Os antigos revisores de redação foram trocados pela correção automática dos programas de computador e por um maior cuidado dos jornalistas na hora de escrever. Mesmo assim, a imprensa ainda não está isenta de erros. As falhas acontecem, mas nem sempre os jornais retificam ou mesmo informam seus leitores disso. Por quê?
O Monitor de Mídia analisou nesta semana 20 edições aleatórias dos principais jornais catarinenses, entre os dias 17 de abril e 18 de junho. Nelas, procuramos onde, quando e como retratações e correções foram publicadas em A Notícia, Diário Catarinense e Jornal de Santa Catarina.
Esta preocupação com a transparência e o controle de erros não é nova para o Monitor de Mídia. Em setembro de 2001, já perguntávamos: O leitor tem o direito de saber que não foi bem informado? Deve saber se o jornal errou? O jornal, por sua vez, deve apontar todos os erros cometidos numa edição? Se isso não é possível, quais equívocos precisariam ser sinalizados? Como os meios podem tecer uma relação de transparência com seus leitores e ainda manter a credibilidade?
Os anos passaram, muitas edições foram publicadas depois desta análise, mas as dúvidas continuam. E o problema persiste. Naquela ocasião, assim como agora, percebeu-se que a maioria das retificações publicadas foram trocas de datas e pequenos enganos, sem maiores problemas aos envolvidos. Mais uma vez também, o número geral de erratas ou correções foi relativamente baixo, em relação à quantidade de publicações conferidas.
Dos três jornais, o Diário Catarinense foi o que apresentou mais correções. O jornal possui um lugar específico em suas páginas – ‘DC errou’ – e, no período analisado, teve oito retratações. Já A Notícia e Jornal de Santa Catarina admitiram quatro vezes cada um que errou, sempre publicando essas erratas nas editorias onde os deslizes teriam acontecido.
O número relativamente baixo de erratas deixa a seguinte dúvida: os jornais erram pouco ou preferem admitir somente os deslizes de maior repercussão?
Parece pouco, mas…
Das edições analisadas de A Notícia, somente quatro apresentaram alguma forma de retificação. O jornal publicou as correções em pequenos ‘boxes’. Nos dias 17/04 e 17/05, o periódico se retratou, respectivamente, por trocar a data de fundação do Corpo de Bombeiros Voluntários de Joinville e o ano de falecimento de Rita Hayworth. Parece pouco, mas a diferença entre as datas publicadas era de 180 anos. Pode ser erro de digitação, mas é um erro centenário.
Já em 21/05 constou na correção que Yasser Arafat foi líder do Fatah e não do Hamas, como foi publicado em edição de 19/05. Seria como se publicassem que Lula foi presidente de honra do PSDB e não do PT…
Chamou a atenção em 17/05 o box ‘Esclarecimento’, onde constava:
O senador Neuto de Conto e o deputado Edinho Bez não foram localizados pelo celular para dar suas opiniões sobre a legalização do aborto. Na reportagem publicada na edição do dia 13/05, página A4, A Notícia afirmou de forma imprecisa que ambos não haviam dado retorno às ligações feitas pela reportagem.
Interessante como o jornal buscou deixar claro o assunto, além da simples complementação.
Pouca agilidade
Nas 17 edições analisadas, foram encontradas três retificações, intituladas ‘Correções’. No dia 09/05, uma pequena nota (no canto inferior esquerdo da página 17) corrigiu a data de início do curso de Gestão do Lar. Neste caso, o periódico levou três dias para retificar a falha.
Na edição de final de semana (16 e 17/06), o Santa trouxe uma ‘Correção’ publicada em um ‘box’ no canto inferior direito da página 10 da editoria ‘Economia’. O jornal foi rápido em fazer a alteração – o erro foi cometido na sexta-feira. Apesar disso, uma falha persistiu:
Os nomes dos diretores de Aperfeiçoamento Profissional e de SPC da CDL são, respectivamente, Udo Altenburg e César Buschmöler, e não Udo Altenburg e César Buschmöler, como publicado…
Como se pode notar, o jornal não prestou atenção ao retificar. Errou na errata.
Na edição de 18/06, o Santa publicou uma ‘Correção’ no canto inferior da página 3 do caderno ‘Lazer’. A nota retificou a data de exibição dos filmes ‘As Crônicas de Nárnia’ e ‘Se eu fosse você’ e do episódio sobre São Paulo do programa ‘Vai pra onde?’. O periódico apresentou as retificações um dia após cometer as falhas.
Diário Catarinense
Apesar de já ter uma seção específica para erratas, o Diário Catarinense usa também o ‘Sobre o DC’, que permite aos leitores expressar erros que encontram dentro do periódico.
Das edições avaliadas, oito publicaram erratas.
Em geral, foram percebidos erros comuns, como troca de nomes, de cargos e informações. A maioria das correções foi divulgada no dia seguinte, com exceção do dia 12/05, quando foi corrigido erro de 06/05.
