Na Economia Política duas explicações foram formuladas para responder a seguinte pergunta sobre a construção dos mercados: é a demanda que provoca a oferta de produtos e serviços ou o inverso? Para Marx (1982) e Keynes (1983) é a demanda que determina a oferta; para Say (1983) é a oferta que determina a demanda.
Em resumo, a Lei de Say estipula que é a oferta que gera demanda. Ou, como diz Say (1983: 137):
‘O homem cuja indústria se aplica em conferir valor às coisas criando-lhes um uso qualquer só pode esperar que esse valor seja apreciado e pago onde outros homens têm os meios para adquiri-los. Em que consistem tais meios? Em outros valores, outros produtos, frutos de sua indústria, de seus capitais e de suas terras: daí resulta, embora à primeira vista pareça um paradoxo, que é a produção que propicia mercados aos produtos‘ (grifos nosso).
A referência de ‘mercado’ para os três autores é a concepção clássica: espaço físico onde se encontram a oferta e a procura por algum produto/serviço. Produto é algo físico, material, que pode ser estocado para consumo posterior a sua produção; logo, o consumo do produto não é simultâneo a sua geração. Serviço é o contrário: não é algo material, não pode ser estocado e por isso sua geração é simultâneo ao seu consumo. Portanto, no ramo jornalístico, ‘serviço’ existe somente no momento em que a geração e difusão da notícia é ao vivo, porque mesmo no virtual é possível a estocagem de informação divulgada.
‘Mercado’ é o mercado de informação jornalística, que é de dois tipos: a) físico, e, portanto de sentido clássico, formado por bancas de revistas/jornais e jornaleiros; b) virtual, e, portanto de sentido moderno, constituído por computadores conectados a internet, e é este que nos interessa aqui para fins de pesquisa.
Nestes dois tipos de mercados a informação é produzida e oferecida por um número cada vez mais amplo de veículos para conjuntos de indivíduos, uma diversidade de audiências – consumidores, usuários, que consomem produtos e serviços jornalísticos conforme atribuições pessoais de valor/significado. Aqui é centrado nosso interesse: é a ampliação da quantidade de veículos, principalmente via internet, tanto nacionais quanto estrangeiros, que vai determinar a oferta de informação e, em conseqüência, o seu consumo através da utilidade. Ou seja, quanto maior for o número de veículos, maior será a oferta de informação jornalística, logo, maior o mercado de audiência e, por extensão, maior o consumo desta informação.
É o que ocorre com a internet que possibilitou a existência do jornalismo online. Pelo surgimento e multiplicação de sites de notícias, que nada mais é do que ampliação da oferta de um novo e determinado tipo de veículo em relação a veículos tradicionais, como impressos e emissoras de rádio e televisão, aumentou, assim, a oferta de informação jornalística. Esta realidade mostra um erro de análise diante da ‘quantidade de informação’ nas sociedades. Como diz Taufic (1976:20):
‘No seio de uma sociedade determinada, a quantidade de informação requerida é proporcional ao grau de organização que ali prevalece. Esta é a razão do pandemônio informativo próprio da sociedade capitalista em crise de nossos dias (imagine-se a situação nos Estados Unidos) diante do sistema informativo dos países socialistas, cuja ordem é reflexo de uma economia planificada e um sistema social racional’ (grifo do autor, tradução nossa).1
Com o pressuposto de que é a ‘desorganização’, ou seja, o grau de entropia, de uma economia que gera informação, este autor conclui que o contrário, uma economia ‘organizada’, teria quantidades mínimas de informação, proporcional ao seu grau de ‘ordem’. Seu equívoco ocorre porque sua análise de uma economia de mercado, ou capitalista, sob o ponto de vista estritamente ideológico, não científica, portanto, não contempla a sua dinâmica, baseada, entre outros, no conceito de demanda e oferta de bens e serviços, um resultado da competição entre agentes econômicos.
Em resumo, Marx e Keynes indicam o fator ‘salário’ para determinar a oferta; desta maneira, a demanda somente existe se é estimulada via poder de compra. Para os dois autores o capitalismo estaria fadado a crises exatamente por isso, já que estruturalmente esta economia gera automaticamente desemprego, no enfoque de Keynes, e miserabilidade dos trabalhadores (desemprego e salários meramente de subsistência, resultando em pauperização da força de trabalho) no enfoque de Marx.
