Enquanto se debate a reformulação do modelo curricular das faculdades de Jornalismo, um acontecimento paralelo poderá ter desfecho capaz de transformar essas instituições em algo dispensável: o julgamento, marcado para esta quarta-feira (01/4), no qual o Supremo Tribunal Federal (STF) decidirá pela exigência ou não de diploma universitário para se exercer a profissão de jornalista.
O recurso extraordinário que o STF analisará, interposto pelo Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão no Estado de São Paulo (Sertesp) e pelo Ministério Público Federal, tem como relator o presidente do Supremo, ministro Gilmar Mendes – cuja destituição chegou a ser solicitada por advogados, procuradores e juízes, no ano passado, por ter mandado libertar o banqueiro Daniel Dantas, preso durante a Operação Satiagraha, da Polícia Federal.
Na classe política (e Mendes pode ser incluído nela, visto que foi nomeado para o STF pelo então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso), há, pelo menos, uma tentativa de desregulamentar o exercício do jornalismo.
No final de 2007, o deputado federal Beto Mansur (PP-SP), sócio de emissoras de rádio e televisão na Baixada Santista, apresentou substitutivo a um projeto de lei do ex-parlamentar Wladimir Costa (PMDB-PA), para que radialistas – cujo piso salarial é inferior ao de jornalistas – também tivessem como atribuições redigir e apresentar notícias e atuar como repórteres.
Pouca coisa além da teoria
Após uma audiência pública sobre o tema, realizada na Câmara dos Deputados em abril de 2008, Mansur retirou o projeto. Mas não sem argumentar, segundo a Agência Câmara, que ‘não acho que o repórter que faz a cobertura tenha que ser jornalista. Acho, inclusive, que poderia haver cursos superiores para as várias atividades envolvidas nas emissoras de rádio e televisão’. E lançou a pergunta: ‘Por que os jornalistas devem ter o monopólio dessa atividade?’
Por menos que se simpatize com o real objetivo da proposta de Mansur, a verdade é que o diploma de jornalista tem servido mais como instrumento de reserva de mercado do que como garantia de transmissão adequada de técnicas e conceitos éticos para futuros profissionais da área.
Certamente, a ausência de regulamentação profissional formal levaria a depreciações salariais ainda maiores do que as atuais, visto que o salário-base, há tempos, se tornou teto em um número indeterminado de empresas jornalísticas.
Afora isso, vem sendo difícil defender a obrigatoriedade do diploma. Vive-se num ambiente em que cursos superiores particulares se multiplicam em progressão geométrica, mas não há à disposição, em proporção semelhante, profissionais com larga experiência e capazes de ensinar o que aprenderam. Assim, para preencher o corpo docente, apela-se para quem tem pouca coisa além da teoria.
A realidade do mercado
É por motivos como esses que não basta atualizar a grade curricular das faculdades de Jornalismo. Como nem todas as instituições aprimoram seus serviços por conta própria, cabe ao Ministério da Educação rever, também, as exigências que impõe para a abertura e a manutenção de cursos superiores.
Mas, em resposta à questão do deputado-empresário, há certos monopólios que não devem ser desfeitos. No caso do jornalismo, quando é encarado como atividade profissional a ser desempenhada por trabalhadores qualificados – como o Direito e a Medicina.
A internet, por exemplo, permite a qualquer pessoa interessada em informar e opinar que o faça, sem limites de espaço e abrangência. Sabe-se, no entanto, que nem todo gestor de sítio ou blog que contém ‘notícias’ está preocupado com a veracidade e a exatidão das informações que veicula: quer é se manifestar. Não importa se os outros lados da questão terão suas versões ouvidas e/ou divulgadas.
De volta ao ensino superior, os cursos para formação de jornalistas precisam se refazer. O maior problema, porém, não está na atualização tecnológica. Tão importante quanto ela é avançar no que se refere à realidade do mercado.
Informar com honestidade
Aos profissionais contratados, são comuns a escassez ou a absoluta falta de noções de termos jurídicos; a dificuldade para lidar com números (não só regra de três, mas para entender a economia da região e do país); o pouco conhecimento do cotidiano da cidade onde residem e dos municípios à sua volta. E, como defesa diante da redução do contingente nas redações e da dificuldade de colocação, parecem importantes orientações sobre a abertura e a manutenção de negócios próprios, como opção acessória ou principal de sobrevivência.
Caso os dirigentes de faculdades de Jornalismo adotem como prioridade torná-las melhores, será minimizado o impacto de uma eventual decisão do STF contra a obrigatoriedade do diploma. Neste momento em que se questiona sua utilidade, os responsáveis por cursos superiores têm a chance de transformar a graduação em algo mais nobre do que a garantia de condições salariais mínimas: na formação de profissionais capazes de, com inteligência, driblar os compromissos das empresas para as quais trabalham e informar seu público com honestidade.
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Jornalista, repórter do jornal A Tribuna, Santos, SP