No artigo intitulado ‘O
jornalismo no imaginário popular‘, publicado neste Observatório,
foram descritos os rótulos destinados aos jornalistas. Velhas imagens que
envolvem televisão, câmeras, salas fumacentas, intelectualidade, falta de
rotina, a eterna busca pela verdade, os riscos e a recompensa em forma de
prêmios. Não exatamente mitos, mas elementos que certamente nem todos alcançam,
seja por acaso do destino ou por uma discrepância de épocas históricas.
A televisão, William Bonner e prêmios acontecem com poucos. Poucos e
predestinados. Além do fato de a televisão não ser o único caminho, uma carreira
no jornalismo global – por assim dizer – exige mais que dedicação. Também se
pede um rostinho bonito. Talvez não bonito, mas a realidade é que existe um
padrão Globo de produção para isso também. De modo que, não vai adiantar os
homens fazerem mechas brancas em seu cabelo. Tem que ter ‘borogodó’.
A rotina, do qual os outros profissionais de qualquer área reclamam, no caso
do jornalista ou do pretenso foca, envolverá telefone, email e releases. O risco
de vida ainda existe, mas ao invés da ditadura – ou ‘ditabranda’, segundo a
Folha – será pelo crime organizado, milícias ou por prefeituras de
cidades do interior, ou ainda em países de guerra. Talvez para os focas, a idéia
de morrer em uma favela não faça jus ao imaginário glamouroso daqueles que
morreram nos porões na época do AI-5.
Trabalho duro e mandiinga
Nessa mesma época histórica ficaram as salas fumacentas e os ‘intelectuais de
esquerda’ – sim, uma coisa estava associada à outra de forma indissociável.
Agora, uma parte da antiga esquerda está no poder, fazendo com que a aura
intelectual se desfizesse e mostrasse apenas pessoas comuns, geralmente
birrentas e com síndrome de ‘donos da verdade’. E as salas impregnadas de fumaça
foram substituídas em nome dos hábitos saudáveis de nossa era, onde a nicotina
deixou o glamour para ser veneno.
A eterna busca pela verdade, ou imparcialidade, descobre-se um mito. Podem-se
ouvir os dois lados ou descobrir todas as facetas, mas a cobertura sempre será
tendenciosa. O velho mito norte-americano vira pó quando se está editando uma
matéria e escrevendo um texto. Cada escolha de palavra e cada vírgula pode ser
usada de forma a atribuir sentidos diferentes… ou seja, puxar sardinha mesmo.
Não é preciso estar no mercado para descobrir isso, basta a primeira aula na
faculdade.
A verdade é cruel, mas ela tem que ser dita. Jornalistas têm uma vida
difícil, não necessariamente emocionante, não obrigatoriamente bem remunerada.
Este último quesito dependerá de sorte, trabalho duro e muita mandinga, pois uma
boa parte dos que tentam fica no meio do caminho.
Muito chão pela frente
O começo de carreira pode ser bem conhecido; aliás, uma boa parte dos
universitários sabe como é: trabalhando em algum lugar a preço de banana, sendo
chamado estagiário, ou ‘escraviário’, como queiram, geralmente fazendo o
trabalho duro, talvez executando a função de seu chefe, mas com custo muito
menor. Talvez essa seja a única coisa que não tenha mudado com o passar dos
anos. Estagiário é estagiário em qualquer lugar do mundo.
No fundo, tudo o que o jornalista tem, e muito do que precisa, é o seu ego. A
profissão exige muito, quase dedicação integral. Estudo constante. Exige faro,
feeling. Sangue frio também. O mundo não é bonito, as pessoas não são
gentis, a realidade não é cor-de-rosa. Talvez possa ser, quando alcançar um
patamar de jornalista de turismo, ou de cobertura mais leve, mas até lá há muito
chão pela frente, e uma trajetória que deixa marcas.
E aí, crianças? Ainda sonham com seu lugar na Globo?
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Jornalista, São José do Barreiro, SP