Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O homem mais célebre do planeta

Bastaram 24 horas para Jérôme Kerviel se transformar no homem mais célebre do planeta.O mundo inteiro reproduz seu nome. Na internet, ele circula de Vladivostok a Valparaíso. O Google registra 1 milhão de entradas para Jérôme Kerviel.


Camisetas com o nome Jérôme, às vezes com a sua efígie, douram-se ao sol de Miami e Malibu. Rapazes seduzem moças com lenços Kerviel, esse operador solitário que causou um prejuízo de € 5 bilhões a seu banco, o Société Générale. Ninguém duvide que no sertão brasileiro os cantadores de cordel estejam compondo ‘romances de Jérôme’.


Essa ascensão em glória faz o regalo dos jornalistas, o prazer dos caricaturistas e a festa dos estudiosos. Ela é descrita por sociólogos e filósofos impacientes para provar que vivemos numa ‘realidade virtual’, num mundo paralelo, a um tempo inexistente e aterrorizador.


Em compensação, a rocambolesca celebridade de Jérôme não faz rir os ministros franceses ou os financistas da zona do euro. Esses € 5 bilhões aniquilados, soprados como se sopra a chama de uma vela, corroem o coração de nossas certezas financeiras e acenam com um abismo para o qual tememos obscuramente ser engolidos como os buracos negros abocanham galáxias no cosmo.


Errâncias e delírios


Os dirigentes estão agitados e pasmos. ‘Essa, agora!’ é o seu comentário. O próprio presidente francês, Nicolas Sarkozy, a quem não falta audácia, está carrancudo. Em Londres, com seus colegas ricos da zona do euro, reunidos para estudar as ameaças de recessão mundial, mudou, de um golpe, o discurso, descobrindo subitamente que o capitalismo às vezes tem pequenos inconvenientes.


Mais uma ‘perda colateral’ de Jérôme Kerviel! Até agora, Sarkozy era o primeiro francês com a coragem de virar as costas ao ‘intervencionismo’ socialista para se unir, se não a Thatcher e a Reagan, ao menos a esses ‘liberais razoáveis’ que são Tony Blair, Angela Merkel ou Gordon Brown.


Em Paris, o antigo baluarte da livre empresa clamou: ‘É preciso sair de um capitalismo sem transparência no qual a inovação nos sistemas bancários deu mais poder aos especuladores que aos empresários… Todo o mundo se inclina diante dos salões do mercado…’ Sarkozy terá se convertido ao estatismo, ao intervencionismo e se ligado às tropas do socialismo marxista que vituperam o mercado?


Não, não chegou a tanto. Por outro lado, os nostálgicos da economia dirigida tiram proveito. Quatro dias depois dos fatos, eram incontáveis os artigos assinados por plumas que se acreditava embalsamadas brandindo os € 5bilhões desaparecidos como um estandarte para exigir a volta da boa e velha ‘economia dirigida’.


Outro alvo é bombardeado pela esquerda: a globalização, culpada de permitir as errâncias e os delírios do ‘operador louco’ e o ‘nomadismo’ das crises financeiras. É um exagero. Mas não será uma boa hora para se perguntar sobre os controles, as proteções e as regras que devem ser mantidos em bom estado, mesmo no liberalismo?

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Correspondente do Estado de S.Paulo em Paris