Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

No Mínimo

JORNAL DA COPA
Ricardo Setti

Copa 2006: sociologia de botequim, 13/07/06

‘A famosa frase de Albert Camus sobre o futebol na verdade não se refere apenas ao futebol. ‘Quase tudo de que tenho certeza sobre moral e dever’, disse o grande escritor francês, ‘devo ao esporte.’ Provavelmente Camus, nascido na terra dos pais de Zidane e admirador do futebol, não se importasse em saber que a citação seria reescrita a ponto de tornar-se exclusiva do esporte que empolgou o planeta com a Copa do Mundo da Alemanha, de tal forma o futebol se tornou terreno fértil para, em diferentes épocas, quadrantes e áreas de conhecimento, prestar-se a metáforas a respeito da guerra, da História e da própria vida.

Essa portentosa Copa do Mundo que acaba de se encerrar na Alemanha não foi diferente. Muitíssimo se mostrou, disse e escreveu a respeito do certame arrebatado pela competente Scuadra Azzurra, inclusive sobre o desastre protagonizado pela seleção brasileira em gramados alemães. O impacto do grande evento, porém, ainda não se dissipou. Cabem, portanto, considerações sobre algumas seleções participantes, mesmo que elas não incluam propriamente comentários futebolísticos e, aqui e ali, enveredem pela sempre perigosa senda dos possíveis fatores extra-futebol que possam ter influenciado o ânimo das torcidas, dos telespectadores e dos deuses dos estádios.

Sociologia de botequim, se quiserem. Mas perfeitamente admissível no futebol. Vamos lá:

Alemanha: no plano simbólico, os alemães protagonizaram episódios marcantes nesta Copa. A começar pela brilhante sacada do técnico Jürgen Klinsmann – constatação que ajudaria a arrebatar as multidões que o selecionado alemão comoveu: a vitória em 2006 representaria, sim, a aposição da quarta estrela à camisa branca, negra e amarela, mas a primeira estrela da Alemanha finalmente reunificada em 1990, após 45 anos de divisão imposta pela realpolitik das potências vencedoras da II Guerra Mundial (1939-1945), já que as três estrelas anteriores couberam à Alemanha Ocidental.

Foi também histórico ver, em pleno reformulado Estádio Olímpico de Berlim – em cuja versão original o delírio maligno de Hitler pretendeu comprovar a supremacia da suposta ‘raça ariana’ durante as Olimpíadas de 1936, para ser desmoralizado pelo herói negro americano Jesse Owens, maior atleta dos Jogos – a seleção alemã derrotar o Equador por 3 x 0, com o meio-campo Schneider sendo substituído por Asamoah, cidadão alemão nascido em Gana e… negro. Como ganense e negro é o pai do meia-atacante Odonkor, que atuou em várias partidas.

Não menos emocionante seria o significado de os alemães terem, como dupla de ataque goleadora, os nativos da Polônia Podolksi (21 anos de idade, na Alemanha desde os 2) e Klose (28 anos de idade, na Alemanha desde os 8). Invadida pela Alemanha nazista em 1939, ação que deflagraria a II Guerra, a Polônia sofreria uma brutal ocupação. Finda a guerra, a Alemanha perderia um considerável pedaço de território para a Polônia. A torcida alemã aclamando o jovem Podolski (principalmente) e Klose durante a Copa pareceu de alguma forma sepultar esse passado.

França: a seleção francesa, não bastasse méritos futebolísticos, constituiu em campo todo um manifesto vivo contra o racismo – a começar pelo racismo da direita fascista da própria França -, com aquele multicolorido e harmonioso elenco com raízes na África negra, no Maghreb árabe ou no Caribe. De quebra, o traço da História passou também pelo técnico Raymond Domenech, filho de imigrantes catalães refugiados na França com a derrota dos republicanos espanhóis na Guerra Civil (1936-1939).

Sérvia e Montenegro: três jogos na primeira fase, três derrotas, sendo uma delas acachapante, devastadora, aqueles 6 a 0 contra a Argentina. Para os dois únicos territórios ainda unidos entre os sete que formavam a extinta Iugoslávia – em passado recente celeiro de maravilhosos jogadores, os ‘sul-americanos da Europa’ -, como dissociar a campanha na Copa da dissolução política do país, com o plebiscito que em maio, menos de dois meses antes de a bola rolar na Alemanha, decidiu separar a pequena Montenegro da Sérvia? Como esperar que jogadores tivessem algum elã depois de ouvir um hino e perfilar-se ante uma bandeira que, para parte deles, já não mais faziam sentido nenhum?

