O verso do título é de Drummond mas, apareceu pela primeira vez na Comédia. Dante encontrava-se ‘Nel mezzo del camin’, atribulado por dificuldades diversas. Sua morte era quase certa quando aparece Virgílio com a incumbência de levá-lo por caminhos tortuosos entre o Inferno, Purgatório e Paraíso, para que possa ter sua redenção e encontrar sua amada.
A ‘pedra’ que Alighieri teve de contornar foi fundamental, dentre outras coisas para a formação da língua italiana e a modificação de toda uma cultura baseada na elitização. Hoje, outra pedra, figura no meio do caminho de um rei, chamado Quaderna, cujo reinado é o pobre sertão nordestino e todo seu imaginário de seca e pés descalços.
A Pedra do Reino de Quaderna, que na verdade é o de Suassuna, é do tipo ‘Por isso que a arte e inovação não caminham juntas na televisão’, ou a que a imprensa classificou o projeto de Luiz Fernando Carvalho como hermético e fracassado sem analisar os diferentes pontos que culminaram na pequena audiência da microssérie.
Crítica boba e superficial
A frase do parágrafo acima foi dita por J.B. de Oliveira, o Boninho, que é diretor de núcleo da TV Globo responsável pelo Big Brother Brasil – com esta pedra, nosso Quaderna nem deve se preocupar. Afinal, o que Boninho conseguiu produzir é o pior lixo cultural da TV brasileira, um programa efêmero, cujos conceitos são totalmente supérfluos e desprovidos de qualquer senso cultural que não a mediocridade. Se o Big Brother é o melhor que Boninho pode fazer de ‘inovação’ na TV, é bom que a Globo renove um pouco seus produtores, pois mesmo sendo um lixo cultural o programa que Boninho é responsável é uma cópia de formatos exibidos anteriormente na Europa. Quem coloca pedras no caminho de nosso Quaderna, nem ao menos tem a capacidade de fazê-lo com as próprias mãos.
A imprensa, porém, demonstrou que precisa rever um pouco seus conceitos, pois ‘evoluir’ significa, dentre outras coisas, transgredir. Antes da estréia, Quaderna era o símbolo da arte e a maior expectativa da televisão; depois virou um fracasso que, segundo Marcos Augusto Gonçalves, foi uma ‘revolução para afugentar as massas’. Sem capacidade de uma maior interpretação do fenômeno, a grande imprensa ficou na crítica boba e superficial – mais uma pedra no reino.
Quaderna precisa um aliado
Primeiramente, o horário em que foram exibidos os capítulos de A pedra do reino não é da ‘massa’, que dorme cedo para trabalhar no dia seguinte. Segundo, será que não é normal uma narrativa cultural não linear causar estranhamento quando exibida em uma emissora cujos programas visam ao entretenimento fácil, desprovido de inteligência? Outro ponto que faltou a imprensa discutir diz respeito à própria educação brasileira que, como mostraram pesquisas que a própria imprensa divulgou, é uma das piores do mundo. Sem contar que o brasileiro compra 2,5 livros por ano, sendo que, tirando os didáticos adquiridos pelo governo, a taxa cai para menos de 1,5 livros.
Será que A pedra do reino tem que ser ‘entendida’? Será que ela tem uma interpretação única, como propuseram os críticos? Qual crítico, sinceramente, leu o livro de Suassuna? Revolução não significa modificação de padrões? Por que, então, o projeto foi ‘condenado’ por fugir aos padrões já estabelecidos?
Como esperar que o público ‘entenda’ um projeto cultural, quando a imprensa não consegue ligar os pontos para compor uma crítica sem superficialidades?
Dante contou com a ajuda de Virgílio; Quixote com a de Sancho. Quaderna também precisa de um aliado nesta saga contra a pobreza de conteúdo que seca a televisão brasileira de inteligência e cultura.
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Coordenador de Comunicação, Jundiaí, SP