Como solução, Keynes aponta a intervenção do Estado na economia no sentido de sua regulação; Marx prevê seu fim, pelas suas contradições. De fato, o capitalismo é uma economia imperfeita, restando por isso a necessidade de intervenções do Estado para regulá-la.
Mas a análise desta economia deve ter fundamentos sociológicos (de onde se desprende a economia, a política e outras esferas da sociedade) e não da física, e, assim, um conceito do tipo ‘entropia’, derivando para a cibernética, não cabe para seu entendimento. Fazendo-se isto, é descartado o que, de fato, determina algum tipo de produção em uma economia de mercado: o surgimento e movimento de agentes econômicos que competem entre si para a sobrevivência e expansão. Estes agentes podem também ter intenções políticas, uns mais e outros menos, e alguns podem se movimentar somente por interesses mercantis. O que se enfatiza neste artigo é o econômico como determinante: a coerção para produção de informação jornalística é econômica e não o resultado de uma suposta desorganização social. Muito menos é ideológica, resultando em políticas de ação ‘de preferências políticas’, via difusão. Esta concepção, no entanto, é a que se desenvolve quando não se tem o mercado de audiência como referência. Como diz Lins da Silva (2005:48), referindo-se à imprensa:
‘O sentimento anticapitalista encontra todo tipo de estímulo na atividade jornalística. A base empresarial da imprensa tem de ser dissimulada para que ela possa apresentar-se como campeã de uma totalidade, a opinião pública. A associação inevitável desse ramo de negócios com a política e a cultura, a sua natureza quase que exclusivamente ideológica, faz surgir uma contabilidade de prestígio, influência e poder que projeta sombra sobre a contabilidade da moeda corrente. Mais recentemente, a industrialização da imprensa tornou possível, ao mercado, regular o que era antes regulado apenas pela ideologia.’
Dentro de um ambiente econômico competitivo, como começou a se formar no Brasil durante a década de 1990, é o mercado de audiência que regula a atividade jornalística através das necessidades individuais de informação. Isto significa que o que determina o acesso e compra de produtos/serviços é alguma atribuição de utilidade, por isso, a oferta, para ser eficiente e conseguir seus objetivos, deve se adequar às exigências deste mercado. É neste sentido que cabe o termo ‘industrialização’, mencionado pelo autor. ‘Indústria’ é a capacidade estrutural de se produzir algo, de forma contínua e controlável, mas, para que haja escoamento desta produção, é preciso que essa tenha enfoque de mercado – ou seja, que seja ajustada à demanda.
Neste sentido, entendemos que a Lei de Say, com ajustes e restrições, já que é um texto escrito há mais de 200 anos, embora clássico, pode ser aplicada em uma pesquisa que aborde a oferta de serviços, como se constitui a informação jornalística virtual, criando mercados de audiência.
O ‘valor’ utilidade
É a utilidade que incentiva e movimenta a demanda. Logo, a oferta busca esta adequação para satisfazer seu mercado, proporcionando o que se procura e criando o que se supõe como necessidade latente, ainda não manifestada. Segundo Say (1983: 142):
‘Para estimular a indústria, não basta o consumo puro e simples: é preciso favorecer o desenvolvimento dos gostos e das necessidades que fazem crescer nas populações a vontade de consumir, assim como, para favorecer a venda, é preciso ajudar os consumidores a obter ganhos que os capacitem a comprar.’
São as inovações tecnológicas que cadenciam uma economia de mercado, quanto mais, mais ritmo esta terá; da mesma forma que é a especialização do trabalho que define, em graus, o desenvolvimento de um país, quanto mais especializado o trabalho, maior o seu desenvolvimento. Obviamente, uma inovação ou mesmo criação de ciência e tecnologia tem como foco o atendimento de uma necessidade, e junto com ela surge funções especializadas de trabalho.
A internet não foi uma inovação, mas uma criação, pois não se trata meramente de um melhoramento de um produto ou serviço, o que caracterizaria algo inovador, mas de uma mudança radical nos modelos de comunicação até então existentes. São inúmeras e variadas as funções que a internet desempenha, mas no jornalismo ela criou o que o sistema tradicional de impressos nunca conseguiu e dificilmente conseguiria – a possibilidade de massificação, de fato, de seus conteúdos.
Definindo: público é um grupo de pessoas que tendem a homogeneidade segundo critérios como renda, escolaridade, funções exercidas no mundo do trabalho, aspirações sociais e econômicas; massa é um grupo de pessoas que tendem a heterogeneidade conforme os critérios referidos. Quantitativamente, por evidência, em uma sociedade de classes sociais, público é sempre menor do que massa. Por isso, os mercados de audiência dos impressos, por suas tiragens, são constituídos por públicos; já veículos eletrônicos, como televisão de sinal aberto, por exemplo, em sua programação jornalística, têm massa como audiência. A internet, por definição, é um processo eletrônico de comunicação de massa – no seu acesso estão misturadas classes sociais e, por extensão, pessoas que apresentam dispersão nos critérios citados.
Ao mesmo tempo, todos podem ter acesso ao mesmo conteúdo de um site jornalístico, da mesma maneira como ocorre com algum telejornal tradicional. Claro que um site pode ter enfoque de mercado de audiência, como ocorre com alguns canais de televisão a cabo, e assim ajustando seu conteúdo para um público-alvo conhecido, ou seja, com gostos, expectativas e preferências conhecidos e homogêneos, e com isto conseguir o máximo de eficiência em satisfação e fidelidade de seu público. Mas, e no caso de massificação, como amalgamar conteúdo de informação para satisfazer uma audiência diversificada? Pode-se sugerir que é o próprio jornalismo, na forma de notícias, que traz consigo a capacidade de produzir interesse e assim utilidade para qualquer pessoa exposta a ele.
O jornalismo pode ser dividido em dois níveis: um primeiro, que os jornalistas não têm controle, que são as notícias – eventos aleatórios da dinâmica social cujo pressuposto é interesse para o maior número de pessoas; um segundo, que são as pautas não-fatuais, escolhidas e selecionadas segundo critérios jornalísticos, sim, mas sempre dependendo de controle dos profissionais, do tipo iniciativa, criatividade, percepção, inspiração, capacidade de conexão com outros fatos. Assim, a pauta não-fatual é criada e administrada, e tem como pressuposto um determinado público-alvo, ou seja, ela é gerada para atender o interesse de informação de determinados grupos de pessoas (vide apêndice). Mas as notícias, não, restando apenas o trabalho de garimpagem da maior quantidade de informações conectadas entre si para possibilitar o máximo de conteúdo ao relato. A utilidade da notícia e, em conseqüência, a satisfação da audiência, está, desta forma, em sua própria natureza: atender e satisfazer a curiosidade em torno de um fato de impacto.
O ‘valor’ tempo
É certo que inúmeras vezes os consumidores em potencial de algum produto serviço são consultados, através de pesquisas, sobre o lançamento ou inovação da mercadoria. Mas estas consultas são minoria em relação ao oferecimento sem consulta prévia. E Isto ocorre não apenas no caso de produtos físicos, ou algum serviço, mas também quando se trata de produção artística. Certamente os Rolling Stones, ou Beatles, por exemplo, não fizeram nenhuma pesquisa para saber se determinada música seria bem recebida pelos seus públicos. Ou, ainda, produtores de filmes, teatro, shows e mesmo escritores e outros autores de arte. Embora todos percebam um público-alvo, mesmo que seja de forma intuitiva.
O objetivo de uma pesquisa de opinião é proporcionar segurança ao produtor (tomador de decisões), uma certeza matemática. E, de fato, informações precisas e objetivas são a base para qualquer tomada de decisão racional. O efeito esperado de uma consulta é minimizar ao máximo o risco de erro e, por extensão, eliminar prejuízos possíveis. Mas o processo de criação ou inovação de algum produto ou serviço tem um componente decisivo para o seu sucesso, quando ofertado no mercado: a empatia. De forma intuitiva, é possível compreender muito bem a sua aceitação e o seu consumo. Claro que intuição implica em riscos, mas que podem ser minimizados conforme a capacidade do produtor em imaginar seu mercado de acordo com os valores (econômicos, políticos, culturais, sociais) de sua época, ou em outras palavras, compreender satisfatoriamente o ‘espírito do tempo’ e não ‘apenas se colocar no lugar’ de alguém. Neste exercício mental o produtor se assume como tal, como ofertante de algo, mas também como demanda, ou consumidor, baseado na idéia-chave da necessidade, latente ou manifestada.
Entre a oferta e a procura existe o elo do dinheiro; para o dispêndio de algo físico é preciso comprá-lo e por isso a discussão na Economia Política clássica sobre a relação renda e estímulo da produção. Mas, e quando há o oferecimento grátis de produtos e serviços, como acontece atualmente via internet?2
Onde estaria o ‘valor’ buscado pela oferta e concedido pela demanda? No tempo das pessoas acopladas a computadores, ou seja, frações de tempo disponibilizadas para o consumo de informações, solidificando-se audiências, quantidades de consumidores e usuários que, se diretamente nada pagam para os acessos, indiretamente são compradores potenciais de produtos e serviços oferecidos pelos banners de propaganda, mas, principalmente, tornam-se segmentos cativos dos sites, através dos conteúdos expostos, pagando com a moeda decisiva na economia virtual – tempo. Porque neste mundo a condição essencial para a criação de valor e atendimento de objetivos é o convívio íntimo, e com o máximo de interação, entre usuário e máquina: disponibilização de tempo que vai se transformar em acessos3 e estes no componente decisivo para a valorização de ativos econômicos, os próprios sites.
Vejamos o seguinte: o tempo é determinante para a produção de valor econômico, já que é a sua substância. Como diz Marx (1982: 47), em nota de pé de página:
‘Conhecemos, agora, a substância do valor. É o trabalho. Conhecemos a medida de sua magnitude. É o tempo de trabalho. Resta analisar sua forma, o sinete que se imprime sobre o valor, o valor-de-troca.’ (itálicos do autor, aqui sublinhados).
Este ‘sinete’ é mercadoria. Em resumo: a substância do valor econômico é o trabalho, a sua magnitude é o tempo de trabalho e a sua forma é mercadoria. E, como diz Say (1983: 139):
‘Nos lugares que produzem muito, cria-se a única substância com a qual se compra: refiro-me ao valor. O dinheiro desempenha somente um ofício passageiro nessa troca dupla; e, terminadas as trocas, verifica-se sempre: produtos foram pagos com produtos’ (itálico do autor, aqui sublinhado).
Adaptando o entendimento de Say pode-se dizer que o ‘produto’ do usuário de sites é o seu tempo disponibilizado no acesso. É uma troca: o site oferece o produto ‘grátis’ e o usuário o consome, pagando com seu tempo. Mas como este tempo se transforma em valor econômico para o site? Pelo estoque obtido e que vai se transformar em seu principal indicador de sucesso. Afinal, número de acessos e o tempo dedicado ao site, ou seja, audiência, não é o que define o êxito ou fracasso do empreendimento, o que vai rebater no seu valor econômico, de fato?
O tempo é a magnitude do valor econômico porque pode ser mensurado, já que é finito. Por esta limitação torna-se um patrimônio para quem o detém e para quem o obtém. Cada acesso de um usuário significa alguma fração de seu tempo de vida. Logo, quando um site é acessado, frações de tempo de vida são transferidas e, somadas, resultam em um estoque ‘de tempos de vida’ que vai definir o valor econômico do negócio. Em uma economia virtual, o ‘mecanismo’ de criação de valor econômico, portanto, é o tempo, mas não um tempo materializado, cristalizado, em produtos, como ensina a economia política clássica, mas o tempo transferido, do usuário a um site, ou, em outras palavras, um recurso que a demanda detém e que cede para a oferta. Estimulada pela existência deste elemento, a oferta se movimenta no sentido de criação e disponibilização de produtos e serviços.
A internet possibilitou esta transformação do valor econômico. Aqui não se trata de geração de produtos físicos, mas de oferta e consumo de informações, ou seja, utilidades, que são assimiladas na forma de conhecimento, captadas para uso mental, e não para outras formas de dispêndios. Segue análise: primeiro com um site de busca, e após com sites de notícias, pois existem componentes que devem ser comparados nestes dois processos virtuais.
