Há exatos oito anos, propunha a criação de uma rede nacional de Observatórios da Imprensa (ver remissão abaixo). O Observatório da Imprensa era uma experiência nova de crítica de mídia, a própria Internet era nova e os cursos de Jornalismo viviam os estertores do velho currículo de 1984 e o debate sobre revisão de projetos pedagógicos iniciava-se com força.
A proposta foi insistida, reiterada e reapresentada várias vezes. Não vingou.
Este texto não pretende debruçar-se sobre as razões do fracasso de uma proposta aparentemente simples e viável, mas tentar compreender as necessidades fundamentais para que a atividade de crítica de mídia, nas escolas de jornalismo, consigam frutificar.
1. Impossível haver bons cursos de jornalismo onde o jornalismo real é deficiente.
Parece o obvio. Infelizmente não é. O jornalismo brasileiro vive um de seus momentos mais difíceis e desafiadores, particularmente nestes primeiros anos do século XXI. Mesmo assim, os exemplos de jornalismo de referência são bastante limitados.
Como agravante, o Brasil tem um sistema midiático caracterizado por jornais locais, revistas nacionais, redes nacionais de TV (com pequeno espaço exclusivamente para produção jornalística local) e rádios que voltam a se organizar em redes (mas de um modo geral na prática não realizam jornalismo).
Ora, o que move o jovem a ser jornalista na vida é a referência próxima de um jornalismo com um mínimo de qualidade. Ou, em palavras mais duras e diretas, merecedor de um olhar crítico.
É certo que a ambição profissional de um estudante de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília pode alcançar o padrão do jornalismo brasileiro. No restante do país, Espírito Santo incluído, a ambição média do estudante não ultrapassa o telejornalismo e o jornalismo impresso locais.
Onde a referência é de relativamente baixa qualidade, difícil imaginar um padrão crítico compatível com o mínimo exigido para uma atividade regular de crítica de mídia.
2. O ensino de jornalismo pressupõe bons jornais-escola
Sem aqui entrar no mérito da obra de Gaye Tuchman, vale ressaltar sua observação de que jornais e hospitais são instituições que processam fenômenos idiossincráticos. Em outras palavras, criam burocracias e rotinas para processar aquilo que foge da rotina. No hospital, o que foge da rotina pode vir a se tornar paciente. No jornal, o que foge da rotina pode vir a se tornar notícia.
Embora o conceito de notícia seja extraordinariamente mais amplo, o exemplo aqui apresentado é útil para observarmos as diferenças nos projetos pedagógicos do ensino de medicina e de jornalismo no Brasil.
No Brasil, o ensino de medicina tem como centro do domínio das técnicas, habilidades e competências a prática corrente da atividade em um hospital-escola.
No Brasil, as atividades experimentais ou laboratoriais são, quase sem exceções, atividades que aparentemente simulam o modo ideal de se praticar jornalismo.
Nesta aparente simulação, há vários problemas. Seja vinculado a disciplinas, seja vinculado a algum projeto específico, o aluno jamais tem a condição de experimentar (no sentido de realizar uma experiência, não de adquirir experiência) a prática regular do jornalismo tomado aqui como ‘modelo ideal’. Na realidade brasileira, as atividades experimentais em jornalismo, além de eventuais, ainda se apresentam, raras as exceções, ou com a reprodução acrítica do jornalismo como é praticado correntemente ou como experimentalismos desligados da realidade.
As experiências mais ousadas no ensino de jornalismo no Brasil ainda estão bastante distantes deste modelo aqui proposto.
3. A prática do jornalismo e a crítica permanente desta prática são indissociáveis.
O Observatório da Imprensa, de um modo geral, é uma experiência bem sucedida porque a crítica, embora aberta, plural e disponível para a sociedade, é, essencialmente, feita por jornalistas. Evidente que qualquer cidadão tem o direito de exercer a crítica. Mas, é óbvio que propor alternativas é um dos elementos da crítica. E a crítica, praticada por quem conhece o ofício, ganha credibilidade.
4. Para o estudante poder criticar, ele precisa oferecer experiências práticas que mostrem que a crítica é consistente.
Aqui ou ali, temos experiências de crítica de mídia realizadas em instituições universitárias com maior ou menor êxito. Os colegas desta mesa são os melhores exemplos.
Na universidade, a crítica só se converte em atividade pedagógica de fato se o estudante, além de criticar, poder praticar um jornalismo que supere os problemas apontados na sua atividade de crítica. A arrogância e o pedantismo já se configuram como problemas da atividade profissional do jornalista, muitas vezes até apontado em críticas. Mas se a crítica não vier acompanhada de uma nova maneira de praticar o jornalismo, torna-se algo extemporâneo e desligado da realidade profissional.
5. É preciso insistir em fazer das instituições universitárias um pólo de crítica da atividade jornalística.
Mas os problemas aqui apontados não podem ser ignorados.
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Jornalista, professor da Universidade Federal do Espírito Santo, mestre e doutor em Ciências pela ECA-USP; diretor administrativo da SBPJor