Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Jornais penderam para o ‘Não’

Eles até tentaram, mas não conseguiram. Os principais jornais catarinenses buscaram algum equilíbrio na cobertura do referendo, mas levantamento aponta que houve uma supervalorização do ‘não’ na quinzena que antecedeu a consulta popular. Coincidência ou não, A Notícia, Diário Catarinense e Jornal de Santa Catarina manifestaram-se contra o fim do comércio de armas e munições. Isto é: eram claramente pelo ‘não’. A parcialidade foi além do conteúdo opinativo: refletiu-se também no informativo, inclusive com a omissão de notícias que pudessem influenciar um voto favorável à proibição.

No dia 18 de outubro, por exemplo, A Notícia não trouxe uma linha sequer sobre a morte de um adolescente de 15 anos, que foi vítima de arma de fogo em plena sala de aula. O disparo foi efetuado por um colega de classe e sem intenção. O Jornal de Santa Catarina também não deu nada sobre o fato, enquanto o Diário Catarinense fez rápido registro na página 35 da editoria de Polícia. O crime foi de grande repercussão na semana que antecedeu o referendo, mas por que os jornais não deram a notícia? Havia razão para essa omissão?

As vozes do ‘não’

As opiniões sobre o referendo inundaram as páginas dos jornais dias antes da votação. Mas depois também. Contagem feita nos jornais, entre os dias 15 e 27, apontou que as manifestações pelo ‘não’ foram muito superiores em número que as demais. No Jornal de Santa Catarina, foram publicados 13 textos opinativos (entre editoriais, artigos e cartas) no período, dos quais seis foram pelo ‘não’ e dois pelo ‘sim’. Os demais criticavam a realização do referendo ou o próprio governo.

O Diário Catarinense publicou 28 textos, 17 pelo ‘não’ e dois pelo ‘sim’. Sete outros textos criticavam a consulta sobre a proibição do comércio de armas e munição, um apoiava o pleito e outro comentava superficialmente o evento.

A Notícia trouxe 29 textos no período analisado. Doze manifestaram-se pelo ‘não’, quatro pelo ‘sim’, onze queixaram-se do referendo e dois apoiaram-no.

No total, os jornais publicaram 70 textos, sendo 43 posicionando-se claramente pela consulta. Neste universo, 81% das manifestações foram pelo ‘não’ contra 19% do ‘sim’. Pergunta-se: se os jornais estavam dispostos a estimular o debate, não teria sido melhor publicar manifestações de forma mais equilibrada?

Marcando posição

Os jornais catarinenses expuseram suas opiniões sobre o referendo em seus editoriais. Na edição do dia 16, exatamente uma semana antes da votação, os diários se posicionaram pelo ‘não’. A opinião do Grupo RBS foi publicada no Diário Catarinense, o que dispensou repetição no Jornal de Santa Catarina. Mesmo de forma sutil, deixou clara a preferência: ‘Da mesma forma como almejamos uma sociedade justa e pacífica, defendemos que os cidadãos tenham liberdade para exercer todos os direitos assegurados pela Constituição, entre os quais o de decidir a melhor forma de se defender da violência que os ameaça cotidianamente’. Já o jornal A Notícia foi mais enfático: ‘A existência de arma em casa não implica, necessariamente, como se deseja transmitir à população, o risco de morte acidental. É, contudo, uma garantia e um direito que o cidadão tem de se defender, ou seja, de agir em legítima defesa ou em defesa de seu patrimônio. Trata-se de um direito legítimo e constitucional que não lhe deve ser confiscado. […] A opção pelo ‘não’ se impõe, então, como a mais racional e mais consistente, em defesa da própria vida, interesse maior de todos e de cada um’. O referendo fez com que os jornais ‘saíssem do armário’, já que – na maioria das vezes – eles não se posicionam claramente em debates mais polêmicos. Além de suas posições, os jornais catarinenses apresentaram noutros editoriais duras críticas à realização do referendo e ao próprio governo federal.

Uma surpresa no Vale

O Diário do Litoral, mais conhecido por Diarinho, também se posicionou frente ao referendo. No dia 19, trouxe texto do editor tomando partido do ‘sim’. A surpresa se deu pelo perfil do jornal, marcadamente sensacionalista, e cotidianamente explorando a violência urbana. O Diarinho justificou: ‘Por uma cultura de paz e pela crença numa sociedade civilizada’.

Alvo no regional

A cobertura do referendo pelo Jornal de Santa Catarina foi aumentando gradativamente. A partir do dia 18, com a chamada de capa ‘Como os parlamentares de SC votam no referendo’, passou a publicar diversas matérias sobre o tema. A grande maioria era relacionada à região que cobre, em especial a Blumenau. Na matéria ‘Tire suas dúvidas’, apresentou encarte com informações básicas a respeito do referendo, do Estatuto do Desarmamento, bem como os procedimentos de votação e justificativa. Trouxe debates entre especialistas, cidadãos e também entre a Frente Parlamentar pelo Direito à Legítima Defesa e o Programa de Segurança da ONG Viva Rio, através de entrevistas ou perguntas e respostas para os dois lados.

Na capa expressiva da edição conjunta do fim de semana (22 e 23/10), a manchete ‘O voto é sua arma’ indicava páginas que apresentavam matérias com argumentos e depoimentos dos dois lados. Bastante informativas, as matérias esclareciam diversas dúvidas sobre o referendo. Na segunda que sucedeu a votação, parte da capa do Santa se resumiu a um ‘Não’, que indicava o resultado do referendo. Aliás, essa foi a lacônica manchete do dia e a edição com mais páginas a respeito do assunto. Além da matéria com o resultado geral, apresentou infográfico com os números de votos em cada estado e tabela com o resultado de todos os municípios de Santa Catarina. Na mesma edição, fez análise da vitória do ‘não’, com depoimentos de autoridades em matérias quase sempre relacionadas ao Vale do Itajaí. As matérias sobre o referendo se encerraram no dia 25. O jornal publicou reportagem sobre as cidades que mais votaram no ‘sim’ e no ‘não’ no estado.

Em cima da hora

Certamente, os leitores do Diário Catarinense estranharam as poucas matérias sobre o referendo até um dia antes da votação. Exceto opiniões, apenas matérias sobre o crescimento do número de registros de armas no país, a confusão dos eleitores quanto à pergunta mal formulada para o referendo e os preparativos finais para o domingo, constaram nas páginas do DC na semana que antecedeu o dia do referendo. Talvez a matéria mais aproveitada, publicada na edição que abordou os preparativos finais, foi a intitulada ‘Ainda dá tempo para tirar as dúvidas’. Fez menção ao funcionamento do Plantão do Tribunal Regional Eleitoral, antes e durante a votação. Uma boa alternativa para os leitores do DC que até o sábado não dispunham de muitas informações sobre o pleito. O motivo? Infelizmente, diversas páginas de matérias e reportagens sobre o referendo só foram publicadas no próprio dia da votação. Foram publicadas 11 páginas nesta edição. Tarefa difícil para o (e)leitor que se preparava para votar.

Ainda que não justifique o atraso, a edição de segunda, com a manchete: ‘Brasileiro diz ‘não’ à proibição do comércio de armas e munições’, estava elogiável, bastante completa. O leitor pôde se informar dos resultados, bem como da repercussão e conseqüências do referendo no estado e no país.

Na dose certa

A melhor estratégia de publicação foi, sem dúvidas, a de A Notícia. Uma série de reportagens foi publicada na semana que antecedeu a votação, e ofereceu todas as informações necessárias para esclarecer o assunto em doses curtas, para facilitar a leitura. A série foi publicada em sete dias, sempre com uma agenda na margem esquerda da página, indicando a seqüência de temas abordados: no dia 16, veio com ‘O que é o Estatuto do Desarmamento’; no 17, ‘Estatísticas de morte por arma de fogo’; em 18/10, trouxe ‘Como funciona o comércio de armas hoje’; no dia seguinte, ‘Saiba como votar no referendo de domingo’; dia 20, publicou ‘Motivos para dizer sim à proibição’; dia 21, ‘Motivos para dizer não à proibição’; no dia 22, veio com ‘Opinião de diferentes setores da sociedade’ e dia 23, da votação, ‘A população vai às urnas’. As páginas do especial possuíam uma diagramação diferenciada, com o intuito de destacar a série e organizar melhor o conteúdo. No centro, vinha uma matéria principal, indicada pela agenda e algumas secundárias contendo depoimentos, entrevistas e também infográficos e boxes informativos. Em uma coluna no canto esquerdo da página, estavam dispostas notas com informações atuais relacionadas ao referendo.

