O olhar é essencial para captar as diferentes nuances de um fato, para apresentar diversas interpretações ao leitor. Na cobertura de guerras isso acaba esquecido: o olhar… O único parâmetro que se tem é o olhar das agências internacionais de notícias, já que a imprensa brasileira acha caro ou desnecessário fazer uma cobertura própria no front.
Ricardo Kotscho há muito tempo já refletia sobre a importância de um jornalismo com cobertura de campo, com personagens, pitoresco. Uma cobertura assim não cabe somente para fatos pitorescos. É um desafio fazer uma cobertura pitoresca sobre um grande fato, como uma guerra.
Quando estourou a Guerra do Iraque, um ano atrás, a imprensa do Brasil não se preocupou em estar no centro dos acontecimentos. Somente a dupla Sérgio Dávila e Juca Varella, repórter e repórter-fotográfico da Folha de S.Paulo, permaneceu em Bagdá. Outros veículos de imprensa cobriram de países próximos ao Iraque e outros ficaram com os informes das agências.
Sem tradução
Ao observar a cobertura da dupla, fica clara a diferença de olhar que os brasileiros deram à guerra, com a presença de personagens, com a narrativa no estilo diário de bordo, contando o que ocorria com os repórteres, tudo isso fez a diferença.
As imagens que chegaram ao público pelas agências sobre a reação dos iraquianos ao ataque eram confusas. Iraquianos felizes derrubando a estátua de Saddam e imagens de rebeldes contrários ao ataque, voltando-se contra o exército de ocupação. Sérgio Dávila, em palestra sobre sua experiência, conta que a ‘reação da maioria da população foi se esconder em casa’, e que as imagens das agências foram tendenciosas ao mostrar pessoas festejando. ‘Aquilo foi exceção.’
Este é só um exemplo do que deixa de ser mostrado quando não há uma preocupação em fazer uma cobertura séria dos conflitos internacionais. Atualmente, ocorre o mesmo com a cobertura do Haiti. No início deste ano, o Haiti viveu uma crise social e um golpe de Estado com apoio dos Estados Unidos. País mais miserável da América, tem uma história política conturbada, que não resolve seus problemas sociais. O que a imprensa brasileira noticiou?
Muitos se pautaram pelas agências. Certamente, o olhar das agências americanas sobre o Haiti não é desprovido das influências do governo Bush. Os jornais brasileiros contaram brevemente o que ocorreu no dia do golpe, e depois só noticiaram o envio das tropas brasileiras ‘em missão de paz’. A Globo fez cobertura romantizada da partida dos soldados, no dia 12 de maio, os homens se despedindo de mulheres e filhos. Onde está a cobertura do fato, o olhar brasileiro? O que aconteceu lá, no Haiti? Ninguém sabe, ninguém foi lá ver.
Resta saber quando o Brasil pretende lançar seu olhar sobre o mundo para captar os conflitos sem traduções.
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Estudante de Jornalismo da Unesp de Bauru; texto produzido durante o 3º Curso sobre Jornalismo em Conflito Armado Internacional, promovido pela Oboré e pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha