Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O Estado de S. Paulo

VENEZUELA
O Estado de S. Paulo

Chávez suspende lei sobre serviços de inteligência

‘O presidente venezuelano, Hugo Chávez, decidiu suspender a lei que regulava os serviços de inteligência e contra-inteligência, aprovada pelo seu governo no fim de maio, para corrigir ‘alguns erros’. A lei havia deflagrado um forte debate entre o governo e a oposição, que afirma que as medidas violam os direitos humanos ao não garantir um processo justo e incitar a delação anônima. ‘Se acredito que existam erros na lei, não me custa reconhecê-los’, justificou Chávez.’

 

CONTEÚDO NACIONAL
Michelly Teixeira e Renato Cruz

Projeto de cotas em TV paga provoca polêmica

‘É difícil encontrar quem goste do sistema de cotas para o conteúdo nacional contido na proposta que abre o mercado de TV a cabo para as concessionárias de telefonia local, o chamado projeto de lei 29, em discussão na Câmara. ‘Nunca vai haver consenso entre as empresas’, afirmou ontem o deputado Jorge Bittar (PT-RJ), relator do projeto, que participou ontem do evento Painel Telebrasil. ‘Meu compromisso é com a população.’

Segundo ele, a posição contrária às cotas reflete a posição de um grupo dominante. ‘Que se chama Organizações Globo’, completou. O deputado disse que espera votar o projeto na próxima semana. ‘Eu sempre espero, toda semana.’ Na semana passada, a votação foi adiada a pedido do governo. Presente ao evento, o diretor da Central Globo de Engenharia, Fernando Bittencourt, preferiu não comentar o projeto: ‘O que eu posso dizer é que é uma ilusão pensar que o aumento da capilaridade vai ampliar a oferta de conteúdo’.

O Grupo Bandeirantes também não está satisfeito com as cotas, mas pelo motivo contrário. ‘O projeto propõe uma mudança para daqui a quatro anos, o que pode consolidar uma situação nefasta’, disse ontem Walter Vieira Ceneviva, vice-presidente-executivo do Grupo Bandeirantes, durante o Painel Telebrasil, na Bahia. Ele considera a proposta muito tímida quando ela oferece um período de quatro anos para que as companhias de TV paga distribuam pelo menos três canais nacionais que não sejam produzidos por empresas do mesmo grupo.

‘Nós sozinhos temos três canais’, exemplificou Ceneviva. ‘A Abril também tem três canais.’ Para ele, um bom projeto exigiria que as empresas de TV paga se adequassem imediatamente às cotas, e imporia um limite de 50% aos canais nacionais produzidos por empresas do mesmo grupo. ‘O projeto precisa reafirmar o acesso às redes e ser punitivo com o porteiro de boate’, disse o executivo, referindo-se à posição da Globo, que tem participação na Net e na Sky, as duas maiores empresas de TV paga do País. Bittar admitiu reduzir o prazo de transição ou aumentar a participação de produtores independentes, mas não retirar as cotas.

As operadoras de telecomunicações acham que o melhor seria tirar a discussão de conteúdo do projeto. ‘Isso só resolveria o problema das teles’, afirmou Ceneviva. ‘Seria como se o Congresso Nacional trabalhasse pelos interesses do México e da Espanha.’ A mexicana Telmex está no controle da Net e a espanhola Telefónica no da TVA. A lei atual, que o projeto quer modificar, impõe um limite de 49% ao capital estrangeiro nas empresas de TV a cabo. Ela também impede que as concessionárias locais façam parte do controle de empresas de cabo na sua área.

O consultor jurídico do Ministério das Comunicações, Marcelo Bechara, teme que o projeto emperre pela falta de consenso entre as partes envolvidas. ‘O meu grande receio é que não tenha mais projeto nenhum.’ Ele acredita que, para acelerar sua aprovação, a proposta poderia ser fatiada, separando as discussões sobre distribuição e sobre conteúdo.

‘Não há possibilidade de fatiar o projeto’, afirmou Bittar. ‘Isso seria o resultado de um acerto entre as teles e o radiodifusor dominante. Eu me posiciono contra. Assim como eles podem bloquear o projeto, nós também podemos bloquear. Eu e os parlamentares que pensam igual a mim.’ Para ele, fatiar o projeto é um eufemismo para jogar a regras do conteúdo ‘para debaixo do tapete’. Um executivo de telecomunicações, que defendeu a aprovação do projeto como está, disse que o pior seria que a discussão continuasse a se arrastar. Segundo ele, ‘é melhor um fim horroroso do que um horror sem fim’.

O senador Antônio Carlos Magalhães Júnior (DEM-BA) indicou que há uma tendência de o Senado modificar o projeto, se ele for aprovado na Câmara como está. ‘Acabou entrando no projeto o conteúdo, e uma discussão que merece ser feita é se o conteúdo deve ficar com outro diploma legal’, disse Magalhães Júnior. ‘Corremos o risco de afastar empresas internacionais capitalizadas, que podiam investir na produção de audiovisual brasileiro.’’

