Não se restringe, meramente, o espaço de atuação e realização do jornalista, ao das estrelas, cifrões, mendigos e filósofos praticantes. Atividade eminentemente humanística não haveria de ser condicionada ao de uma habilidade única, que coubesse na abrangência e dedicação de um único diploma específico. Por tal dimensão e amplitude, a queda da obrigatoriedade do diploma para o exercício da atividade reavivou na pauta os meandros desta digna, indispensável e inexaurível profissão, a de jornalista. Mas, uma crítica lacuna ao tema do exercício e prática desta atividade ficou flagrantemente exposta: o que abriga esta profissão das contradições de um mundo onde a informação é tanto mais valiosa quanto mais contrabandeada e pirateada à luz de interesses e propósitos específicos, nada dedicados à emancipação humana?
Tive a fortuna de conviver entre jornalistas – dos mais audazes trabalhadores dedicados ao acesso às fontes da lúcida luz da coerência e do progresso humano –, onde a dedicação e a abnegação ao ofício jamais aventou a restrição ao amplo universo de todos que se propõem à expressão, ao esclarecimento, à elucidação ou à justa denúncia. No entanto, conheci também suas árduas vicissitudes. Se ao escritor, na arte de sua labuta, não se impõe diploma nem prévio regulamento – nada além da liberdade da criação e domínio da escrita no que esta pode realizar: o acesso a qualquer universo –, o que haveria de se exigir do jornalista?
Competência e compromisso
Ao escritor compete, em suas viagens sem fronteiras, o produto que é o préstimo que faz, sob a forma de sugestão e provocação, ao incerto leitor, na medida de uma imprevisível extração, sem cronograma previamente determinado, o minério refinado da bruta mina da vida. Ao jornalista tal proeza é exigida, inadiavelmente, em qualquer hora do dia-a-dia e, ainda mais, sobre as restrições do que seja factível, verificável, plenamente acessível, oportunamente justo e consequente, polêmico e isento, como aquilo que pode ver, mesmo sob a venda dos olhos, a inquebrantável justiça.
Neste exato momento, nalguma redação, ou onde quer que se faça possível registrar, sobre um meio de acesso e comunicação, sob o critério profissional de jornalista estará ele dedicado à informação. Se aos doutos e togados é exigível a ‘proteção’ regulamentar de um diploma que confere abrigo e até benesses, quem ou o que haverá de abrigar àquele capaz de se lançar, lucidamente, à transposição de qualquer blindagem e proteção? Será a informação bem menos essencial do que a saúde ou o direito?
Diploma, meramente, não assegura que o médico realize a plenitude do juramento humanístico à sentença de Hipócrates – ou que deixe de multiplicar números de atendimentos (em consultas mínimas) em prol e ao lado da poderosa indústria farmacêutica e em benefício do seu acesso aos bens da sociedade. Como também não garante que aos causídicos sejam propiciados caminhos mais certos que os interstícios das filigranas jurídicas e jurisprudenciais – em disponibilidades tão variadas quanto as disparidades de renda. A competência, o compromisso, a ética do ofício e do diálogo ao lado do atendimento sob os mais elevados princípios e conhecimentos se faz indispensável – muito além da mera capacitação pela diplomação e protocolos de regulamentação formal.
Negócios e mercados
A quem cabe credenciar aquele que propicia o diálogo, instantâneo e permanente, entre os diversos atores sociais? Quem habilita e reconhece a capacidade – além da capacitação instrumental ou acadêmica – ao profissional da informação? Estando qualquer um apto, o mercado optará pelo que lhe custe menos – sobretudo para o trabalho de formiguinha (ou foquinha) do dia-a-dia, longe do glamour das projetadas estrelas. Não conheci poucos profissionais das redações que, praticamente, tinham que bancar a atividade com outro oficio. Organizar, gerenciar e promover os critérios da íntegra realização da atividade de informar exige plena disponibilidade, muito mais que mera colaboração esporádica.
Hoje, após a desobrigação do diploma, muitos jovens prestes ao ingresso num curso de Jornalismo passaram a repensar o futuro. Não bastasse a indústria dos diplomas que arranca ao jovem a muito-mais-valia (sem afiançar-lhe nada de futuro), já na sua condição de estudante, para continuar a desremunerá-lo ainda, mais adiante, no batente do ofício.
Nem de mendigos, nem de escritores se exige diploma e, também, de atividades escusas que se permitem na pródiga feira de liquidações dos negócios e mercados. Sem que haja abrigo, reconhecimento formal das prerrogativas e digno amparo da atividade do jornalista, quem ou o que garantirá que às custas de um menor preço se terá a melhor informação?
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Professor da Universidade do Estado de Santa Catarina – Udesc, Joinville, SC