No final de abril, em Campos dos Goytacazes (RJ), o Fórum Nacional de Professores de Jornalismo (FNPJ) realiza seu 9º Encontro Nacional. Nesta entrevista, o presidente da FNPJ Gerson Luiz Martins faz uma reflexão sobre a situação dos cursos de jornalismo no Brasil.
Martins é doutor em jornalismo pela ECA/USP e professor da UFRN. Foi Diretor Regional Centro-Oeste da Intercom, articulista do jornal Correio do Estado (MS) e Tribuna do Norte (RN), pesquisador na área de jornalismo digital e ensino de jornalismo e diretor do Sindicato dos Jornalistas de Mato Grosso do Sul.
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Professor, primeiro vamos às perguntas encaminhadas por leitores do Boletim da Fenaj, depois alguns questionamentos de nossa redação. Iza Jucá, de Rio Branco (AC), questiona por que existem tão poucos cursos de mestrado e doutorado na área de comunicação?
Gerson Martins – A pós-graduação no que diz respeito aos cursos de mestrado e doutorado em comunicação é muito recente, somente na última década, final do século passado é que houve um crescimento da oferta de cursos de pós em comunicação. Ainda assim, é uma oferta restrita ao sul e sudeste. No nordeste, por exemplo, somente agora começam a surgir novos cursos. Esse é um dos fatores que determina o pouco número de cursos. Outro fator diz respeito à mudança de critérios para criação de novos cursos. Até os anos 90 as instituições criavam cursos a partir de uma demanda de alunos e de acordo com sua estrutura. De lá para cá, a criação de novos cursos está restrita às condições da instituição e é regulada pela Capes. Um curso novo somente será autorizado se a instituição de ensino superior tiver linhas de pesquisa e quadro de professores-doutores e pesquisadores consolidados.
O grande número de cursos nas outras áreas se deve aos antigos critérios para a oferta dos cursos. Veja por exemplo o trabalho e o tempo que a UFSC e UFPB, para citar dois exemplos, têm para criarem seus cursos de mestrado na área de jornalismo e comunicação respectivamente. Foram muitos anos de preparação e organização do projeto. Estes cursos têm inicio previsto para 2006. Na UFRN, onde atuo, estamos nos primeiros passos para elaboração do projeto. Nossa previsão é de oferecer o curso em 2008. Outro fator importante diz respeito à qualificação do corpo docente. Até o final dos anos 90, em Campo Grande, também para citar um exemplo, éramos apenas dois professores com doutorado em comunicação. E esse quadro retratava a realidade no país. Hoje o número de professores com doutorado em comunicação praticamente quadruplicou.
Frank F. Jr. encaminhou três perguntas. Ele quer saber: há possibilidade de alguém não graduado em curso de Jornalismo se tornar jornalista legalmente? Qual sua opinião sobre possíveis cursos profissionalizantes para a área de Jornalismo? Como você avalia o crescimento dos jornais ‘digitais’?
G.M. – Na situação atual não há essa possibilidade. Cursos profissionalizantes na área de jornalismo atuam como qualificação profissional, sejam cursos em nível de extensão promovidos pelas universidades, sejam cursos oferecidos por instituições como Senac, Sesi ou congêneres que oferecem cursos de técnica de redação, por exemplo. Afirmo sempre em sala de aula que ser jornalista ou fazer jornalismo não é mera técnica. Se alguns estudantes de jornalismo consideram que aprender técnicas de jornalismo qualifica para a atividade do jornalismo, não para o exercício profissional, não há necessidade de fazer um curso universitário. Entidades que gozam de credibilidade e respeito na sociedade oferecem cursos técnicos em várias áreas do jornalismo. Contudo, repito, jornalismo é muito mais do que técnicas. Se você encontrar algum curso profissionalizante de jornalismo, fuja, pois a semelhança entre esses cursos e o curso de medicina por correspondência é a mesma: não qualifica e é um ‘engana trouxa’.
Quanto ao jornalismo digital, é um fato natural se considerarmos os avanços tecnológicos. É também um amplo mercado profissional para os jornalistas. A disciplina jornalismo online, jornalismo digital, webjornalismo ou qualquer outro nome que se dê deve ser obrigatória nos Cursos de Jornalismo. Infelizmente, em muitas universidades ainda não é, inclusive na UFRN, que deverá ter uma revisão de sua estrutura curricular neste semestre. Os estudantes de jornalismo devem se preparar e estar sintonizados com as demandas tecnológicas no jornalismo. Fica o desafio das escolas de jornalismo em oferecer infra-estrutura para atender essa necessidade. Seria ótimo se pudéssemos ter um jornal digital para cada curso de jornalismo neste país.
