Apenas seis das cem jornalistas no mercado de trabalho da Baixada Santista são negras. Esse foi o resultado do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) ‘A Inserção da Jornalista Negra nos Meios de Comunicação da Baixada Santista’, realizado pelas jornalistas Carolina Ferreira dos Santos, Elys Paula Santiago da Costa e Vera Lúcia Oscar Alves da Silva, recém-formadas. O TCC, uma grande reportagem em formato de revista, foi apresentado ao final de 2007 no Centro Universitário Monte Serrat (Unimonte), de Santos, SP, e orientado por mim.
O recorte de gênero e raça para constatar se há igualdade de oportunidades dentro da profissão é inédito. Até então, havia apenas levantamentos sobre a questão de gênero ou de raça, sem levar em conta a possibilidade de dupla discriminação.
A pesquisa, foco do trabalho, constata que dos 200 profissionais que trabalham nos 12 veículos da Baixada Santista que responderam à pesquisa, 100 são mulheres e apenas 6% dessas mulheres são negras. Foram enviados e-mails para 17 redações com perguntas referentes ao número de jornalistas que trabalham nesses veículos, dentre eles, quantidade de mulheres, dessas mulheres, quantas são negras e se entre as afro-descendentes, alguma ocupa cargos de chefia.
Definindo conceitos
O tema do trabalho foi escolhido um ano antes da apresentação. ‘Sou militante dos movimentos negro e feminista e as minhas duas colegas de trabalho, simpatizantes’, diz Vera Oscar. ‘Foi entre conversas ligadas a essas questões que decidimos o tema do nosso TCC’, conta. Ainda segundo ela, o principal objetivo das estudantes era responder à questão: a ausência de mulheres negras que ocorre em diversas profissões também acontece no jornalismo?
Carolina Ferreira conta como foram feitas as grandes reportagens que embasaram a pesquisa. ‘Foram entrevistadas especialistas na questão de gênero e racial, como a ex-ministra da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Matilde Ribeiro, e a psicóloga Edna Roland, que foi relatora da ONU na Conferência Mundial Contra o Racismo na África do Sul em 2001.’
Além das especialistas, seis jornalistas negras que se formaram ou trabalham na região contaram suas histórias de vida. Textos de apoio contando a trajetória da mulher negra no Brasil e definindo conceitos como feminismo, raça e etnia também serviram para complementar a grande reportagem.
Mecanismo de luta
A revista recebeu o nome de Dandara, que significa ‘a mais bela’, em homenagem a uma heroína brasileira. ‘Embora os historiadores estejam ainda concluindo as pesquisas sobre a personagem, o que se sabe é que Dandara foi uma mulher negra, esposa de Ganga Zumba, rei do Quilombo dos Palmares antes de Zumbi’, explica a terceira componente do grupo, Elys Santiago. ‘Dizem que ela lutou ao seu lado, escondeu escravos e se suicidou para não voltar à condição de escrava.’
Ao comentar o que representou o trabalho para suas autoras, Carolina Ferreira diz que, além de se tornarem jornalistas com consciência social, as recém-formadas estão disponibilizando ‘mais um mecanismo para a luta pela democracia racial e de gênero no país’.
******
Doutor em Letras (Literatura Portuguesa) pela Universidade de São Paulo (USP), é autor de Bocage: o perfil perdido (Lisboa, Caminho, 2003) e Gonzaga, um poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999)