas.


No entanto, quando informado pela reportagem que as famílias serão retiradas do Imaruí não para a recuperação do manguezal, mas para a construção de um empreendimento portuário, Dauer apressou-se em afirmar que não conhece o empreendimento e que a licença para a obra não saiu de seu gabinete: ‘Aquilo não foi licenciado pela FAMAI, foi pelo órgão estadual, no governo anterior’.


Joanini assegura que não haverá trabalho de recuperação do mangue após a saída dos moradores: ‘como é que se vai recuperar a área e fazer um empreendimento ao mesmo tempo?’. O advogado alega que dentro de um Distrito Industrial as áreas localizadas à margem do rio são sempre utilizadas para empreendimentos portuários. ‘Provavelmente um EIA-RIMA, estudo de impacto ambiental, ainda vai ser feito. Isso não é uma coisa simples, é muito delicado. Mas todas as fases vão ser cumpridas’, assegura.


A pós-doutoranda em Direito Ambiental, Fernanda Cavedon, explica que os manguezais e margens de cursos d´água são considerados Área de Preservação Permanente (APP) pelo Código Florestal Brasileiro; portanto, uma norma municipal ou estadual não tem o poder de modificar esse status. Segundo ela, as normas estaduais e municipais podem somente ser mais restritivas que uma norma federal, nunca menos. ‘Mesmo que uma norma municipal preveja um uso distinto para estas áreas, prevalece o estabelecido na norma federal. Neste caso, a regra municipal é considerada inconstitucional, por não respeitar a distribuição de competências prevista na Constituição. A região do Imaruí é uma APP, pois as leis federais sempre prevalecem’, enfatiza.


Cavedon explica ainda que a resolução n° 369 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) prevê a possibilidade de regularização fundiária de ocupações urbanas de baixa renda em Áreas de Preservação Permanente. Porém, ressalta que a resolução não prevê essa possibilidade para manguezal. Isso quer dizer que os manguezais, como é o caso do Imaruí, devem ser obrigatoriamente recuperados, não se prestando para regularizações fundiárias, quanto mais a atividades industriais e portuárias.


Salvar ou aterrar? Eis a questão


Adriana Rossetto defende que não adianta preservar um pequeno ambiente se não se faz corredores ecológicos que interliguem vários espaços de preservação onde os animais possam fazer seus ciclos de alimentação e reprodução. ‘Se os animais estiverem em um reduto muito pequeno vai sempre haver desequilíbrio, ou não há predador e eles se multiplicam em excesso, ou não há presa e eles morrem de fome. Existe toda uma cadeia que é maior que aquele espaço’. Contudo, reconhece que o mangue ainda é um caso especial por estar ligado ao oceano e acabar criando uma cadeia mais complexa. Ela afirma ainda que os mangues têm alto poder de regeneração, porém observa que eles têm que ter um mínimo de capilaridade: ‘o ecossistema daquela região já está muito comprometido. Cada árvore é importante, mas uma árvore sozinha não faz uma floresta’, conclui.


A Dra. Fernanda Cavedon ressalta que mesmo que a área esteja degradada, ela não perde a sua qualidade de APP. Ao contrário, se constitui obrigação do proprietário de recuperar a zona danificada. Segundo Fernanda, a alegação de impossibilidade de recuperação do manguezal deve ser comprovada cientificamente e apenas por profissionais qualificados como biólogos, botânicos ou outros especialistas. Se for atestado que o mangue não pode ser reconstituído, Fernanda conclui que o mais lógico seria, então, fazer a urbanização do local e o assentamento definitivo das famílias que ocupam a área. ‘O mais irônico é que a Prefeitura sempre utilizou o argumento do Imaruí ser Área de Preservação Permanente para justificar a retirada da população que habita o local. Mas ao invés de após a desocupação fazer a recuperação da área, pretende justamente provocar uma ocupação do local mais intensiva e impactante’, reflete.


Caio Floriano dos Santos, que é também mestrando em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Socioambiental, alerta que não ter condições de recuperar o mangue e não ter vontade são coisas diferentes: ‘Existem várias técnicas que comprovam a possibilidade de recuperar os mais diversos ecossistemas, inclusive manguezais, até a parte que já foi aterrada. Exige dinheiro e envolve um projeto de engenharia um pouco maior, mas é possível’. Nilton Dauer concorda que é possível recuperar o mangue, mas ironiza: ‘Teria como recobrá-lo se morássemos na Suécia ou na Alemanha. O correto seria saneá-lo, mas não estamos num país de primeiro mundo’.


O desequilíbrio da balança: economia x ambiente


Adriana Rossetto observa que os responsáveis pelas políticas públicas se preocupam muito com a questão ambiental sempre que se trata de uma invasão de baixa renda, mas esquecem que o mangue já foi praticamente todo aterrado de forma legal por grandes empresas: ‘quando é assim parece que não choca. Mas quando se trata de pessoas pobres ocupando a área, aí os problemas são vistos’. Santos compartilha dessa opinião: ‘Para o poder público invasão não pode, mas empresa pode. Aquilo é uma área de domínio público, é uma Área de Preservação Permanente’. Contudo, Santos lembra que podem ser feitas ali obras de interesse social: ‘As atividades portuárias podem se encaixar nesse quesito por causa dos empregos e renda que geram’.


