Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Jornalismo ou noticialismo?

Um pouco mais de atenção aos programas que assistimos ou apenas ouvimos e até para aquilo que lemos e uma dúvida pode começar a pairar no ar: ‘Isto’ é jornalismo? E talvez aí nasça uma dúvida maior: o que é jornalismo?

Alguns acreditam que jornalismo é um ‘dom’, algo que faz parte do indivíduo, desnecessária portanto uma formação acadêmica especial. O aprendizado viria a partir do momento em que a pessoa entra numa redação e passa a compartilhar com seus pares as experiências e a vivenciar a profissão na prática. Outros crêem que o aprendizado teórico deve preceder o início da atuação. Creio que aí seja o primeiro ponto a dificultar uma definição clara, hoje, sobre o que é jornalismo.

É claro que tanto a prática quanto a teoria são essenciais. E também é visível que grande parte das faculdades de Comunicação não tem sido eficaz na formação de bons jornalistas. Talvez razoáveis assessores de imprensa, não bons jornalistas. Mas é pontual que a faculdade, por si só, não ‘faz’ um bom jornalista. Por outro lado as escolas de Comunicação deveriam ser um fórum de discussão ética, profissional etc. e um canal para a vida prática do aluno.

Oásis informativos

Aqui cabe um parêntese. Hoje em dia as faculdades e universidades vêm se transformando em grande negócio, e o aluno passa a ser tratado como mero cliente. Os professores, infelizmente, ficam no meio desta grande negociação, funcionando quase como mercadoria e sem voz ativa para ensinar, estimular, despertar interesses, uma vez que são oprimidos por uma instituição que usa como ‘armas’ as notas e a freqüência. Sem contar que, atendendo aos empresários da educação, por segurança, as faculdades passaram a ser grandes ‘castelos’, fechados e sob intensa vigilância. Não há livre acesso e, às vezes, até o atraso de uma mensalidade pode ser motivo para impedir a entrada de um aluno. (Fecha parêntese.)

Claro que cabe àquele que deseja mergulhar na carreira jornalística desprendimento e criatividade. A internet, por exemplo, é um veículo democrático (embora perigoso), muitas escolas e empresas de comunicação têm aberto alguma forma de debate e muitos profissionais têm escrito sobre suas experiências na profissão. Nos Estados Unidos formou-se até uma ‘Comissão dos Jornalistas Preocupados’, que procura analisar a caminhada da profissão e dos profissionais desde Watergate até os dias atuais. Esse movimento deu origem ao livro Os elementos do jornalismo, de leitura importante para profissionais da área e para aqueles que ‘consomem’ seu produto.

Aí cabe mais uma crítica. Não só os jornalistas têm se mostrado menos eficientes, menos investigativos, mais passivos, mas o público também tem cobrado menos. Tenho um costume que só percebi neste último fim de semana. Sempre que recebo a revista semanal que assino retiro o encarte do miolo. Desta vez um pensamento veio a minha mente. Será que é uma propaganda dentro da revista ou uma revista ‘embrulhando’ uma propaganda?

Não podemos deixar de destacar alguns (poucos) oásis informativos, opinativos, desalienadores, como as revistas CartaCapital e Caros Amigos. Alguns blogs também são fontes inspiradoras, como o de Paulo Markun. Profissionais como Heródoto Barbeiro, no rádio ou na TV, também trazem um fio de esperança.

O dever fundamental

Mas o debate é tão motivante que quase não chegamos ao objetivo. A idéia deste artigo veio a minha mente ao ler o livro A saga dos cães perdidos, de Ciro Marcondes Filho, que traz ótimas reflexões, entre elas sobre o formato jornalístico (outros já escreveram até sobre o ‘shownarlismo’). Ciro afirma que ‘sob as novas condições, a prática de produzir e divulgar notícias (o nome ‘jornalismo’ vai se tornando cada vez mais incerto), operando sob o princípio da rapidez, da redução e racionalização lingüística, da volaticidade, não deixa de recolocar velhos problemas: até que ponto notícias produzidas em ritmo de alta velocidade ainda são confiáveis?’

Em certo ponto, principalmente na TV acredito que o jornalismo tem dado espaço para o noticialismo. Uma enxurrada de informações jogada em cima do telespectador, que pouco informa, pouco estimula sua crítica. Sem contar a manipulação eletrônica, com os offs, as seqüências de imagens e de matérias estrategicamente montadas com alguma intenção. Fala-se até em ‘obesidade informativa’… Para suprir este fast-food de informação, o jornalista deixa de ser o investigador e passa a ser o ‘montador’ das notícias. Tal fato tem acontecido nos jornais também. O jornalista cada dia mais deve se tornar multitarefa, o que, em tese, não é negativo. Porém, a urgência do deadline associado às tecnologias pode chegar a ‘obrigá-lo’ a escrever ‘qualquer coisa’ sobre um jogo que acabou às 22h30, para o jornal fechar o caderno de Esportes até 23h, além de mandar uma foto digital interessante para ilustrar a matéria, o que nos faz pensar se a qualidade sofre interferência do fator tempo.

Os mais rápidos e eficientes podem vir a tomar o lugar dos mais ‘lentos’, mesmo que estes tenham uma grande bagagem ou se recusem a entrar na competição fútil como a do ‘furo’ na internet. Ainda haverá espaço para reflexão, artigos substanciais, matérias bem-apuradas, e não só readaptação de releases?

Finalizo com um parágrafo de Clóvis Rossi em O que é jornalismo:

‘O dever fundamental do jornalista não é para com seu empregador, mas para com a sociedade. É para ela e não para o patrão que o jornalista escreve. Se os salários são baixos, compete-lhe lutar, como as demais categorias profissionais, para melhorá-los. Se as condições de trabalho são negativas, idem, idem. O que não pode é usar as deficiências da empresa na qual eventualmente trabalha como escudo para a sua própria acomodação, despreparo ou acovardamento. Fazer bem e honestamente o seu trabalho é uma exigência, não para agradar os empregadores, mas para cumprir sua missão.’

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Estudante de Jornalismo