Ucrânia: no exato sentido oposto do ocorrido com Sérvia e Montenegro, o que explica melhor a chegada do pavoroso time de cabeças-de-bagre ucranianos até as quartas de final – quando as coisas voltaram a seus lugares e a Azzurra sapecou-lhes 3 a 0 – senão a euforia de, pela primeira vez livre do jugo soviético numa Copa, poder se apresentar ao mundo com sua própria ‘cara’ futebolística nacional?

Angola: a seleção de um país que faz feriado para celebrar uma derrota apertada (por 1 a 0) contra o time do antigo colonizador português, como ocorreu com os estreantes angolanos logo na primeira partida, não tinha como passar despercebida. Depois do milagre de conseguir chegar à Alemanha com os limitadíssimos recursos de um país em escombros após 41 anos consecutivos de guerra (de 1961 a 1975, contra Portugal, daí em diante até 2002, guerra civil), deve se ver como altamente honrosa, perto de heróica, a participação de Angola na Copa: empate sem gols com o muito superior México e de 1 a 1 com o bem mais tarimbado Irã.

Espanha: ficou no meio do caminho quem buscou, como em Copas anteriores, explicações somente futebolísticas para um novo fracasso da ‘Fúria’ – desta vez, tal qual se deu em graus levemente diferentes em 1998 e 2002, com um time de qualidade. O que se coloca é: será que um time sem real coesão nacional pode jogar à vontade, com companheirismo, alegria e garra? Apesar da loucura nacional existente na Espanha com o futebol, com a seleção as coisas não são exatamente assim em certas regiões onde há setores nacionalistas exaltados, como especialmente a Catalunha – região mais rica e populosa – e o País Basco.

Exibir uma bandeira da Espanha na Catalunha, mesmo se o cidadão tem raízes em Castela ou na Andaluzia, chega a configurar uma proeza. Quem torceu pela ‘Fúria’ em terras catalãs deu invariavelmente a desculpa de que o fazia pelos catalães envergando a camisa vermelho e ouro, como o raçudo Puyol, capitão do Barcelona. Quando, nas oitavas de final, a França virou o 1 a 0 a favor da ‘Fúria’ em 3 a 1 a seu favor, rojões espocaram em vários pontos de Barcelona…

Brasil: como relacionar o time inodoro, incolor e insípido de Parreira a grandes linhas da vida brasileira? Com as heróicas exceções que nem precisam ser mencionadas, um time – talvez dissesse Nelson Rodrigues – de ‘lorpas, pascácios, bovinos’, um time (comissão técnica incluída) a um só tempo arrogante e prepotente, sem garra e sem vergonha na cara, faz lembrar algo de nosso país, de seus sonhos e esperanças cada vez mais longínquos?

Responda você, leitor.’



SEXO NAS BANCAS
Santiago P. Fusco

Karina, morena Karina, 11/07/06

‘Já se disse que o diabo se esconde nos detalhes. Faltou acrescentar que Deus também. Estava eu mergulhado nessas questões metafísicas, embatucado diante da fortíssima safra de beldades nuas e seminuas que o mês de julho depositou de páginas abertas sobre a minha mesa, quando o inesperado aconteceu. Estava à procura de um pormenor redentor que decidisse a dura parada, e coube a um detalhe fortuito me salvar do impasse. Uma rajada de vento entrou pela janela e lançou ao chão o exemplar da ‘UM – Universo Masculino’. Foi então que, privada dessa revista discreta, que em meses normais se limita a fazer número na disputa pelo troféu Sexo nas Bancas, a safra de julho sobre a mesa já não parecia tão forte assim. Piorou muito, na verdade. Era a revelação que faltava para me fazer chegar a uma decisão. Recolhi carinhosamente a revista do assoalho e concedi o troféu ao ensaio da atriz Karina Bacchi que torna única a ‘UM’ de julho.

Atenção para um esclarecimento fundamental: Karina não mostra quase nada em termos de nudez propriamente dita, como, aliás, é normal nos ensaios da revista. Ou seja: novidade absoluta nessa competição, ela conseguiu levantar o título sem jogar tudo o que imaginamos – sabemos – que pode. As fotos de Danilo Borges são sensuais, produzidas e iluminadas com apuro, mas o fator decisivo para fazer do conjunto um ensaio campeão reside, mais uma vez, no detalhe: Karina Bacchi aparece diferente, tão diferente que parece outra mulher. Podem argumentar os idiotas da objetividade que a mudança é banal, operada em dez minutos sobre a pia do banheiro: os cabelos da moça, que eram louros, ficaram castanhos. Seria, porém, um erro terrível subestimar esse detalhe. Foi o bastante para transformar a atriz, que muito bonita sempre foi, mas um tanto plastificada, em nada menos que uma deusa da feminilidade. Em vez de ser a animadora de torcida de escola americana que seu estereótipo anterior sugeria, Karina Bacchi se assume nas páginas da ‘UM’ como mulherão, a maior pin-up de todos os tempos. Exagero? Pode ser, mas escrevi a última frase sob o efeito da foto que fecha o ensaio: Karina engatinhando de salto agulha sobre o carpete. Confiram lá. Vocês vão compreender.

