As transformações da imprensa e do jornal foram acompanhadas pelas mudanças econômicas e políticas no mundo. A imprensa começou a socializar a informação, que logo adquiriu status de mercadoria. A empresa jornalística capitalista manteve, portanto, as características principais do jornalismo, ou seja, a busca da notícia, o caráter de atualidade e, também, implantou a tentativa da neutralidade e a visão do jornalismo como um espelho da realidade.
No século 20, a imprensa ainda sofreu novas mudanças, mas a maior, e talvez a mais complexa transformação ocorreu nas últimas décadas, com a fase eletrônica do jornalismo. O universo online surgiu como um novo portal, um novo universo, mais que uma ferramenta de trabalho para os profissionais. O jornalismo digital trouxe uma mudança no fazer jornalístico, com seus recursos de imagens, sons e vídeo e ainda pela associação de outros textos, através dos hipertextos.
Hipoteticamente, o universo online contribui para uma nova e maior democratização da informação, já que cria novos espaços ou canais (mundiais) para divulgação de idéias. Também cria uma hipótese sobre a ampliação da mídia alternativa, disponibilizando uma ferramenta de baixo custo de manutenção e uso irrestrito. Entretanto, algumas limitações sociais, culturais e econômicas impedem que essa ‘nova era’ se estabeleça plenamente e suas características dominantes ainda se mostram indeterminadas.
Nos primeiros passos deste novo espaço – o universo online – há um exemplo brasileiro de site de produção e divulgação de notícias alternativo à mídia empresarial: o Centro de Mídia Independente (CMI Brasil), produzido e coordenado por voluntários de todo o Brasil e vinculado ao Indymedia internacional, objeto de análise da monografia ‘Democratização da informação no jornalismo online – Um estudo de caso do Centro de Mídia Independente (CMI Brasil)’, realizada na conclusão do curso de Jornalismo no Centro Universitário de Belo Horizonte (UNI-BH).
Comparação de conteúdos
O CMI utiliza-se de todos os recursos multimídia para divulgar notícias do mundo inteiro (textos, hipertextos, áudio e vídeo). Com base no estudo de caso do site do Centro de Mídia Independente, buscou-se analisar se há uma democratização da informação no jornalismo online, a partir de três eixos de investigação: rotinas de produção, estrutura organizacional e conteúdo.
O objetivo principal da pesquisa foi verificar se há o crescimento da democratização da informação através do jornalismo online no Brasil e como o Centro de Mídia Independente contribui para tal democratização, com resposta às perguntas ‘Como o Centro de Mídia Independente produz a notícia e a distribui?’, ‘Qual o agendamento feito pelo CMI Brasil?’, ‘Qual o paralelo entre este agendamento num veículo independente e o realizado por uma grande empresa jornalística, como o grupo Folha e o site Folha Online?’, ‘Como a linguagem e o conteúdo jornalístico se apresentam no jornalismo independente do CMI Brasil?’, ‘Existe espaço para a manifestação e/ou participação do leitor?’ e ‘De que forma e como tem sido utilizado?’
Para a fundamentação do trabalho, foi realizada uma pesquisa bibliográfica, num primeiro momento, a fim de resgatar a história do jornalismo e a introdução das novas tecnologias, principalmente a digital, na produção de notícias. Uma segunda etapa envolveu pesquisa documental, com consulta a artigos publicados em jornais e revistas. A última etapa, da análise do objeto de pesquisa – o site do Centro de Mídia Independente –, incluiu visitas e leituras diárias do site do CMI e da Folha Online, para comparação de conteúdos das notícias publicadas nas duas homepages.
A teoria e a prática
O estudo foi dividido em quatro capítulos. Os três primeiros, teóricos, situam o leitor na história do jornalismo e no seu desenvolvimento até a era das tecnologias digitais. O quarto capítulo trata especificamente da análise do site do CMI Brasil. Primeiramente, traçou-se um pequeno histórico da evolução do jornalismo e suas características. Em seguida, foi apresentado o surgimento das novas tecnologias e o jornalismo na internet. Em um segundo momento, foi abordada a questão da concentração x democratização da informação e traçou-se um perfil da luta pela democratização da informação no Brasil.