Alguns equívocos cometidos pelo jornal chamaram à atenção na análise, como em 17/05 quando o DC publicou a foto do Colégio Energia como referente ao local investigado pela operação Moeda Verde, sendo que a obra citada nem foi iniciada. Já em 16/06, o erro foi ainda mais grave: o periódico noticiou que o ex-governador Colombo Machado Salles estava morto em uma nota no ‘Caderno de Gestão’, quando na verdade ele está vivo, embora afastado da vida pública. O jornal literalmente matou o governador!
Como podemos perceber, o jornal procura corrigir os erros publicados logo nas edições seguintes. Isto é um ponto positivo, pois demonstra que o DC sabe reconhecer os seus erros.
Como fazer?
Passados quase seis anos da primeira análise que este Monitor de Mídia fez sobre os erros nos jornais catarinenses, nada mudou. A grande imprensa local ainda comete erros – como em qualquer parte do mundo –, mas pouco retifica e quase nunca informa ao leitor sobre os erros cometidos.
É claro que esta é uma questão muito delicada. Afinal uma empresa quer transmitir a melhor imagem de seus produtos e serviços, e erros só piorariam essa imagem. Entretanto, há que se levar em conta que não estamos tratando de empresas comuns, mas de um ramo cuja mercadoria é de finalidade pública: informação. E para quem trabalha com informação, transparência e cuidado são fundamentais para não apenas passar uma imagem de maior comprometimento com a qualidade e de maior disposição em melhorar. Por isso, não é vergonha nenhuma para um jornal publicar erratas e admitir falhas. Na verdade, este é um primeiro passo para evitar as falhas.
Em seis de anos de acompanhamento sistemático da imprensa catarinense, esse Monitor de Mídia ainda não conhece alguns mecanismos e práticas internas das empresas do setor. Não sabemos – e os leitores também não sabem – quais os critérios para retificar um erro; como esses erros são descobertos; e se as empresas do ramo dispõem de uma política para evitar e controlar as falhas. Quem não quer jornais melhores e mais transparentes?
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Hora de fechamento
A imprensa catarinense sofreu novo golpe na semana que passou. O diário mais antigo de Santa Catarina – O Estado – anunciou que circulará apenas nos finais de semana por conta da gravíssima crise que o corrói há anos.
A notícia é ruim, muito ruim. Não apenas para o mercado jornalístico que vê fechar postos de trabalho, fornecedores amargarem com as dívidas e uma empresa cair de joelhos. O anúncio é ruim para a sociedade como um todo, que perde uma tribuna para manifestar sua opinião, uma alternativa informativa e um patrimônio da comunicação.
Mas o leitor deve estar pensando que este Monitor de Mídia está se antecipando ao velar o jornal, já que O Estado apenas comunicou a mudança de sua periodicidade, e que ainda manterá sua circulação. Na verdade, não. Entendemos que a decisão dos controladores da empresa tenta apenas adiar o inevitável: o fechamento do jornal. Até porque a empresa que edita O Estado vem se arrastando há anos em condição pré-falimentar, amargando dívidas, e vendo a qualidade do produto despencar vertiginosamente. Para quem chegou a tirar 20 mil exemplares por dia e cobrir todo o estado, o retrato dos últimos anos é desolador: a tiragem não passa dos 5 mil e fica restrita à Grande Florianópolis.
Sob o título ‘Sacrifício Inevitável’, uma nota oficial foi publicada na edição do domingo, 17 de junho, e dizia que a decisão de apenas circular aos finais de semana só foi tomada ‘depois de muita reflexão, angústia e sofrimento’ e que isso se tornou ‘inadiável’. Por isso, a empresa optou por suspender ‘por tempo indeterminado’ as edições diárias. A mesma nota tenta afastar o boato – sempre constante – de que o portal fechará as portas em seguida. Segundo o comunicado, a medida ‘não é definitiva’ e vai durar o tempo necessário para a recuperação da empresa.m
Este Monitor de Mídia vê com pesar o desfecho dessa crise na imprensa catarinense. Afinal, o fim de um jornal não é bom para ninguém, nem mesmo para a concorrência, pois ela se acomoda, perde referências e o ímpeto de competir. Alguns historiadores da imprensa local afirmam que O Estado adoeceu quando o Diário Catarinense foi lançado, em 1986. Pode ser, pois o Grupo RBS trouxe um novo jornalismo e um novo tipo de gestão de empresas no setor. O Estado, por sua vez, apegou-se a uma tradição insustentável, pois esse ramo produtivo é muito mutável. O jornal não se modernizou, perdeu mercado, definhou e agora está na UTI.
Torcemos para que ele surpreenda e se recupere, voltando às bancas com saúde suficiente para caminhar com as próprias pernas. Torcemos para que a expressão ‘fechamento’ – que no jornalismo significa ‘hora de concluir a edição’ – não tenha outro significado para O Estado.
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