A essência da existência do FNPJ é a organização dos professores para discutir e propor melhorias nos cursos de Jornalismo e mesmo no aperfeiçoamento profissional e atualização dos docentes sobre as constantes transformações que esta área vem experimentando. Na sua visão, quais os principais problemas dos cursos de Jornalismo hoje?
G.M. – Os cursos de jornalismo, como os demais, experimentam uma crise severa. Essa crise é conseqüência da própria crise profissional. Novas tecnologias, o novo papel do jornal impresso, a redução do quadro nas empresas jornalísticas, a queda no consumo dos jornais são fatores que colocam a profissão e conseqüentemente a formação universitária em discussão, em crise. O novo sistema de avaliação dos cursos estabelecido pelo MEC também é um elemento significativo para ampliar a crise. É, diria, estúpido constatarmos nos últimos três anos a demissão de professores qualificados dos cursos de jornalismo. Na passagem de 2005 para 2006 muitos colegas, professores jornalistas qualificados, quer dizer com curso de doutorado, foram demitidos nas universidades privadas.
Conversar com professores de jornalismo das faculdades e universidades particulares é angustiante. Estão todos sobre pressão, com medo. Esse sentimento gera insegurança, o que prejudica sensivelmente a qualidade dos cursos. Para continuar com uma condição mínima de sobrevivência e de manutenção familiar, os professores são obrigados a ministrar de 30 a 40 horas/aulas semanais. Assim, muitos cursos ficam somente no ensino, não fazem pesquisa, não realizam extensão. O quadro é muito sério, muito grave.
Os problemas até aqui citados não excluem outros que são perenes, ou seja, a precária infra-estrutura laboratorial que atinge tanto universidades públicas quanto privadas, com menor intensidade nas particulares, pois, em muitas, são elementos de marketing dos cursos da área de comunicação. Nesse quadro o papel do FNPJ é muito importante, pois somente nos espaços públicos de discussão do ensino de jornalismo – FNPJ – é que se poderá buscar soluções ou encontrar alternativas para que os cursos em geral não retrocedam ao giz e quadro ou à máquina de escrever.
O aumento do número de cursos privados de Jornalismo tem contribuído ou não para a formação de profissionais qualificados? Como o FNPJ avalia a reivindicação da Fenaj – aprovada em congresso nacional da categoria – para que o MEC decretasse uma moratória na abertura de cursos de Jornalismo a fim de se promover uma melhor avaliação técnica?
G.M. – Não podemos afirmar que o aumento dos cursos em instituições privadas contribua para a melhoria ou não do mercado profissional. É certo que nos últimos anos surgiram muitos cursos sem as mínimas condições para a formação em jornalismo. Esse fato deve-se, como mencionei anteriormente, ao novo processo de avaliação do MEC. Acredite ou não, mas nem o secretário-executivo do ministério da Educação tinha conhecimento sobre a nova situação de demissão de professores doutores porque a avaliação nivela mestres e doutores! Precisamos de cursos de jornalismo, sejam em instituições privadas ou públicas, de qualidade, que tenham uma condição mínima de infra-estrutura com laboratórios equipados, corpo docente qualificado e que realizem de forma sistemática e planejada pesquisa em jornalismo para a qualificação da atividade, da profissão.
A moratória na abertura dos cursos de Jornalismo é uma das soluções, a curto prazo, para qualificar os cursos existentes. O MEC necessita, urgentemente, de programar e realizar as avaliações dos cursos, em todos os sentidos, seja quanto aos processos de autorização, reconhecimento – principalmente –, ou avaliação das condições de ensino. Hoje os cursos estão ‘soltos’, ‘abandonados’ pelo MEC. Infelizmente, essa realidade é de todos os cursos. E nesse ambiente de caos, as instituições privadas fazem o que for melhor para garantir seus lucros ou não diminuir sua margem. De outro lado, nas instituições públicas se percebe o abandono geral. Conheço cursos que estão formando sua primeira turma e não possuem nem mesmo laboratório de informática, nem pensar então em laboratório de rádio, TV ou outros mais qualificados.
