Em agosto do ano passado, a versão internacional do site sul-coreano Ohmy News saiu do ar. Fruto da pioneira e mais bem-sucedida experiência de produção colaborativa de informação do mundo, o site alegou dificuldades de edição e checagem do grande volume de matérias recebidas diariamente. Desde sua criação, em 2000, o Ohmy News marcou uma forma “nova” de produzir notícia. Em 2002, seus colaboradores, alçados à condição de repórteres, ajudaram a eleger o presidente sul-coreano Roh Moo-hyun (2003-2008). Foi o pontapé para o que se convencionaria chamar de “jornalismo cidadão”. Em 2010, com uma redação composta por 65 redatores e editores profissionais e mais de 50 mil “jornalistas cidadãos”, o site tremeu diante do principal fantasma do jornalismo: a perda da credibilidade, o maior valor da informação, hoje e sempre.
Esse é apenas um exemplo do cenário em mutação na imprensa da era tecnológica. Quando parecia que todos poderiam ser jornalistas, ficou claro que para fazer jornalismo do bom é preciso gente preparada para captar e difundir informação séria e confiável. O cenário mostra que são necessárias mudanças na formação profissional. Diferente do estereótipo do repórter farejador de notícias ou do intelectual de mesa de escritório, o que se exige hoje do jornalista são: boa formação cultural, bom texto, excelente domínio do português e de uma outra língua (de preferência, o inglês), criatividade, rigor de apuração dos fatos, isenção, compreensão das novas tecnologias, habilidade na gestão de processos comunicacionais e capacidade de adaptação a uma variedade de funções decorrentes do processo de convergência nos sistemas de produção das empresas. Ufa!
Jornalismo no Brasil tem futuro?
Por mais que pertença a uma geração calejada tecnologicamente, o super-mega-hiper jornalista do século 21 tem de estudar. Deve se preparar para atuar no campo da cibercultura e do jornalismo digital. Mas, quantas instituições de ensino superior estão conseguindo adequar currículos dos cursos de Jornalismo a esse cenário? Em primeiro lugar, não há uniformidade nos currículos dos 322 cursos de jornalismo do Brasil cadastrados no site do Ministério da Educação (MEC). O Mapeamento do Ensino do Jornalismo Digital no Brasil em 2010, realizado por dez professores de Comunicação, revela uma briga das boas.
O estudo, ainda que parcial (31,68% do total de cursos), mostra um quadro preocupante. Guardadas as devidas exceções, verifica-se a compartimentalização do jornalismo digital em disciplinas que não dialogam entre si. Em tempos de produção colaborativa, ainda predomina uma visão fordista do ensino, com professores detentores de conhecimento inquestionável. Prevalecem os blogues como produção laboratorial. Os cursos (em especial os das universidades públicas) lutam contra o sucateamento de laboratórios. E – acreditem ou não – permanece o dilema entre o livre acesso ou o bloqueio de sites e recursos da rede ao aluno.
Diante do presságio do fim dos impressos, do fim da obrigatoriedade do diploma definido pelo Supremo Tribunal Federal em junho de 2009, da revisão das diretrizes curriculares do curso de Jornalismo pelo MEC e do fechamento de cursos por instituições privadas de ensino provocado pelo menor interesse dos alunos, fica mais uma pergunta: o jornalismo no Brasil tem qual futuro?
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[Bernadete Toneto é jornalista, mestre em Comunicação e Cultura na América Latina pela Universidade de São Paulo (USP) e professora de cursos de graduação em Comunicação e de ?pós-graduação em Gestão de Projetos Culturais]