Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O enterro da credibilidade da mídia

A semana passada terminou nefasta para a mídia. Uma sucessão de fatos colaborou para colocar, talvez, o último prego no caixão da credibilidade dos meios de comunicação. E esse fato é trágico para qualquer sociedade que pretenda civilizar-se, pois uma mídia crível é instrumento de balizamento do debate político, ideológico e institucional de qualquer sociedade moderna. Contudo, se o Brasil está perdendo esse instrumento tão imprescindível, a culpa é do preconceito, da arrogância e da ganância de um grupo social que mantém o Brasil como o campeão mundial da desigualdade em países em nosso estágio de desenvolvimento. Refiro-me a uma elite diminuta, cruel, egoísta e hegemônica nos meios de comunicação, que vive perguntando a quem pessoas como eu se referem quando usam o termo ‘elite’.

Os fatos que desmoralizaram a mídia de forma contundente na semana que passou são os seguintes:

1. Ficou provado que houve tentativa da oposição de lucrar com a tragédia que foi o desastre do dia 17 de julho com o avião da TAM. As acusações da mídia ao governo Lula que começaram a ser feitas minutos após o desastre, no sentido de que esse governo teria assassinado as vítimas por não ter mandado pôr grooving na pista do aeroporto de Congonhas, caíram por terra quando se descobriu que a tragédia deveu-se a defeito do avião ou a falha dos pilotos. E para aumentar a desmoralização midiática, contribuiu o fato de que jornais, telejornais, rádios, editoriais, colunistas, cartas de leitores e um punhado de manifestantes de classe média alta continuaram insistindo na tese de que Lula havia matado 199 pessoas mesmo a despeito de os fatos estarem mostrando que aquilo não era verdade.

2. As vaias que o presidente Lula recebeu na cerimônia de abertura dos Jogos Pan-Americanos no Maracanã foram apresentadas como indícios de que sua popularidade estaria se esvaindo de forma generalizada na sociedade brasileira. Nem as ponderações de pessoas como eu, de que o público que pagou por ingressos que iam de R$ 100 a R$ 250 era um público de classe média alta que de forma alguma representava o conjunto da sociedade, sensibilizaram a mídia. E muito menos os fortes indícios de que aquelas vaias haviam sido orquestradas pelo prefeito pefelista Cesar Maia fizeram a mídia refletir que tentar faturar politicamente aquele caso seria um tiro no pé.

3. O gesto de indignação do assessor especial da Presidência da República para assuntos internacionais, Marco Aurélio Garcia, o tal ‘top top top’, feito por ele dentro do Palácio do Planalto quando a Globo noticiou os primeiros indícios de que eram no mínimo imprecisas as acusações de que Lula havia assassinado 199 pessoas por não ter mandado colocar grooving na pista de Congonhas, pois o reversor de uma das turbinas do Airbus A320 da TAM estava inoperante, se contrapôs ao escândalo do vídeo do You Tube que está se disseminando pela internet, no qual o diretor da Globo Boninho, alguém responsável por decidir o que milhões de brasileiros assistirão, confessa que ‘a-do-ra’ atirar ovos podres em ‘vagabundas’ em São Paulo.

Essa contraposição tornou-se mais escandalosa diante da constatação de que o moralismo da Globo de reproduzir incessantemente o ‘gesto obsceno’ de Garcia nos telejornais da emissora não funciona quando a obscenidade é praticada por alguém ‘da casa’. Aliás, quem quiser assistir o vídeo poderá fazê-lo aqui

Até 2010

4. A greve dos controladores de vôo infernizou os aeroportos brasileiros e a classe média e foi tratada pela mídia como resultado de incompetência do governo Lula, mas a greve dos metroviários de São Paulo foi tratada por essa mesma mídia de forma a culpar a oposição petista ao governador de São Paulo, José Serra, responsável pelo metrô paulistano.

No domingo (5/8), a Folha de S.Paulo noticiou em sua primeira página pesquisa Datafolha que revelou o que pesquisa do instituto Vox Populi, publicada muitos dias antes pela revista CartaCapital, já havia mostrado que a crise aérea e acidente com o avião da TAM não afetaram a aprovação de Lula.

Além do fato de só os cegos não perceberem que a cada novo ataque da mídia a Lula sobrevém uma pesquisa para verificar se o objetivo do ataque foi alcançado, a má-fé do texto sob a manchete supramencionada mostra que a mídia continua não entendendo que atuar como sua congênere venezuelana faz em relação a Hugo Chávez produzirá por aqui a mesma situação de divisão da sociedade que há na Venezuela. O texto sob a manchete da Folha diz o seguinte:

‘O maior acidente aéreo do país e a crise na aviação que se estende há mais de dez meses não afetaram a popularidade do presidente Lula. Pesquisa do Datafolha feita duas semanas após o desastre com o Airbus da TAM, que matou 199 pessoas, mostra que 48% dos brasileiros consideram que o governo Lula continua ótimo ou bom’

Ou seja: para a Folha – e para o resto da grande imprensa –, apesar de Lula ter assassinado 199 pessoas os tarados que compõem a maioria dos brasileiros não se sensibilizaram e não passaram a desaprovar o presidente e seu governo. A mídia continua derramando essa versão sobre o país independentemente de todos os fatos virem mostrando que ela é mentirosa. A mídia considera que este é um país de idiotas, retardados, incapazes de somar dois mais dois. Vejam só que, em relação ao desastre com o avião da Gol no ano passado, os meios de comunicação, os colunistas, os editorialistas, enfim, os temíveis formadores de opinião continuam afirmando, sem ruborizar, que Lula também matou as 154 vítimas daquela tragédia. Isso apesar de ser público e notório que os americanos que pilotavam o jatinho que se chocou com o Boeing da Gol haviam desligado equipamento vital para segurança da aeronave, o transponder, que, se ligado, teria evitado o desastre.

Já escrevi isso dezenas de vezes: a elite brasileira, tão bem retratada nas passeatas dos ‘cansados’ e no vídeo do You Tube mencionado neste artigo, valendo-se do controle que exerce sobre a mídia, está venezuelizando o país. Já começamos a ter as passeatas de dondocas e dondocos ‘cansados’ exatamente como aconteceu na Venezuela até que a maioria real do país, os que sofrem com a desigualdade, decidiu sair às ruas para um confronto do qual correu sangue inocente. E tudo à toa, porque a elite venezuelana não conseguiu seu intento (depor Hugo Chávez).

Por tudo que relatei, imploro à imprensa e à elite que aceite a decisão do povo brasileiro e espere até 2010 para tentar voltar ao poder. Do contrário, o gesto ‘obsceno’ de Marco Aurélio Garcia, o ‘top top top’, valerá para todos nós.

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Comerciante, São Paulo, SP; http://edu.guim.blog.uol.com.br