Nesse sentido, o oceanógrafo exemplifica que se há um manguezal numa cidade X e alguém quer construir uma marina no local, consegue facilmente todas as licenças necessárias para aterrar com a desculpa do interesse econômico e social, que vai gerar emprego e renda. ‘A área do Imaruí é própria para porto, mas não se pode deixar que tudo vire porto. Algumas áreas têm que ser preservadas antes que se acabe com tudo em favor do interesse econômico’, defende Santos. Nilton Dauer, mesmo sem conhecer o tipo de empreendimento que a ITP irá construir, acredita que é uma obra de interesse público e social que pode ser construída em cima do mangue: ‘a atividade portuária, mesmo sendo desenvolvida por uma empresa privada, se caracteriza como atividade pública depois de obter um decreto do Presidente da República, Interventor, Governador ou Prefeito. Além disso, obra de infra-estrutura portuária é protegida por lei’.


Rossetto sugere que as políticas do município venham integradas, tanto a social, quanto a ambiental e econômica: ‘Há que se pensar que áreas vão ser preservadas, quais os ecossistemas mais importantes, que áreas podem então ser liberadas para construção, tem que haver um equilíbrio’, afirma. Santos pondera que recuperar um ecossistema é sempre a opção mais interessante, mas, como está decidido que não se vai recobrar o mangue do Imaruí, sugere que o melhor a fazer é garantir que outras áreas que estão conservadas continuem assim: ‘há outros locais preservados no município que as pessoas querem ocupar também, aí está o problema. Falta uma política ambiental que resguarde pelo menos um número mínimo de áreas’.


A extinção do manguezal


Apesar de ser um gestor ambiental, Nilton Dauer é a favor da construção do porto no manguezal: ‘aquela região é portuária pelo zoneamento municipal e a economia da nossa cidade é voltada para o porto, temos que compatibilizar a proteção ambiental, o interesse social e econômico’. O superintendente declara ainda que não adianta a sociedade querer preservar um ecossistema como esse se a lei tem brechas que permitem intervir nesses locais: ‘Não adianta radicalizar, o negócio é o ganho ambiental’.


Santos discorda, dizendo que queremos poluir e crescer a qualquer custo, mas que não é assim que funciona: ‘nós estamos crescendo, mas nem estamos nos desenvolvendo. Em um futuro próximo os impactos vão ser muito piores e é bem mais caro recuperar do que preservar. Estamos primeiro degradando para depois pensar em recobrar, que é sempre mais caro. É tão mais fácil preservar, manter e cuidar’.


Para o superintendente da FAMAI existe um impacto de implantação que pode ser positivo ou negativo, já que a lei exige compensação ambiental por meio do dispositivo poluidor-pagador. Na visão de Dauer, isso é mais que suficiente para sanar os danos causados ao meio ambiente: ‘Todo impacto que houver a lei prevê reposição, compensação’.


Já o oceanógrafo alerta que às vezes se faz o estudo de impacto ambiental, mas não se avalia o posterior, não se faz prospecções. Segundo ele, depois de obtida a licença, dificilmente o órgão gestor volta para avaliar se as condicionantes estão sendo cumpridas ou se as obras estão sendo feitas de forma adequada: ‘isso ocorre até por falta de pessoal mesmo. São muitas obras e não dá pra dar conta. Acontece no Brasil inteiro.’ Santos ressalta que, quando se trata de manguezal, se pensa e analisa apenas dentro do ecossistema, mas ninguém se lembra do impacto fora dele: ‘até mesmo a produção de camarão e outros peixes é afetada. É uma questão mais complexa do que se imagina.’


O estado de Santa Catarina é a última unidade da federação a apresentar o ecossistema de mangue, que inicia no Amapá. A Baía da Babitonga, no litoral norte catarinense, representa um dos maiores manguezais do Brasil e é de extrema importância para o estado. Apesar disso, Santos observa que o Estado suprime isso no código ambiental: ‘como é que se deixa um ecossistema tão relevante de fora? O mangue é definido como APP pelo Conama e nem citado é…’. Se esta é ou não uma das razões pelas quais os empreendedores não acham interessante cultivar ou recuperar um manguezal não se sabe, mas o oceanógrafo tem certeza de que as pessoas apenas ‘vendem o Marketing Verde’ e que poucos fazem algo relacionado à questão ambiental: ‘aparentemente, todo mundo é ambientalmente correto, mas o meio está cada vez pior. Todas as empresas dizem que tem responsabilidade socioambiental, mas a gente só vê as coisas piorando e diminuindo’, conclui.


Várias questões são debatidas ao mesmo tempo: meio-ambiente, mangue, gestão ambiental, expansão portuária, crescimento econômico… Paralelamente, a comunidade do Imaruí espera a mudança para um lugar digno. Valci Ferreira, freira que faz trabalho voluntário no local, afirma de forma enfática que os moradores do Imaruí não tem qualidade de vida. ‘Não temos esgoto sanitário, gente. Tem casas aí que é tudo rabicho, não tem eletricidade. Um vai pegando do outro e corre risco, né’. E completa: ‘algo tem que ser feito em benefício dessa comunidade: ou retiram as pessoas ou ajeitam aqui e fazem tudo que o cidadão tem direito’.


O tempo exato das obras na Volta de Cima e do início da remoção dos moradores do Imaruí ainda não está definido. Neusa Vieira afirma que as datas só serão estipuladas após a Itajaí Terminal Portuário definir o que falta no projeto. ‘Apesar de as casas levarem pouco tempo para serem construídas, é necessário providenciar toda a infra-estrutura antes: creche, escola, posto de saúde, rede de esgoto, energia elétrica…’ Joanini diz que o cronograma está sendo criado e que existe um interesse grande do município em que a situação seja solucionada o mais breve possível. Enquanto isso, centenas de pessoas passam os dias na esperança de uma vida melhor.

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