 

GOVERNO & COMUNICAÇÃO
Ethevaldo Siqueira

FHC relembra Sérgio Motta e faz revelações

‘‘Sérgio Motta era uma figura única, por sua inteligência, capacidade de trabalho, amor ao Brasil e idealismo. Ele pertencia a uma geração 10 anos mais nova do que a minha. Não convivemos nos tempos de universidade. Só o conheci depois que retornei do exílio. Em sua empresa, acolheu dezenas de perseguidos políticos. Apoiou a imprensa nanica, de resistência à ditadura, primeiro no jornal Opinião e, depois, no Movimento. Nomeei-o ministro das Comunicações sem consultá-lo. E o seu trabalho foi o que todos conhecemos.’

Esse é o retrato sintético que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso faz de Sérgio Motta, seu ministro das Comunicações, falecido há 10 anos. Na terça-feira passada, num evento em homenagem ao ministro – o Fórum sobre o Futuro das (Tele)Comunicações -, FHC acabou dando um depoimento que explica fatos até aqui pouco compreendidos.

REVELAÇÃO

No evento, o ex-presidente esclareceu alguns dos pontos mais intrigantes de seu governo, quanto à política de comunicações, em especial em seu segundo mandato. No meio do debate, perguntei-lhe:

‘Por que seu governo não deu continuidade ao projeto de reestruturação geral das comunicações, sonhado e iniciado pelo ex-ministro Sérgio Motta, que previa a elaboração de uma lei abrangente – a Lei Geral de Comunicação – como um grande guarda-chuva, incorporando a nova Lei Geral de Telecomunicações (LGT), cobrindo as áreas de radiodifusão, correios, telecomunicações e comunicação eletrônica de massa, com uma única agência reguladora para todos esses segmentos? E mais: por que entregou o Ministério das Comunicações a Pimenta da Veiga, inimigo pessoal de Sérgio Motta e uma voz discordante em todo o processo de modernização das comunicações brasileiras?’

Fernando Henrique não fugiu à questão. Em sua visão, qualquer governo só consegue fazer reformas profundas, em momentos particularmente favoráveis, quando conta com apoio político e parlamentar excepcionais: ‘No primeiro mandato, assumi com a força política que me dava o Plano Real, o que me permitiu fazer a maioria das reformas constitucionais, visando à modernização do Estado, à privatização de vários setores, como o de telecomunicações’.

Após o falecimento de dois líderes de seu governo – Sérgio Motta em 19 de abril de 1998 e, dois dias depois, Luiz Eduardo Magalhães -, a força política de FHC foi duramente atingida. Mesmo reeleito para um segundo mandato, o presidente não conseguiu mais reconquistar a base parlamentar e a força política que lhe permitiriam levar adiante as grandes reformas de que o País necessitava.

‘Em 1999 – recorda o ex-presidente -, tivemos de enfrentar a crise cambial de 1999. Com muito esforço, conseguimos aprovar no ano 2000 a Lei de Responsabilidade Fiscal, de cuja importância ninguém duvida.’

E AS REFORMAS?

Quanto às Comunicações, tema central do fórum, no entanto, a grande questão ficou sem resposta: como viabilizar a aprovação de uma legislação avançada para o setor, num país que não consegue modernizar sua economia? A experiência mostra que, depois de 8 anos de governo Fernando Henrique e 6 anos e meio de Luiz Inácio Lula da Silva, o Brasil não conseguiu realizar praticamente nenhuma das reformas essenciais exigidas pelo País. E dificilmente o conseguirá até 20.

Pior ainda: nem a popularidade recorde de Lula desperta-lhe a vontade de mudar para melhor o quadro estrutural e institucional brasileiro. O poder de transformação das novas tecnologias fica reduzido a quase nada num país caracterizado por um dos piores sistemas educacionais do planeta, assistência médica de quinto mundo, previdência social quase falida, estradas em deterioração, infra-estrutura aeroportuária defasada, sistema elétrico precário e vulnerável, estrutura burocrática estatal ineficiente e irracional, carga tributária insuportável, Legislativo desmoralizado por freqüentes escândalos, Justiça lenta e ultraformalista, que protege mais o criminoso do que a sociedade e, last but not least, a corrupção sempre impune.

Como falar seriamente em inclusão digital, banda larga e informatização das escolas num país com infra-estrutura tão obsoleta? Como pensar em maiores avanços na legislação das comunicações, além do confuso e retrógrado projeto de lei da TV por Assinatura (PL 29)? Como falar em revolução digital se o governo do PT não dispõe nem de quadros nem sabe para onde ir nessa área?

Nesse cenário, todas as propostas têm sido encaminhadas da forma mais atabalhoada possível, como no caso da TV digital, inaugurada sem receptores adequados, sem mobilidade e sem interatividade. O Plano Geral de Outorgas só está sendo atualizado em razão de interesses pontuais de duas empresas e das relações políticas com o governo. Em lugar de políticas públicas sérias e avançadas, só ouvimos discursos populistas.

Na verdade, o que o evento de terça-feira mostrou, acima de tudo, foi um país sem projeto para o futuro, onde quase tudo se faz de improviso, ao sabor de interesses do momento e das forças mais retrógradas.’

 

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O Estado de S. Paulo – 1

O Estado de S. Paulo – 2

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