Depois que me decidi por Karina com a ajuda do vento, a escolha pareceu tão óbvia que tive vontade de inverter o trabalho da rajada salvadora: jogar as outras revistas no chão e deixar apenas a neo-morena Bacchi sobre a mesa. Seria um erro, claro. Como disse ali em cima, a safra de julho está realmente acima da média. Foi ela que, por exemplo, realizou um desejo expresso aqui mesmo um tempo atrás: o de tirar aquela roupa de mergulho que escondia os encantos mais crus de Mariana Felício, menina pernalta de sorriso maroto revelada pelo ‘Big Brother Brasil’. Minhas preces foram ouvidas pela ‘Playboy’, que entregou logo a J.R. Duran – de volta à casa depois de uma breve passagem pela ‘Sexy’ – a tarefa de desnudar Mari. Tarefa bem cumprida, tudo legal. Mas os sonhos que acalentamos por muito tempo são traiçoeiros: ao virar realidade, costumam deixar na boca um gosto de frustração. Não me entendam mal, Mari é uma mulher bacana e vale a visita. Embora seja, sim, um tanto reta na cintura, característica óssea que silicone algum pode mudar.

Mais uma vez, porém, é o detalhe que acaba por se impor. E dessa vez para o mal. Explico: o que mais me alegrou nas primeiras fotos do ensaio, a moitinha amarfanhada de Mariana Felício, artigo natural, adorável e cada vez mais raro em nossas revistas masculinas, não resiste até o fim. Na penúltima foto nós a vemos manuseando um sombrio Prestobarba. Corta para a imagem derradeira, e não tem erro: lá está Mari, agora glabra feito criança. Deve haver quem goste.

Hein? Sim, é claro que eu sei que se trata de uma citação. Citação de uma foto famosa que o próprio Duran fez para a ‘Playboy’, aquela de Adriane Galisteu se depilando despudoradamente diante de nossos olhos. Um pouco de metalingagem não faz mal a ninguém, eu concordo. Mas não deixo de lamentar que os tufos da morena esguia tenham sido sacrificados em nome de um capricho artístico. Seja como for, a revista traz também um ensaio básico, simples mas de babar na gravata, com uma desconhecida chamada Adriana Machado, e acaba valendo o preço de capa com folga.

Por um coincidência feliz, a Galisteu citada obliquamente na ‘Playboy’ está esbanjando olhares também oblíquos no ensaio de capa da ‘Vip’, o que é sempre um reforço de peso. Não, nada de mamilos aqui, e o máximo de capilaridade que as fotos de André Schiliró nos permitem ver é aquela juba loura de Adriane – aliás, tão valorizada nas imagens que às vezes temos a impressão de estar diante de uma propaganda de xampu. Nada disso tira o brilho da moça, que de dentro da página nos espreita feroz com aqueles olhões verdes dela, mais provocante em seu desnudamento parcial que muita menininha descascada até a alma. Em resumo: Adriane Galisteu em seu elemento. Ela faz isso como poucas, e é o que faz de melhor. Grande julho.

Tem mais? Tem. A ‘Trip’ vem com uma edição temática sobre o sono e dá ao mês uns toques de poesia. Destaque para a enternecedora série de fotos de moças adormecidas e o ensaio ‘amadorístico’ habitual em que somos levados a acampar numa praia deserta com uma certa Renata Coin – muito prazer. Enquanto isso, na ‘Sexy’, a bodyboarder Dani Freitas protagoniza algumas boas cenas em ensaio remanescente de J.R. Duran. Consegue compensar um par de seios inverossímeis com poses carnais de um vigor atlético bastante interessante. Pena que uma das melhores, estampada na página 72, tenha sido falsificada por um dos retoques de Photoshop mais bizarros da história das revistas masculinas – ou isso, ou Dani sofreu um acidente horrível naquela prancha. Aqui do meu recanto de voyeur feliz, torço muito pela primeira hipótese. E que venha agosto.’



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O Estado de S. Paulo – 1

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