No dia 24, após a apuração, o AN chegou às bancas com a manchete ‘País rejeita proibição do comércio de armas’ com resultados das votações no país e no estado e apresentou matérias criticando a atuação do governo. No dia seguinte, mostrou o resultado das votações nas cidades catarinenses e que o ‘não’ teve maior vitória nos pequenos municípios.

Muita Oktober…

Santa Catarina transforma-se no mês de outubro num dos principais pontos turísticos do país. Em diferentes cidades acontecem festas típicas que resgatam as tradições herdadas dos imigrantes e reúnem mais de dois milhões de pessoas. Com tamanha repercussão, não seria diferente nas páginas dos jornais catarinenses. O Jornal de Santa Catarina se destacou na cobertura da segunda maior festa popular do Brasil depois do carnaval, a Oktoberfest. Porém não se pôde dizer o mesmo em relação a todas as festas de outubro. Além do caderno especial da Oktober, o Santa destinou duas a três páginas de sua edições para as festas de outubro, mas quase todas as matérias eram sobre a festa de Blumenau. Pouco se falou da Marejada, em Itajaí, da Fenarreco, de Brusque, da Festa das Tradições, em Joinville, e quando mencionadas eram em matérias curtas ou notas.

Perdendo para o referendo

No Diário Catarinense, a cobertura foi modesta, apresentando alguma coisa sobre a festa da capital (Fenaostra) e matérias da Agência RBS relativas à Oktoberfest e outras festas. O referendo realizado no dia 23 de outubro não interferiu na venda de bebidas nas festas de outubro, mas afetou a divulgação das festividades nos jornais catarinenses. Os diários ficaram devendo aos leitores um espaço de maior destaque para eventos tão importantes no calendário local. Cadernos especiais poderiam ter sido produzidos, com matérias bem elaboradas e conteúdo informativo, por exemplo.

Festivo mesmo…

O Jornal de Santa Catarina publicou, de 7 a 24/10, um caderno especial sobre a maior festa da cerveja do país: o Oktober Zeitung. O suplemento teve caráter de divulgação, trouxe a programação da festa, o que aconteceu por lá, além de matérias e colunas bem humoradas, rostinhos bonitos, povo animado. Bem colorido, com formato dinâmico, passava ao leitor o espírito de animação da festa. Mais um meio de marketing da Oktober do que propriamente um jornal, o caderno era superficial e recheado de fotos e receitas da culinária típica.

De novo, mais equilibrado

Entre os jornais locais, A Notícia foi o mais equilibrado na cobertura das festas de outubro. Publicou a localização e as programações das festas, preocupou-se com o resgate das tradições dos imigrantes e com a repercussão dos eventos. O AN não restringiu o assunto à editoria Geral, mas também publicou matérias nas páginas de cultura e economia, por exemplo. A cobertura não foi exaustiva, mas bem abrangente, considerando não apenas a Oktoberfest mas também as outras festas populares da região.

Piada pronta

Com a transferência do traficante Fernandinho Beira-Mar para Santa Catarina, uma anedota se tornou obrigatória na imprensa local. Explica-se: o criminoso foi recolhido à carceragem da Polícia Federal, cuja sede fica na avenida mais nobre da cidade, a Beira-Mar. Apesar das queixas à vinda do traficante mais perigoso do país, houve quem dissesse que ele, agora, está no lugar certo.

Manchete espirituosa

O Diário do Litoral, o mais popular e sensacionalista jornal do Vale do Itajaí, não levou a sério a transferência do traficante para o estado. Trouxe a manchete: ‘Beira-Mar vem pra Floripa e vira vizinho do governador’. Explica-se: a sede da Polícia Federal, onde está hospedado o criminoso, fica bem ao lado da Casa da Agronômica, residência oficial do governador Luiz Henrique da Silveira.

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