Foi feita, também, uma abordagem a respeito dos desafios para tornar a internet de todos e para todos. Finalmente, antes da análise, faz-se necessário apresentar a mídia radical, sua história construída e expandida nos movimentos sociais, na contracultura e na intervenção urbana, e até mesmo a sua utilização pela repressão. A aplicação da mídia radical no jornalismo, através de uma imprensa marginal se faz relevante e imprescindível para que possamos entender o desenvolvimento da mídia radical alternativa no universo online. No Brasil e em todo o mundo, em um ou mais momentos, o jornalismo independente, panfletário ou popular deixaram suas histórias cravadas. Serviram de base e de inspiração talvez para que os novos movimentos sociais levassem adiante o uso das ferramentas da comunicação para divulgar suas idéias, reivindicações e anseios. A mídia radical na internet faz parte da realidade atual na imprensa e nas comunicações em geral.
Com base nos referenciais acima citados, realizou-se a análise do objeto, considerando-se: o que dizem os números, o que dizem as palavras e as diferenças entre a teoria e a prática, entre o falar e o fazer, entre o idealismo e o dia-a-dia. Durante oito dias os dois sites, CMI Brasil e Folha Online, foram analisados. Antes de apresentar as conclusões, faz-se necessária uma pequena apresentação do objeto de estudo (site do CMI Brasil), e do objeto usado na comparação (site da Folha Online).
Política editorial
Segundo informações do site do CMI Brasil, o ‘Centro de Mídia Independente é uma rede internacional de produtores e produtoras independentes de mídia preocupados(as) e comprometidos(as) com a construção de uma sociedade livre, igualitária e que respeite o meio ambiente’. A estrutura do site na internet ‘permite que qualquer pessoa disponibilize textos, vídeos, sons e imagens tornando-se um meio democrático e descentralizado de difusão de informações’. O discurso do CMI Brasil é o de ‘dar voz a quem não tem voz, constituindo uma alternativa consistente à mídia empresarial’. A ênfase da cobertura é sobre os movimentos sociais, particularmente, sobre os movimentos de ação direta (os ‘novos movimentos’) e sobre as políticas às quais se opõem. A ferramenta principal do CMI é a internet. A produção de notícias, vídeos, fotos e áudio é realizada, em um primeiro momento, para ser publicada e disponibilizada na web. O CMI produz webjornalismo, ou seja o jornalismo feito na web para a web. A tecnologia é utilizada na busca da democratização do acesso à informação. ‘Para uma democratização eficiente, é indispensável que usuários e usuárias saibam usufruir ao máximo as potencialidades do projeto’.
As matérias publicadas no site do CMI Brasil podem ser elaboradas por qualquer pessoa. Os interessados em participar podem participar como um ‘contribuidor’ eventual, publicando de tempos em tempos artigos (seus ou reproduzindo algum artigo ou texto que considere relevante). Se a pessoa tem um interesse maior e tempo disponível, pode participar dos coletivos editoriais e de difusão, produzindo reportagens investigativas e coberturas de eventos. Além disso, o CMI precisa de tradutores de matérias estrangeiras para o português e do português para línguas estrangeiras.
Finalmente, as pessoas que têm um conhecimento de informática maior, também podem contribuir, com um auxílio técnico na manutenção do site e no desenvolvimento do software utilizado. O CMI abre espaço também para a sugestão de novos projetos. Para que os textos sejam publicados, o CMI Brasil desenvolveu uma política editorial, divulgada no site.
Semelhanças e diferenças
Para uma análise comparativa entre a mídia alternativa e a mídia tradicional, foi analisado o site da Folha de S.Paulo, a Folha Online, no mesmo período (de 13 a 20 de outubro de 2004). Antes de traçar um paralelo qualitativo, foi efetuada uma comparação quantitativa e sobre a estrutura do site. A Folha de S.Paulo faz parte de um dos grupos mais tradicionais da mídia empresarial e se inclui na expansão da mídia tradicional às novas tecnologias da informação. O domínio (www.folha.com.br) é parte integrante do Universo Online (UOL), também operado pela família Frias.
