Uma cabeça só não seria suficiente para o jornalista contemporâneo ser capaz
de acompanhar as atuais exigências da profissão. Antigamente, as demandas eram
distintas, segmentadas em áreas exclusivas. Alguém só para analisar e propor
pautas. Outra pessoa só para apurar informações. O repórter nas ruas. O redator
que escrevia com base nas informações do repórter e do apurador. O cara da
diagramação. Revisor. Fotógrafo. Câmera. Editor de áudio. Editor de vídeo.
Motorista. Operador de som. Locutor.
Hoje é diferente. O jornalista tem que saber o que aconteceu, o que acontece
e o que vai acontecer ao seu redor e no mundo. Escrever em cinco linguagens
diferentes: jornal impresso, revista, internet, rádio e televisão, com maestria.
Texto impecável. Criatividade. Domínio das tecnologias para fazer o máximo de
coisas sozinho.
Não existe mais pauteiro. Nem apurador. O repórter tem que entregar o texto
final, impecável. Existe até vídeo-repórter, que faz a matéria sozinho – com
passagem e tudo – e edita o VT no notebook, no estacionamento do shopping
onde parou para fazer um lanche – para chegar à redação com a matéria pronta
para ir ao ar.
Além das exigências de múltiplas performances e habilidades, a estabilidade
em carteira assinada também está em extinção. Vivemos em um novo mundo, onde o
jornalista – além de multiuso – também precisa ser empreendedor.
Demissão pode abrir espaço
Nesse cenário apocalíptico, o jornalista é um bicho de sete cabeças e dez
chifres. Uma cabeça só não dá conta de tantas exigências. Quais você imagina que
são? Minha sugestão é cultura, agilidade, proatividade, sensibilidade,
tecnologia, empreendedorismo e humanidade.
1. Cultura
Além da popular, a erudita. História, atualidades, arte e costumes. Isso
inclui conhecer bem o próprio idioma: estar entre os 28% da população com
alfabetização plena. E mais: na condição de comunicador, precisa ser capaz de
falar com os 72% que não compreendem bem o que lêem. Nada de conversar com o
próprio umbigo ou só com a elite e colegas de profissão.
2. Agilidade
Tudo é para ontem nesse novo mundo. Vivemos na cultura do imediatismo. Então,
é bom que os hábitos de vida do jornalista permitam que ele tenha um raciocínio
muito veloz. Tem que digitar rápido, diagramar mais rápido ainda. Editar sem
erros. Ir direto ao ponto. Não dá para enrolar tempo na atividade e menos ainda
enrolar o público com bla-bla-blá. O texto também precisa ter essas
características: ser claro, objetivo e de fácil leitura. Parágrafo que a gente
precisa ler duas, três vezes, para entender, só em artigos acadêmicos. Quando
essa cabeça pega no sono a matéria não sai.
3. Proatividade
Degolar essa cabeça por achar que o beneficiado é sempre o próximo é a pior
bobagem. Ser proativo, cheio de iniciativas e de bondade – com foco nos
resultados e no bem-estar das pessoas – é a chave para aquela promoção. Ou
demissão. O incrível é que ser demitido por um chefe incompetente e invejoso
abre as portas para que você encontre seu espaço legítimo. É um favor que você
recebe da vida, pois talvez não tenha coragem para pedir demissão.
Dignidade não tem preço
4. Sensibilidade
Quando a sensibilidade fica com dor-de-cabeça é o fim. Pausa para férias. Sem
sensibilidade, você fica com a percepção alterada. O texto fica péssimo, sem
criatividade e sem nexo. Você não vai saber quando e com quem ser proativo. Vai
deixar de fazer a pergunta mais importante. Talvez até publique uma barrigada
sem apurar os dados – por falta de atenção. Não vai perceber as alfinetadas ou
que está sendo capacho do colega, ou que você mesmo está agindo com grosseria ou
arrogância. Sensibilidade é questão de sobrevivência.
5. Tecnologia
Conteúdo não é nada se ninguém tiver acesso. A tecnologia permite que os
conteúdos cheguem às pessoas. O jornalista contemporâneo domina todas as novas
tecnologias à medida que vão surgindo, e as aplica para facilitar a produção do
seu trabalho.
6. Empreendedorismo
Pois é. Hoje, o jornalista sem espírito empreendedor, ou coragem para
empreender, perde muito. O patronato não tem espaço para empregar todo mundo. E
ainda existe a relação entre os empreendedores de grande porte com os
empreendedores micro – uma empresa composta de eu e minhas sete cabeças. O
jornalista empreendedor não tem rabo preso. E precisa aprender marketing e
publicidade – para aplicar em si mesmo. É uma aventura que pode valer a pena
para os que têm coragem.
7. Humanidade
Se ela tiver um AVC, você pode esquecer que seu compromisso profissional é
com o público, e não com o seu chefe. A sétima cabeça é a primeira que nasceu.
Do tempo em que não existia tecnologia nem multifunções. É aquela que mostra que
você não é super-homem, nem advogado, policial ou juiz. Ela é a ética, o
caráter. É a verdade e o respeito acima de tudo. É o que dá coragem de abandonar
o emprego que paga mal e demitir o chefe sem escrúpulos. É a sua dignidade – que
não tem preço. Ou tem?
É por esse trabalho todo que o jornalista é um bicho de sete cabeças.
E os dez chifres? Tomara que você tenha nenhum.
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Jornalista, São Paulo, SP