Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

O ensino de assessoria em xeque

Integrada e incorporada às principais diretrizes organizacionais, a comunicação é considerada hoje, inclusive no campo educacional, ferramenta estratégica imprescindível. Neste novo cenário, o enfoque delineado é devidamente amparado nas inovações tecnológicas, na administração integrada e participativa. Envolve ferramentas que vão dos tradicionais house organs ao relacionamento intenso com a mídia. Passam também pela realização de treinamento de fontes, criação e implantação de programas de comunicação interna e incentivo às múltiplas possibilidades da internet, gerando, por exemplo, interessantes portais corporativos.

Mas uma pergunta permanece no ar: ao avançarmos na conquista de novos espaços, contando com tanta tecnologia disponível, estamos formando uma mão-de-obra não só bem qualificada tecnicamente, mas com postura crítica perante sua mediação e produção?

Partindo desta premissa, professores e profissionais reuniram-se durante o 15º Encontro Nacional de Jornalistas em Assessoria de Comunicação (Enjac), em setembro, no Hotel Glória, no Rio de Janeiro, no grupo de trabalho sobre Ensino em Assessoria de Comunicação nas Universidades Brasileiras. Além de um dos mais concorridos do evento (cerca de 50 participantes), foi bem produtivo em suas atividades, apresentando como uma das propostas principais ao fim do evento a realização de um diagnóstico nacional nas escolas de Comunicação que tenham curso de Jornalismo para saber:

1) Quantas delas têm a disciplina Assessoria de Comunicação ou similar;

2) Em que condições a disciplina é oferecida (obrigatória, optativa, eletiva etc.);

3) Quem são e como atuam os professores que ensinam a disciplina;

4) Como as ementas e os conteúdos programáticos são desenvolvidos.

Já havia apontado um quadro preocupante pesquisa realizada no decorrer do primeiro semestre de 1997, intitulada ‘A realidade do ensino de assessoria de imprensa nos cursos de Comunicação no RJ’, sob minha coordenação, num universo que variou entre 5% e 10% dos cerca de 11 mil alunos (número estimado na época pela Associação Brasileira de Escolas de Comunicação) das então 17 (hoje, temos pelos menos o dobro) universidades e faculdades de Comunicação do Rio. O segmento de comunicação empresarial concentrava naquele ano o segundo grande bloco de absorção de profissionais atuantes no jornalismo, servindo de porta de entrada para os recém-formados (segundo dados estimados do Ministério do Trabalho e da Fenaj, em setembro de 2004, esses números se equipararam em todo o país: existiam 40 mil profissionais atuantes, sendo 20 mil em assessorias, universidades e free lancers e a outra metade em redações de rádio, TV, revistas, jornais e internet). As escolas, ao contrário, em sua maioria, não ofereciam disciplinas voltadas para o segmento em seus currículos.

Recorte revelador

De forma estruturada, apenas duas se apresentavam próximas do ideal para o desenvolvimento inter-relacionado, mesclando formação técnica com humanística, com a presença de professores qualificados academicamente e com vivências técnico-profissionais adequadas. As conclusões da pesquisa foram respaldadas por questionários distribuídos aos alunos, análises comparativas de conteúdos programáticos e pela metodologia de entrevistas com professores ou profissionais que lecionavam as respectivas disciplinas, levando-se em conta aspectos como atualização acadêmica (participação em cursos, congressos, seminários etc.) e profissional, além do desenvolvimento e aprimoramento de estudos sistematizados (especialização, mestrado ou doutorado, pesquisas, publicações científicas etc).

A pesquisa abordou também as estruturas de laboratório e atendimento administrativo. O índice de insatisfação entre os alunos era altíssimo. Reclamavam do desenvolvimento dos conteúdos e se sentiam incapazes em relação ao preparo teórico e prático e sem perspectivas sobre o futuro profissional. Isto naquelas que ofereciam as disciplinas. Imaginem nas que ainda não haviam incluído em seus currículos ou não ofertavam regularmente.