A Folha Online surge num contexto de transformação do fazer jornalístico, inaugurado pelo jornalismo online e seus recursos de hipertextos. Segundo a definição encontrada no próprio site, a Folha Online é ‘o primeiro jornal em tempo real em língua portuguesa. Com uma equipe de reportagem própria, tem por objetivo a criação, produção e desenvolvimento de conteúdo jornalístico online, além de serviços com destaques para áreas de interatividade’. A proposta do Folha Online, também encontrada no site, é produzir conteúdo online ‘com a mesma qualidade editorial e seguindo os princípios de pluralidade, independência e criticismo da Folha’.
Na análise foi observado, num primeiro momento, as semelhanças e diferenças entre os dois sites, em aspectos quantitativos e qualitativos (nos tópicos ‘O que dizem as palavras’ e ‘O que dizem os números’). Posteriormente, foram apresentadas as contradições entre o discurso e a prática e os principais obstáculos do CMI Brasil (no tópico Falar é Mais Fácil do que Fazer).
Emissor e receptor
Após a análise do objeto desta pesquisa foi possível apontar respostas para as questões levantadas antes da realização do estudo. Entretanto, é importante apresentar também alguns fatores considerados imprescindíveis para uma última avaliação.
A história e o desenvolvimento do jornalismo ocorreram de forma única em cada país. Algumas características são comuns, permitindo-se que fosse criada uma identidade do fazer jornalístico através dos tempos e da profissão do jornalista. À medida que fomos realizando as leituras e também durante a análise do objeto, foi ficando cada vez mais clara a influência dos fatores tempo e espaço no desenvolvimento da história do jornalismo. Impossível desconsiderar que o Brasil é um país subdesenvolvido (ou de Terceiro Mundo), pobre, dependente da economia internacional e que viveu durante muitos anos sob um regime autoritário, marcado pela censura. Fatores políticos, econômicos, sociais e culturais saltam aos nossos olhos ao analisar o jornalismo online, a internet brasileira e a produção e distribuição de notícias utilizando-se a tecnologia digital e o universo virtual.
Partiu-se da hipótese de que o jornalismo online, junto às tecnologias digitais e técnicas de informação, cria um espaço maior, mais democrático para a produção e distribuição das informações a um público que pode ser ao mesmo tempo emissor e receptor. Além disso, foi considerado o contexto brasileiro atual, em que o acesso às tecnologias digitais é restrito a menos de 7% da população. E ainda, os canais e mediações dominantes na comunicação digital continuam pertencendo às grandes empresas capitalistas, que produzem e distribuem a informação nos veículos tradicionais.
Pequenas portas
Neste contexto, o jornalismo online e o webjornalismo constituem uma nova porta que se abre e encontra o ‘direito à comunicação’ como base fundamental: a comunicação à qual cada um tem direito dever ser participativa, interativa, horizontal e multidirecional. O jornalismo alternativo e independente encontra nessa nova porta o maior e mais acessível espaço para se desenvolver. É o instrumento mais amplo no direito à comunicação, é o espaço mais democrático, é um lugar ao sol. Por mais que não possa ser considerado, hoje, uma real democratização da informação, é o começo de uma nova fase.
O Centro de Mídia Independente (CMI) surgiu da proposta de criação de alternativas de comunicação, utilizando-se da nova tecnologia. A criação e manutenção de um site são mais simples do que uma rádio ou televisão comunitárias, por exemplo. E o seu alcance é, talvez, tão restrito quanto. As rádios comunitárias enfrentam a barreira do alcance das ondas, as televisões comunitárias normalmente estão nas TVs a cabo e a internet está em poucos lugares. São dificuldades, mas não entraves.
O CMI faz parte de uma comunidade, em que os interesses comuns norteiam a ação de criar espaços alternativos para a criação e divulgação de notícias. São pequenas portas se abrindo em vários lugares do mundo. E elas não devem ser ignoradas como início de um processo de democratização da informação.
Mais atrativo
O jornalismo online não traz uma suposta democratização da informação, ela é real, mas embrionária ainda. E dentre os embriões, encontra-se o site do Centro de Mídia Independente. Portanto, a questão principal mostra-se respondida. Passemos agora às demais questões propostas.