É imperativo não aprovar novos cursos e tampouco deixar que as universidades públicas, estaduais ou federais ampliem a oferta. Nesse tempo deve ser realizado um ‘pente fino’ nas condições de ensino dos cursos existentes. O FNPJ está disposto a colaborar com o MEC para promover esse mutirão de avaliação. Não podemos continuar a, literalmente, ‘jogar’ novos profissionais na sociedade, no mercado profissional sem qualquer critério, sem uma avaliação realista do espaço profissional. Considero um absurdo que a maioria das universidades e faculdades não possuam um programa de acompanhamento dos egressos. São dezenas de novos profissionais colocados no mercado, não se sabe se é de trabalho ou da informalidade, ou ainda do subemprego.
O FNPJ está organizando um Cadastro Nacional dos Cursos de Jornalismo. Isto poderá contribuir para uma avaliação dos cursos ou não é este o objetivo deste cadastro?
G.M. – O cadastro tem o objetivo de formar um banco de dados com informações atualizadas sobre os cursos de jornalismo. Esses dados serão úteis para projetos de pesquisa, como também para os procedimentos de avaliação. O FNPJ pretende implantar uma certificação dos cursos com melhores condições. Será uma espécie de selo FNPJ para os melhores cursos. Uma recomendação de uma entidade não governamental que possui critérios mais eqüitativos de avaliação. Queremos chamar a atenção dos coordenadores de curso para o preenchimento do Cadastro na página da internet do FNPJ. Esse cadastro será público e vai contribuir para conhecermos, na realidade, quantos cursos de Jornalismo existem no país e quais as suas condições. Se alguém necessitar dessa informação hoje, não conseguirá. O cadastro do MEC diz respeito aos cursos de comunicação, ou seja, não distingue cursos de jornalismo e, muitas vezes, está desatualizado. Assim, é muito importante que os coordenadores de curso colaborem e preencham o cadastro. São dados que serão úteis para os próprios coordenadores.
De 28 a 30 de abril o FNPJ realiza, em Campos dos Goytacazes (RJ), seu 9º Encontro Nacional, com o tema ‘Novas tendências no ensino de jornalismo’. Qual a sua expectativa para este evento e quais os principais avanços do Fórum desde seu primeiro Encontro Nacional?
G.M. – Estamos num momento muito delicado da formação universitária em jornalismo pelos aspectos que abordei anteriormente. O próximo encontro nacional dos professores de jornalismo será muito importante para debatermos todas essas questões e também para avaliarmos nossas lutas do ano passado: reforma universitária, a questão do diploma para o exercício profissional e a tabela das áreas de conhecimento do sistema CNPq/CAPES/FINEP. O tema ‘Novas tendências no ensino de jornalismo’ vem contemplar todas essas situações e merece, da parte dos professores, profissionais e pesquisadores, uma atenção especial. O quadro é grave! Se não discutirmos, se não buscarmos caminhos, soluções, poderemos ver a formação superior em jornalismo ficar totalmente desqualificada. A pergunta que me faço muitas vezes é que perspectiva profissional tem o egresso ou o formando de jornalismo nestes tempos, mesmo aqueles que estão nas melhores universidades? Por isso considero o próximo encontro dos professores de jornalismo muito importante.
Precedendo o 9º Encontro Nacional, a Fenaj realiza, na tarde do dia 28 de abril, seu 5º Pré-Forum, onde estará sendo avaliado seu ‘Programa Nacional de Estímulo à Qualidade do Ensino em Jornalismo’. Qual sua avaliação sobre este programa e no que, na sua opinião, ele pode ser aperfeiçoado?
G.M. – O Programa de Qualidade do Ensino de Jornalismo é um instrumento muito importante para a qualificação dos cursos, pena que não é utilizado e em muitos casos, sequer conhecido. Acredito, particularmente, que a maioria dos cursos de jornalismo, coordenadores e professores, não sabem que existe esse programa, a despeito de todo esforço, principalmente da Fenaj, para disseminação. O programa foi resultado de uma ampla discussão sobre a formação superior em jornalismo e deve ser aperfeiçoado na medida em que novas tecnologias, novos ambientes, novas situações impregnam as estruturas dos cursos. Deve ser continuamente avaliado e aperfeiçoado. Contudo, parto da premissa de que minimamente os coordenadores de curso devem conhecê-lo. Se isso ocorrer, será um significativo avanço para sua gradual implantação e perene aperfeiçoamento. O espaço do Pré-Fórum é um momento privilegiado para o aperfeiçoamento do programa. No Pré-Fórum de 2006 haverá a participação dos principais pesquisadores sobre a qualificação dos cursos. É um momento especial para os coordenadores de curso debaterem as condições do seu curso e as possibilidades de melhorias.