Este recorte revelador, realizado há oito anos no Rio, pouco se alterou. Os depoimentos dos participantes de diversos estados no GT dão uma boa dimensão do que acontece hoje não só no Rio, mas em todo o país. O jornalista Paulo Vieira Lima (responsável pela presidência da mesa), de São Paulo, disse que os profissionais reunidos recentemente naquele estado no Enjac regional ficaram preocupados com os relatos dos professores. Destacou que a ECA-USP não tem em sua grade curricular obrigatória até hoje a disciplina Assessoria de Comunicação. Lançou um desafio aos presentes: como fazer para que o ensino de Assessoria de Comunicação seja uma realidade efetiva nos cursos universitários?

Cursos não-regulamentados

Integrantes da delegação de Alagoas afirmaram que são quatro os cursos de Comunicação existentes naquele estado e que apenas dois oferecem a disciplina. Na Universidade Federal, a disciplina é eletiva. Eles se mostraram preocupados com o fato de, segundo estudos locais, 60% dos jornalistas no mercado de trabalho atuarem em assessorias sem que as faculdades tenham preocupação em prover formação mais específica. No caso do Maranhão, das escolas de Comunicação existentes, apenas uma oferece a disciplina. Na Bahia, a falta de infra-estrutura limita seu desenvolvimento na UFBA. Também é muito grande o preconceito entre os alunos.

Segundo o relatório do GT, no Rio Grande do Sul, mesmo com toda a tradição de estudos nesta área, a situação não é muito diferente: apenas a Unisinos mantém, há mais de 10 anos, a disciplina em sua grade. Professores disseram que há sempre surpresas por parte dos alunos, geralmente do primeiro período, quando se fala da possibilidade do exercício do jornalismo em assessoria de comunicação. Sobre Minas Gerais, o relatório destaca que apesar de a UFMG não prever a disciplina em sua grade curricular, a Universidade Federal de Juiz de Fora tem procurado atender à demanda, por sinal crescente na região, com três disciplinas: uma obrigatória, Gestão em Comunicação, e duas eletivas: Empreendimentos em Comunicação e Técnicas de Comunicação Institucional. Esta mesma instituição prevê para o início do ano que vem a primeira turma de um curso de especialização em Comunicação Empresarial.

Os cursos de Assessoria com cargas horárias reduzidas, oferecidos indiscriminadamente em instituições muitas vezes não educacionais, permearam parte das preocupações do debate no GT. Principalmente aqueles abertos a outras áreas sem exigência de formação mínima, não-regulamentados ou não-respaldados por organizações sérias. Nestes casos, foi unanimidade a decisão de que a denúncia ao ministério ou às entidades representativas é o melhor procedimento.

Propostas

Sobre as propostas finalizadas pelo grupo, e aprovadas na plenária final do encontro, além do diagnóstico, ficaram assim estabelecidas:

1) Criação de uma Comissão, ligada ao Departamento de Educação da Fenaj com apoio do Fórum Nacional de Professores de Jornalismo (FNPJ) para preparar e viabilizar a elaboração de diagnóstico nacional;

2) Fortalecimento das comissões de qualidade de ensino nos sindicatos de jornalistas dos estados e incentivo à criação naqueles em que ainda não existam. A participação de diretores e coordenadores dos cursos de Jornalismo é fundamental. E que por meio delas os sindicatos procurem estabelecer um relacionamento mais intenso com as escolas de Jornalismo, realizando debates, cursos, seminários etc.;

3) Estímulo a manifestação da Fenaj aos cursos de Jornalismo, reiterando a posição de que a disciplina Assessoria de Comunicação não deve ser optativa, e sim obrigatória nos currículos;

4) Sugestão aos cursos de Jornalismo para que agreguem à ementa da disciplina de Assessoria de Comunicação novas ferramentas e elementos que tenham interação com a prática do mercado. E que nos projetos pedagógicos seja criada uma área de atuação voltada para Assessoria de Comunicação.

5) Encaminhamento ao FNPJ de solicitação para abertura de discussão de uma área temática para o ensino de Assessoria de Comunicação;

6) Recomendação aos cursos de Jornalismo para que promovam no menor espaço de tempo possível cursos de especialização em Assessoria de Comunicação.

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Jornalista, escritor e professor da UFJF, mestre em Comunicação pela Umesp, doutor em Comunicação pela UFRJ e conselheiro do FNPJ