Como o Centro de Mídia Independente produz a notícia e a distribui? O CMI Brasil utiliza-se do webjornalismo para produzir e distribuir informação. Além das notícias publicadas no site, produzem um Boletim, enviado por email às pessoas cadastradas e possuem uma lista de discussões online. A coluna central do site tem a função principal de informar sobre assuntos relacionados aos movimentos sociais (ou novos movimentos), movimentos de ações diretas e meio ambiente, principalmente. Nesta coluna são publicadas reportagens produzidas pelos voluntários dos diversos coletivos, pautadas em reuniões editoriais. As reportagens abordam assuntos relevantes, mas que normalmente não possuem destaque na mídia tradicional, e que trazem links para outros artigos sobre o assunto, fotos, áudio ou vídeos, em algumas delas (o que responde a questão do agendamento do site). Entretanto, a coluna não é atualizada diariamente, o que tira o dinamismo do webjornalismo. O leitor de internet normalmente busca notícias novas, atualizações em tempo real. Notícias frias e que exigem mais tempo para elaboração e publicação deveriam ser destinadas, por exemplo, aos Boletins, que possuem uma periodicidade menor e, portanto, oferecem mais tempo para a sua produção.
Um caminho seria a divisão prévia de pautas para os coletivos locais. Atualmente, existem 10 coletivos locais, sendo o de São Paulo o mais atuante. Se houvesse uma proposta de que cada coletivo produzisse ao menos 2 reportagens por mês e o de São Paulo 3, por exemplo, haveria 21 reportagens publicadas, em média, a cada mês. Claro que a qualidade é um fator de maior relevância que a quantidade, mas acredito que o incentivo a uma produção mais significativa também em relação ao número de matérias poderia tornar o site mais atrativo ao leitor, que voltaria mais vezes em busca de novas publicações.
Participação superficial
O paralelo entre o agendamento de notícias realizado pelo CMI Brasil e o site Folha Online foi apontado no capítulo de análise, com os aspectos positivos, negativos e conclusões. O maior problema do site em relação à linguagem e aos conteúdos está na coluna da direita, ou espaço aberto. Como já foi dito, o CMI Brasil não restringe o espaço (apenas tenta-se seguir a política editorial proposta), que acaba sendo utilizado, muitas vezes, como depósito de propaganda de eventos e ações de grupos organizados específicos, como a Liga Bolchevique Internacionalista (LBI) e até mesmo um partido político como o PSTU. A reincidência de publicações assim cria no leitor uma identidade, que pode não ser a desejada pelo projeto.
O CMI não tem como proposta ser um veículo de esquerda, nem de qualquer outra posição ou ideologia partidária, mas atrai a simpatia de grupos e partidos de extrema-esquerda que acabam se identificando com o espaço e utilizando-o para objetivos próprios. Se a idéia é dar voz aos que não têm voz na grande mídia, é preciso incentivar a participação de um número maior, e plural, de indivíduos e idéias, para não cair num segmentarismo negativo. Além disso, pode ser interessante que outros ‘ouvidos’ apareçam, ampliando o perfil do leitor (que normalmente é um leitor restrito, habituado a buscar alternativas de informação) e criando um debate maior em torno da produção e divulgação das próprias notícias e dos temas pautados.
Existe espaço para a manifestação e/ou participação do leitor? Sim, nas duas colunas de notícias do site do CMI Brasil existe o espaço para comentários. Entretanto, sua utilização ainda é restrita e superficial. São raros os exemplos de discussões mais aprofundadas e fundamentadas entre os leitores.
Neste caso, vale ressaltar a questão social e cultural do leitor brasileiro. Depois de décadas com participação restrita às seções de ‘cartas do leitor’, presentes nos veículos tradicionais, que são filtradas e selecionadas antes da aprovação de sua publicação, o leitor precisa se acostumar ao novo papel: analisar, discutir e produzir novas informações, a respeito do que já está publicado ou mesmo de um novo tema, que considere relevante para debate e diálogos. Ainda precisamos firmar e estabelecer a sociedade da informação e a internet pode cumprir o papel de ‘sala de aula’ para os alunos praticamente analfabetos da escola da comunicação.
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Jornalista; texto do trabalho de conclusão de curso