Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

“Jornalismo gonzo exige pesquisa profunda”

Da porta de entrada de seu amplo apartamento já se ouvia o som das potentes caixas balançando ao ritmo reggae de Damian Marley. Descalço e com roupas largas, Arthur abre a porta para a visita e logo diz: “Quer água?”, como se já estivesse traçando um perfil do entrevistador naquele momento. Mas não, o calor em São Paulo deixa qualquer um com o rosto suado depois de atravessar a Avenida Paulista sob temperatura de 30º, e o mínimo que se pode oferecer é muita água.

Percebia-se que o repórter acabara de voltar de mais uma de suas viagens e ainda estava arrumando as coisas espalhadas pela sala. Ou melhor, mal se via a sala, de tantas esculturas, quadros, santos, tapetes, jornais, revistas, tudo espalhado de forma organizada, surpreendentemente. Adepto da filosofia ioga, Arthur transita com facilidade e agilidade em meio a tantas coisas, mesmo com seus 1,90m. Um incenso é aceso, as pernas são cruzadas sobre a cadeira, os dois ouvidos revistados pelos dedos e por fim a exclamação: “Vamos lá!”. A metralhadora falante aperta o gatilho e não há Buda que o detenha. Saia de baixo que ele vai falar, do mesmo jeito que costuma escrever.



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Em que momento da sua vida alguém disse: Arthur, a partir de agora, é o repórter gonzo da Trip!

O nome estava aí, mas foi dentro da Trip, pelo meu editor, Paulo Lima. Eu já conhecia a obra do Hunter Thompson (1937-2005). Era uma coisa fácil de decodificar, tem a ver com jornalismo, e fez uma febre danada… um monte de garoto querendo ser gonzo, gonzo, gonzo. A minha vontade é que essa juventude que está querendo fazer jornalismo gonzo pesquise profundamente. O Hunter Thompson fazia isso. Pelos diários de Jack Kerouac, vê-se que o cara era um baita pesquisador também. Aquele fluxo contínuo de idéias e ações. Por exemplo: o TinTin é gonzo, o Peninha é Gonzo, Jack Kerouac é gonzo, os andarilhos sadhus da Índia também. Daí, o gonzo que a gente recriou dentro das possibilidades editoriais da Trip foi fazer um tipo de jornalismo que fosse degustativo para os jovens. Pois é entretenimento, aquilo. Antropologia com entretenimento. Sempre querendo saber até onde pode chegar esse tipo de jornalismo. É preciso entrar no corpo a corpo, aí é que você aprende realmente. No tipo de reportagem que faço tento resgatar grandes pesquisadores, como Marco Pólo, Darwin e outros.

Qual o momento em que você decidiu escrever?

Cara, a história é longa. Tinha uma revista que os “maluco beleza” faziam na época, os “Zé pedrinha da época”, umas questões profundas, muitas terapias, chamava-se Transe, uma revista de Brasília, em 1979. Lógico, quando eu era garoto, presidente de grêmio de colégio, já fazia um jornalzinho. Pra mim sempre foi muito fácil fazer um texto clássico de jornal, com as informações, apuração etc. Pra mim é fácil. O difícil é fazer num espaço pequeno, não sendo um livro, uma matéria mais elaborada, investigativa, que não tenha o tamanho de um livro, mas que mostre as preciosidades do mundo. Por exemplo, essa minha última matéria, sobre o João de Deus (edição 145 da Trip), essa matéria, poxa, ainda nesse período se confronta com questões de censura. Nas bancas nós encontramos, hoje, publicações que falam sobre espiritismo, sobre as psicografias de Chico Xavier e outros – são coisas profundas do Brasil, são cicatrizes. E nós temos que correr atrás dessas informações. O jornalismo político também está aí. As pessoas (repórteres) se prendem a muitas besteirinhas, enfim…

Por que o jornalismo literário não está na mídia?

Porque os caras que controlam não permitem. Bom, mas até o dono de jornal, o Otavio Frias [da Folha], ele até fez algumas matérias de grandes investigações. Escreveu “A queda livre”, enfim, teve algum espaço. A Trip dá um espaço não muito grande… pois é legal ter fotografia. Com fotografia fica fácil a leitura. Eu tento levar uma reportagem que mexa com os sentidos. Tento buscar sempre um jeito de despertar. Tirar a pessoa do lugar comum. Por exemplo, ele está no metrô lendo a matéria, no avião, na privada, criando ruídos dentro dela. Senão, pra que é que eu estou fazendo alguma coisa? Eu gosto muito dos jornais de sábado e domingo, por que aparecem boas reportagens. É um lixo, mas eu leio tudo, a Folha, o Estado, O Globo, Jornal do Brasil.

E as suas pautas?

Eu sou uma bíblia. Eu ripo há muitos anos todas as publicações. Eu tenho fontes inesgotáveis de matérias. Um exemplo: vocês estão sabendo o que vai acontecer amanhã, com o planeta? Amanhã o XP14 (asteróide) vai passar do ladinho do planeta Terra. Saiu uma nota num jornal chileno, e nos brasileiros não saiu “lhufas”. É uma p… informação, que altera todos os hábitos dos terráqueos, e a imprensa brasileira foi a única que não informou…

Claro que você teve alguma influência. Quem são?

Um cara que me influenciou bastante foi o Gilberto Felisberto Vasconcellos. Um cara top é Cláudio Tognolli, com as suas investigações. E outro foi Pepe Escobar, que também me influenciou muito e pra mim é um ícone do jornalismo brasileiro. E assim vai. A turma do Pasquim remete muito ao jornalismo gonzo. Eu devorava esse jornal, as revistas Manchete, Realidade e Playboy dos meus primos. Na verdade, eu acho que a gente deve produzir, fotografar, se pautar, pagar, e temos às vezes que maquiar as situações. Me apóio muito nos 10 mandamentos de Ryszard Kapuscinski, de como um jornalista deve se virar no exterior. Também pego na fonte de Kerouac. O gonzo aconteceu também por incentivo de muitas pessoas. Muitos amigos influenciaram bastante. A gente estuda, mas o autodidatismo é fundamental. Eu tenho muito interesse por literatura, também. Livros de ciência também fizeram parte do meu repertório. A gente vem de uma época de informações incríveis, não com essa velocidade de informações que, particularmente, também acho legal.

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Jornalista, pós-graduado em Jornalismo Literário, curso coordenado pela Academia Brasileira de Jornalismo Literário