Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Marcelo Beraba

‘O relatório divulgado na terça-feira pela CPI dos Correios não é conclusivo em relação ao esquema de corrupção no governo federal e no Congresso denunciado pelo deputado Roberto Jefferson em junho.

O documento tem o mérito de arrumar as informações colhidas até este momento, mas tanto não é conclusivo que deu margem a várias interpretações.

A oposição está segura de que a acusação está provada. Os governistas seguem com a posição de que houve, sim, o uso indevido de caixa dois, mas que foi um caso isolado e de que a história do ‘mensalão’ não se sustenta. Não há dúvida, na minha opinião, de que um grande esquema funcionou no Congresso para garantir a base de sustentação do governo petista. E é fato também, que o relatório ainda tem muitas lacunas.

A edição de sexta-feira da Folha trouxe dois comentários interessantes. O primeiro foi o artigo do diretor da Sucursal de Brasília, Valdo Cruz, seguramente o jornalista da Folha mais enfronhado nesta cobertura. O título resume o seu ponto de vista: ‘Avançou, mas não chegou lá’. Ele teme que a comissão se contente com o que apurou até agora e contribua para fortalecer a idéia de que nada foi provado. Se isso ocorrer, conclui, será ‘por completa inépcia dos investigadores’.

O segundo comentário é de Wilson Oda e foi publicado no ‘Painel do Leitor’. Oda também acha que muitas perguntas continuam sem respostas, mas estende seu questionamento à imprensa: ‘Para mim a mídia está devendo’.

Estou de acordo com os comentários de Valdo Cruz, mas acho que o leitor está coberto de razão. As CPIs e os organismos oficiais de investigações são lentos, falhos e atuam sob pressão, mas também a mídia está devendo. Alinhavo, a seguir, algumas observações sobre o estágio da cobertura jornalística, principalmente da Folha.

A cobertura encolheu

Primeiro ponto: a cobertura encolheu e mudou de rumo.

O levantamento mais completo do trabalho da imprensa nos casos de corrupção é feito pela Transparência Brasil (www.transparencia.org.br) por meio do banco de dados Deu no Jornal.

Claudio Weber Abramo, diretor-executivo da Transparência, assim resume as estatísticas dos três maiores jornais, Folha, ‘Estado de S.Paulo’ e ‘O Globo’: ‘Apesar de o assunto ‘mensalão’ continuar a ser o principal tema dos três jornais, observa-se uma gradual redução de intensidade. Enquanto no mês de agosto a cobertura deles juntos chegou a picos de aproximadamente 70 reportagens publicadas por dia, em dezembro esse índice chega a no máximo 15 reportagens por dia. As coberturas dos três jornais, e em especial as da Folha e do ‘Estado’ por conta de suas agências, dão o tom do que é publicado pela grande maioria dos demais diários do país’.

A Folha tem um levantamento próprio, feito pelo Banco de Dados, que comprova esse decréscimo. O número de textos não pode ser comparado com os da Transparência porque inclui todas as reportagens que foram classificadas com a vinheta ‘mensalão’, quando sabemos que nem todas com esse rótulo tratavam diretamente do caso. Mas a tendência de queda é a mesma: mais de mil textos publicados em julho (1.226), agosto (1.384) e setembro (1.080) e uma queda livre em outubro (597) e novembro (637).

Mas mais importante do que o encolhimento da cobertura -quantidade nem sempre é qualidade- são as mudanças nas prioridades dos jornais. No caso da Folha, as alterações são nítidas. As páginas de política, que vinham exclusivamente tomadas pelo acompanhamento das acusações e das investigações, agora são divididas em três ou quatro grandes áreas de interesse.

Foco nas eleições

O foco principal do jornal já está nas eleições de 2006. Aproximadamente 35% do noticiário antecipa a disputa eleitoral. É um cálculo meu a partir de uma base de cerca de 270 reportagens publicadas em dezembro. Os textos que se referem diretamente às investigações das CPIs, da Polícia Federal, do Ministério Público, do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) e da própria Folha não chegam a 30%. Cerca de 15% giraram em torno da cassação do deputado José Dirceu (30/11) e das absolvições dos deputados Romeu Queiroz (14/12 ) e José Nobre Guimarães (20/12). O resto são notícias sobre o governo, orçamento, PT, caso de Santo André, Congresso e por ai.

Tomando dezembro como base, os jornais se limitaram a trabalhar com as informações vazadas pelos vários organismos envolvidos nas investigações. A atenção está voltada agora para os fundos de pensão, suspeitos de terem alimentado o esquema de financiamento ilegal do PT. Os jornais se esforçam por avançar, mas até agora sem êxito.

A Folha publicou neste período uma reportagem exclusiva realmente relevante, no dia 4, quando conseguiu antecipar informações do Coaf relativas à Coteminas, a empresa do vice-presidente José Alencar: ‘PT fez depósito suspeito para firma de vice’.

Não se pode dizer que os jornais tenham abandonado as investigações. Mas a contribuição maior e quase exclusiva que têm dado é o acompanhamento das investigações oficiais e, volta e meia, a publicação de informações vazadas que exigem apuração. A imprensa, portanto, está devendo.

Jornalismo crítico

Chamo a atenção para dois outros aspectos da cobertura recente da Folha que considero importantes. Primeiro, o que chamei, na Crítica Interna do dia 22, de ‘uso abusivo e sem critério’ da vinheta (ou chapéu) ‘Escândalo do ‘mensalão’ que encima quase todas as páginas do caderno Brasil.

Criada para distinguir o noticiário sobre as acusações de corrupção e ajudar a organizar a leitura, a vinheta é usada indiscriminadamente. Selecionei alguns exemplos recentes que considero absurdos de reportagens publicadas com o rótulo de ‘mensalão’: ‘TSE multa Lula por propaganda antecipada’ (2/12), ‘Cesar Maia diz que desiste para apoiar Serra’ (5/12), ‘Serra diz não ser candidato; Alckmin ironiza’ (6/12), ‘Relator quer salário mínimo entre R$ 340 e R$ 400 em 2006’ (11/12), ‘Alencar eleva o tom e diz que os juros são ‘crime’(15/12), ‘Alckmin e Serra disputam apoio de FHC’ (20/12), ‘Laudo não conclui causa da morte de legista’ (caso Celso Daniel, 21/12).

A segunda questão tem a ver com as eleições. O jornal publicou no domingo, dia 18, uma entrevista de duas páginas com o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB). O roteiro de perguntas não faz jus ao jornalismo crítico com o qual a Folha tem compromisso público.

Escrevi na Crítica Interna de segunda:

‘Não consigo entender como uma entrevista programada para tratar da candidatura à Presidência da República não contenha perguntas bem fundamentadas que questionem a gestão estadual. A entrevista é toda voltada para analisar o governo Lula e esquece o governo Alckmin. Chega a ponto de perguntar ao governador se concorda com a crítica de que, na gestão Lula, as ações da Polícia Federal passaram a abusar da pirotecnia, e não tem uma pergunta sobre a política de segurança do governo de São Paulo. Parodiando uma das perguntas, o jornal perdeu uma grande oportunidade de passar o governo Alckmin em revista’.

A obrigação que tem de continuar a investigar as denúncias de corrupção contra o governo Lula e a exigir a punição dos responsáveis não isenta o jornal de manter um acompanhamento crítico e fiscalizador das administrações estaduais e municipais. Principalmente se seus titulares são candidatos a presidente da República em 2006.

Solicitei ao jornal que explicasse o uso indiscriminado da vinheta ‘Escândalo do ‘mensalão’ e a entrevista com Alckmin, mas ele preferiu não comentar as críticas.’