Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Mistérios do PIB, idéias para pauta

Que diabo está havendo com a indústria? O Brasil está virando, mesmo, uma ‘economia de serviços’, como as do mundo rico, ou os números do PIB mostram só uma caricatura de modernidade? Estas são algumas perguntas óbvias, motivadas pela divulgação das contas nacionais, na última quarta-feira (13/6). Os jornais apenas começaram a cuidar dessa pauta. Quem quiser cumpri-la ainda terá muito trabalho, mas o resultado valerá a pena.


Os jornais tentaram, nas edições de quinta e sexta-feira, debulhar os números divulgados pelo IBGE, examinando o Produto Interno Bruto de várias perspectivas. Para começar, deram ênfase ao dado mais vistoso – o ‘crescimento’ de 4,3% em relação ao PIB do primeiro trimestre de 2006. A palavra crescimento, nesse caso, pode ser enganadora.


Como os períodos são descontínuos, seria mais correto afirmar que o PIB de janeiro a março de 2007 foi 4,3% maior que o de um ano antes. O ritmo de produção no trimestre inicial deste ano poderia estar estagnado ou até em queda. Ainda assim, poderia ser maior que o de janeiro a março do ano passado, por causa da expansão ocorrida entre os dois períodos.


O próprio IBGE comete essa impropriedade, com freqüência, ao divulgar seus levantamentos. Mas o assunto não é tão misterioso. Um septuagenário pode ser 15% mais alto do que era aos 15 anos, mas isso não é sinal de que esteja crescendo ou tenha crescido recentemente. O mais provável é que tenha começado a encolher.


A tendência de curto prazo é indicada mais claramente, no caso do PIB trimestral, pela comparação com o período imediatamente anterior, descontada a variação sazonal. Essa variação foi de 0,8%. Projetada para quatro trimestres, aponta uma expansão de apenas 3,25%. Há boas indicações de que tenha ocorrido uma aceleração no segundo trimestre e essa, por enquanto, é a melhor notícia.


Em perspectiva


Alguns economistas também mostraram otimismo diante da evolução do investimento bruto. Desta vez, disse um deles, o crescimento da economia é mais firme do que noutros episódios dos últimos anos. Faz parte da cobertura, tanto dos jornais quanto dos meios eletrônicos, a reprodução de opiniões de especialistas. Mas não custa fazer uns cálculos simples por conta própria. Uns poucos tiveram esse trabalho.


A taxa de investimento, no primeiro trimestre deste ano, ficou em 17,2% do PIB, praticamente igual à de um ano antes. É uma taxa ridícula, quando comparada com a de outros emergentes ou mesmo com a observada no Brasil na fase do chamado ‘milagre’, no final dos anos 1960 e em boa parte dos 1970, quando a formação bruta de capital fixo andou pelos 24% e até mais.


Jornais, rádios e TVs também chamaram a atenção para um dado complementar, não explicitado no material divulgado pelo IBGE: o investimento na infra-estrutura continua emperrado. Projetos de hidrelétricas, centrais térmicas, estradas e terminais portuários continuam no papel, ou na imaginação, porque faltam licenças ambientais, garantia de abastecimento de gás e regras para as parcerias público-privadas. O problema, nesses casos, não é a escassez de capital, mas a indefinição política.


O ataque a uma questão das mais importantes, a composição setorial do PIB, demorou um pouco mais. No primeiro trimestre, a indústria de transformação produziu apenas 2,8% mais do que um ano antes. Em todas as demais comparações, o resultado da indústria foi pífio. Qual o problema? Não se trata, obviamente, apenas de uma perda de peso na composição do PIB, mas de uma redução do dinamismo do próprio setor.


O Estado de S.Paulo saiu com um primeiro ataque à questão no domingo (17/6), sob o título ‘Indústria cresce abaixo do PIB desde 2004’. A escolha de um período razoavelmente longo, três anos, foi uma idéia interessante. Falta dizer mais sobre o assunto, mas a matéria foi um bom esforço inicial para pôr o assunto em perspectiva. A Folha de S.Paulo, também no domingo, tratou de um aspecto restrito da questão, mas também relevante: ‘Indústria de ponta perde espaço no país’.


O peso dos serviços


Matérias como essas podem fazer a diferença numa cobertura. Mais que isso, podem fazer a diferença entre a cobertura dos jornais e a dos meios mais velozes, como a TV, o rádio e a agência de noticiário online.


No caso, esse tipo de matéria pode contribuir para uma avaliação mais precisa da natureza do crescimento econômico. Durante décadas, a indústria foi o motor principal da economia brasileira, não só por seu dinamismo, mas também por ser um dos pólos mais importantes de mudança tecnológica e a maior fonte de empregos de qualidade – formais, produtivos, com os melhores salários médios e com padrões mais altos de segurança.


Esse quadro foi parcialmente mudado pela terceirização, que jogou para os serviços parte dos empregos proporcionados até os anos 1980 pela indústria. Mas falta uma noção mais clara do que mudou no setor industrial e no de serviços. Este é muito amplo e muito diversificado em termos tecnológicos.


Maior peso estatístico na formação do PIB não é sinônimo de maior dinamismo, nem de modernização mais veloz que a do setor industrial. Também não significa, necessariamente, criação de empregos de maior qualidade. O contrário, segundo as aparências, é o mais provável. Excluída a área financeira, o que representa, no Brasil, o setor serviços em termos de tecnologia, dinamismo e criação de empregos de qualidade? Quais as suas conexões com a indústria de transformação e com o agronegócio?


São questões trabalhosas, mas vale a pena enfrentá-las.

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Jornalista