As trocas na internet
Um site de busca de conteúdo escrito é apenas um esquema computacional programado para se conectar em provedores em busca de informações para oferecimento ao usuário que o acessou e fez a consulta. Mas estas informações não foram produzidas pelo buscador, ele é apenas um intermediário, um repassador. Logo, seu lucro é a diferença entre o que oferece (informações de terceiros) e o que recebe (tempo concedido pelo usuário). Esta troca, no seu sentido econômico, é desigual: o usuário recebe menos do que oferece, sim, porque ele pagou com seu tempo um serviço que apenas foi repassado pelo site.4
Repasse é diferente de produção, deve-se notar. É certo que a atividade de ‘repassar’ exige tempo de trabalho e logo tem valor, mas também é certo que este tempo sempre será bem menor, quantitativamente, do que o exigido na produção. Repassar é mera transferência; produção é construir algo.
Este pagamento de tempo acumulado será o que vai sustentar a posição do site em seu mercado de atuação, rebatendo não apenas em sua viabilidade, mas principalmente na sua valorização econômica. Em sites cujos conteúdos são imagens, tipo Youtube, o valor econômico do empreendimento é resultado do tempo dispendido de seus usuários, que não apenas acessam, mas produzem todo o seu conteúdo. Vejamos o que diz Keen (2009:124-125):
‘Os camaradas do YouTube estão ficando particularmente ricos. Na segunda-feira, 11 de outubro de 2006 (…) os fundadores do YouTube, almoçaram com o co-fundador do Google (…). No fim da refeição, os quatro homens concordaram que o não-lucrativo Youtube, com seu staff de 60 engenheiros, seria adquirido pelo Google por 1,65 bilhão – muito dinheiro para uma companhia em que amadores criam todo o conteúdo de graça. Como o Youtube não precisa de jornalistas, editores, produtores, agentes de publicidade, pessoal para atendimento ao cliente ou pessoal de apoio, esse 1,65 bilhão de dólares é virtualmente puro lucro.’
O usuário não percebe este pagamento, afinal, ele foi atendido na sua necessidade e adequação de sua utilidade. E a percepção de que tempo é ‘valor’ é apreendida somente quando se tem em conta a relação custo/benefício e sua utilidade. Ainda: não existe algo mais certo de que o recurso mais escasso de uma pessoa é o tempo, simplesmente porque todos nós sabemos seu limite. Mas este raciocínio difere entre as pessoas dependendo do seu tempo de vida e a sua disponibilidade e graus de racionalidade. Aqui se deve ter em conta a utilidade: a troca é justa se, e somente se, para o usuário o custo de seu tempo for igual ao benefício ou utilidade (valor-de-uso) da informação obtida.
É senso comum o entendimento de que a importância da internet é devido a sua possibilidade de disponibilizar informações de forma massiva. Mas o que se pode questionar é o valor, de fato, destas informações. Que valor estaria aí constituído? Entretenimento?, correto; de cunho informativo?, também correto; formativo?, para trabalhos (‘pesquisas’) de estudantes este acesso, com efeito, tem grande valor. No entanto, como informação e conhecimento adquirem qualidade e veracidade, e daí, capacidade para alavancar outras ações dos usuários, somente com custos, a importância relativa do conteúdo vai depender de seu dispêndio para gerá-lo.
Um site de informações jornalísticas é um veículo virtual que segue a rotina de trabalho e formação de equipes dos veículos convencionais tipo impressos e eletrônicos. Pode se constituir de forma própria e autônoma, ou seja, não se atrelando ou mesmo não sendo apenas um endereço de oferecimento do conteúdo do impresso. Pode até cobrar acesso, mas este custo é relativamente barato se comparado a produtos jornalísticos físicos, e ainda pode apresentar banners de propaganda.
Estas são as formas de pagamentos, mas no geral, o que impera é a gratuidade. Pode também, conforme sua posição, ser ‘isca’ para a compra do produto jornalístico que está relacionado a ele, neste caso, o site configura-se como uma propaganda. Mercadologicamente os sites repetem normas e procedimentos dos veículos convencionais para sua viabilização econômica. No entanto, a idéia da gratuidade parece ser e certamente vai se fixar neste mundo virtual.
