Algumas conversas com colegas mais velhos de profissão às vezes me incomodam um pouco. Não que eu seja tão jovem aos 39 anos. Incomoda-me o tom saudosista como se hoje não se fizesse mais jornalismo e jornalismo bom fosse o de antigamente. Quando ouço que jovens jornalistas de hoje não se interessam pela profissão, que são imaturos e alienados e que não querem saber do que ocorre a sua volta, meu primeiro impulso é tomar partido deles, apesar de achar que os críticos têm sua ponta de razão.
Ao tomar partido dos jovens colegas (e fui professora de muitos deles), no entanto, faço-o por compreender que todas as avaliações acima são concebidas a partir de um ponto de vista, de um ângulo. Afinal, com que lentes estamos, nós que nos aproximamos dos 40 ou já os ultrapassamos, analisando o comportamento dos colegas que ainda não chegaram à casa dos 30? Estamos analisando jovens profissionais como se eles tivessem existência isolada, desconectada da realidade na qual estão inseridos e, principalmente, descontextualizados em relação à imprensa como instituição e às mudanças que ocorreram no mundo nos últimos 20 anos.
No ano passado escrevi um artigo neste Observatório (‘A culpa é de quem?‘) sobre a mania que temos de fragmentar tudo e tomar as partes como o todo ou, pior, tentar juntar as partes como se elas pudessem compor o todo tal e qual ele foi concebido originalmente. Isso é impossível. Jornalistas não são seres que observam a sociedade (permitam-me tomar a palavra sociedade, quando o mais adequado seria dizer sociedades, já que temos várias delas competindo no mesmo espaço político do Estado) como se existissem de fora e apesar dela. Jornalistas, assim como médicos, professores, advogados, juízes e tantos outros profissionais, são produto e produtores da sociedade na qual estão inseridos.
O professor Bernardo Kucinski, em palestra no 10º Congresso Estadual de Jornalistas do Espírito Santo, em junho, disse que é preciso considerar os vários aspectos que envolvem a profissão na contemporaneidade e não apenas a formação específica que habilita determinadas pessoas a exercer o jornalismo. É preciso, segundo ele, rever os padrões éticos estabelecidos há décadas, num outro contexto e sob outras motivações. Kucinski, ao falar dos jovens jornalistas que estão saindo das faculdades, diz não acreditar que eles sejam alienados, desinteressados ou desinformados. Eles são diferentes do que fomos em outra época. E tomam determinadas atitudes, ou deixam de tomá-las, não porque sejam alienados. Eles simplesmente acreditam que é assim que tem que ser.
Quando ouvi um colega com alguns anos a mais de profissão, experiente e competente no ofício, dizer que o jornalismo de hoje não é bom, pensei: não é apenas uma questão de ser bom ou ruim, melhor ou pior do que já foi. A questão é que hoje o jornalismo é diferente. Preservou-se, em tese, o estatuto de serem ouvidos os dois lados, do lide, da isenção, da imparcialidade, da objetividade. Esqueceu-se, no entanto, que as diversas realidades de hoje nos fazem ver, fazer e sentir de forma diferente. A relação com a informação mudou para novos e velhos; as novas tecnologias encurtaram caminhos, derrubaram barreiras, venceram distâncias.
A mídia tornou-se um dos principais mediadores da realidade e isso confere a ela, principalmente ao jornalismo, por sua presunção de verdade e objetividade, um estatuto que foge da crença de que o jornalismo espelha a realidade. Penso que em vez de ocuparmos nosso tempo tentando ‘compreender’ o que fez o jornalismo de antes melhor que o de hoje, talvez fosse mais produtivo se nos debruçássemos sobre o que ocorre a nossa volta e nos dispuséssemos a refletir sobre as nossas práticas diárias não só no campo profissional.
Uma vez que é impossível separar a realidade de sua produção, é impossível separar a forma como se faz jornalismo hoje da realidade que se produz (é produzida) pelo mesmo jornalismo. E, por conseqüência, é impossível separar a formação de jovens profissionais da realidade que os forma, na escola ou fora dela, e os lança no jornalismo como observadores privilegiados que têm a legitimidade para produzir narrativas sobre os fatos.
A compreensão que tenho (e que foi objeto de pesquisa recente) vai além da compreensão reducionista do jornalista como instância informadora. O jornalismo é, antes, uma forma de produzir conhecimento na sociedade e, como instância formadora, merece mais atenção do que apenas críticas à forma final como se apresenta nos veículos de comunicação.
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Jornalista e mestre em Educação (Vitória, ES)