Mas então, como se viabiliza economicamente este tipo de negócio? Pode-se sugerir que a lógica está no fator de captação de tempo, em um ambiente de audiência potencial, onde, pelo menos intuitivamente, se percebe que a demanda se dispõe, exatamente por ser grátis, da forma tradicional, ou seja, a consumir o que é ofertado conforme preferências individuais. Explica-se: em uma economia de mercado, onde as relações mercantis são mediadas por pagamento, a gratuidade não é apenas uma novidade, mas uma novidade bem-vinda. A internet pode ser considerada uma destruidora de valor econômico se for entendida na forma costumeira de se pensar e medir negócios tradicionais. Mas ocorre que o que interessa, e o que faz valer um site de sucesso, não é o retorno financeiro no sentido até agora conhecido, mas o retorno no sentido de que a sua estruturação e, por extensão, o valor do negócio, é o acúmulo de tempo absorvido de seus usuários. Este é o dado a ser exibido e que é, de fato, o maior agregador de valor econômico.
Ao contrário de um site de busca, onde as trocas são desiguais entre usuário e a empresa, em um site de informação jornalística, que se posiciona como veículo jornalístico de forma autônoma, pode se considerar o contrário. Isto porque é um serviço com produção própria de conteúdo e que é disponibilizado na forma de livre acesso ao usuário, com as restrições já mencionadas. É o jornalismo praticamente grátis, ‘cobrando’ apenas o tempo de acesso pelo fornecimento de informações. Mas deve-se observar: trata-se de um site com natureza jornalística, ou seja, uma indústria cuja dinâmica é estimulada pela ocorrência de fatos noticiáveis e por isso mesmo capaz de suscitar interesse permanente. Aqui não se trata de ‘informação’ armazenada em bancos de dados, com veracidade discutível, mas de informações do presente, do passado imediatamente recente, atualizadas e com autoria expressa.
Conclusões
Se em uma economia baseada em bens físicos o que estimula a oferta é a condição financeira da demanda, ou seja, renda, conforme Keynes e Marx, no mundo virtual se percebe, e é o que está sendo sugerido, que o limitante seria a escassez de tempo, porque tempo na forma de acessos é o que pode determinar a criação de valor econômico. Tempo, no entanto, é o recurso natural de qualquer pessoa. E, quando conectada a internet, torna-se uma usuária não apenas potencial, mas real, com condições de trocar este seu recurso por informações consideradas úteis. Assim, não é difícil entender a oferta de sites de informação jornalística. Aqui, o mercado de demanda não é ‘de renda’, mas de vidas, cujo substrato é o tempo. Fatores que ainda apresentam barreiras para o aumento deste mercado poderiam ser número de computadores conectados a banda larga, mas isto está em expansão. Barateamento das máquinas e acessórios para mobilidade é uma tendência constante. Ainda, como no setor produtivo o computador é o centro de qualquer atividade, o uso do aparelho possibilita, mesmo em poros da jornada de trabalho, acesso a internet.
Neste ambiente, o mercado da oferta induz a criação e expansão de sua própria demanda, conforme a Lei de Say. Em primeiro lugar, pela gratuidade aparente dos produtos e serviços jornalísticos, com utilidade crescente em um ambiente competitivo, não apenas econômica, mas pessoalmente; em segundo, também por informações jornalísticas sobre informática, o que determina estímulo, aprendizagem constante e dependência do usuário neste aprendizado; em terceiro, pelo incentivo para aquisição de computadores via propaganda (com preços cada vez mais reduzidos e facilidades de compra) e, sociologicamente, pelo movimento de mimetismo entre grupos e classes sociais. E por último, mas não menos importante (last, but not least), pela elasticidade do mercado desta demanda, porque todos os usuários são iguais ‘na capacidade de pagamento’, pois possuem igualmente o mesmo recurso – tempo, ao contrário das restrições, e assim, inelástico, do mercado pensado por Keynes e Marx.
É certo que, como próprio de uma economia de mercado, a concorrência decide a sobrevivência e a estruturação dos negócios. Por certo os sites são enquadrados neste regime de competição e como qualquer outro empreendimento haverá sempre o desaparecimento de alguns, o surgimento de outros e a solidificação de poucos. Neste sentido, esta economia ainda faz valer suas leis. Mas o que se enfatiza é que a base de expansão da demanda para este tipo de oferta se constitui no recurso ‘tempo das pessoas’ e não no recurso dinheiro.
Apêndice
A construção de mercados através de pautas não-fatuais e da opinião.
Tomando-se a atividade jornalística mercadologicamente é certo dizer que a diferenciação entre veículos está na oferta de informação e de opinião criada e administrada, ou seja, em matérias próprias de cada empresa. Fatos que são notícias se constituem em propriedade de todos que fazem parte deste ramo, não havendo aí possibilidade de algum agente se diferenciar (a não ser em capacidade econômica e profissional que se reflita em cobertura; o que se enfatiza é que o fato noticiável pertence igualmente a todos os veículos). Mas com informação produzida através de pautas não-fatuais, isto é possível, como também com outro tipo de conteúdo, a opinião através de articulistas/colunistas/comentaristas. Estes dois produtos são os que podem ser gerados de forma exclusiva pelas empresas e por isso são capazes de afirmá-las, como marcas, no mercado de audiência.
O conceito capaz de capturar e manter audiência é a utilidade. No jornalismo esta idéia raramente é analisada, e isto tem motivos. Embora base da economia política clássica, ‘utilidade’ no seu sentido contemporâneo está ligada ao marketing, área de negócios não ‘atraente’ nos estudos e pesquisas acadêmicos sobre jornalismo. No entanto, é o fundamento para qualquer relação de produção e negócios, como se constitui a atividade jornalística. Marketing não é nada mais do que atuação no mercado. A sua definição, para Kotler (2000: 30), é:
‘Marketing é um processo social por meio do qual pessoas e grupos de pessoas obtêm aquilo de que necessitam e o que desejam com a criação, oferta e livre negociação de produtos e serviços de valor com outros’ (negrito do autor).
Como se nota, a idéia de utilidade está embutida no conceito: ‘aquilo de que necessitam e o que desejam’. Algo útil ou uma preferência é uma atribuição de valor que pode ser individual ou de grupos funcionais ou mesmo de classe social. De qualquer maneira, sempre será um produto cuja origem é uma especialidade, ou mesmo especificidade, para atender determinados interesses de consumo. É por isso que a estratégia que melhor pode resultar em atendimento adequado a estes interesses é o enfoque de mercado, no caso do jornalismo, enfoque de audiência, ou, em outras palavras, adequação estrita ao desejo da audiência.
No jornalismo impresso não é difícil esta constatação, basta ir a uma banca de revistas/jornais e observar os produtos existentes, principalmente no caso de revistas. São todas especializadas e mesmo as quatro revistas semanais de informação hoje existentes são focadas a mercados determinados. É a utilidade da informação que norteia os temas das edições e como um valor agregado, acoplado ou não aos assuntos editados, a opinião.
Pelas pautas não-fatuais – conjuntos de informação que procuram esgotar um tema proposto – o jornalismo mostra sua dinâmica própria, pois aqui independe de fatos noticiáveis, de valor jornalístico por si só, mas fora de seu controle para que existam, e sem necessidade de apelar para fait-divers, tão comuns em sites noticiosos. É a forma de produzir, em seu sentido lato, sua própria mercadoria, decidindo desde sua geração até a formatação para divulgação, construindo mercados de audiência próprios para o veículo.
Os veículos impressos têm maior propensão para este tipo de produto. A característica de informação abrangente e com maior complexidade parece ser melhor ofertada através de uma base física, como o papel. Mas o jornalismo on-line, embora relativamente recente, pode e deve oferecer meios para a reportagem e para a opinião, o que já ocorre, mas que apresenta condições de maior intensidade. É a maneira que um veículo tem de se diferenciar e, por extensão, criar seu mercado de audiência. Um mercado, como visto, que tem o ‘tempo’ como custo de dispêndio e não dinheiro, e portanto, elástico por definição.
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Professor do Departamento de Jornalismo, Universidade Federal de Santa Catarina