Que a formação dos jornalistas não vai bem não é novidade para ninguém. Não precisa ser do campo da comunicação para perceber que muitas vezes falta profundidade nas matérias, contextualização dos fatos e cuidado na apuração, deficiências graves na boa prática do jornalismo. Em razão deste quadro, o MEC instituiu em fevereiro de 2009 uma Comissão de Especialistas para rever as diretrizes curriculares do curso de jornalismo (ver ‘MEC inicia reformulação das diretrizes curriculares‘).
Esta reforma pode ser o início de um importante passo para a mudança no perfil dos jornalistas. Até agora, a discussão tem se concentrado na oposição entre o atual modelo de integralidade do curso de Comunicação Social e a separação das habilitações como cursos autônomos.
O professor Luiz Gonzaga Motta, membro da Comissão de Especialistas formada pelo MEC, professor associado da Universidade de Brasília e coordenador do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) desta universidade, é partidário da segunda posição. Na opinião do acadêmico, o jornalismo ‘é uma prática profissional de tradição muito consolidada, com séculos de exercício prático’ e ‘não deve permanecer submetido a um curso de comunicação’. O Observatório do Direito à Comunicação conversou com o experiente professor sobre os trabalhos da Comissão e sobre os requisitos necessários a uma formação de qualidade para os jornalistas.
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Como foi formada a Comissão de Especialistas? Você considera que nela estão representados todos os segmentos interessados no processo?
Luiz Gonzaga Motta – Os membros foram indicados ao presidente da Comissão, professor José Marques de Melo. Ele foi escolhido para esta função pelo MEC. Cada entidade indicou um nome. O presidente da Comissão, consultando o MEC, nomeou os membros. Eles não representam, certamente, todos os segmentos. Mas, representam todas as entidades da área acadêmica, a mais interessada, a mais envolvida e a mais afetada por qualquer mudança nas diretrizes curriculares.
Na sua opinião, é necessário que o jornalismo torne-se um curso autônomo em relação ao de Comunicação Social?
L.G.M. – Sim, penso que o jornalismo deve transformar-se num curso autônomo, não permanecer como simples habilitação da comunicação social. Penso isso porque o jornalismo é uma prática profissional de tradição muito consolidada, com séculos de exercício prático. Ele não deve permanecer submetido a um curso de comunicação. Essa submissão nas últimas décadas resultou em cursos muito teóricos e muito críticos (num sentido negativista) sem relação com a profissão, sem uma inserção profissional necessária.
O que você acha que deve prevalecer na formação do jornalista nessa revisão das diretrizes curriculares do curso?
L.G.M. – Um vínculo mais efetivo com a profissão, uma atualização política para atender as demandas de uma sociedade democrática onde a sociedade civil tem demandas próprias e novas, uma formação mais adequada aos recursos técnicos recentes (um jornalista multimídia, por exemplo, que seja capaz não só de escrever e editar textos, mas também produzir imagens e editá-las).
Qual é a melhor forma de garantir uma formação em jornalismo comprometida com as questões sociais? Pensar um profissional que saiba avaliar criticamente o meio em que está atuando profissionalmente é uma preocupação da Comissão de Especialistas?
L.G.M. – O jornalista hoje deve estar bem preparado para o exercício técnico-profissional, mas também para situar-se e atender às demandas de uma sociedade democrática. Hoje, não são só as redações que demandam serviços profissionais do jornalismo, mas também os políticos, os partidos, as igrejas, os sindicatos, as organizações da sociedade civil. Toda a sociedade está se organizando para ganhar visibilidade e conquistar capital simbólico no Brasil de hoje. Esse profissional precisa saber atender à demanda de voz destes segmentos, cuja característica é muito diferente das redações dos grandes jornais e emissoras. Mesmos as redações da grande mídia têm hoje demandas diferenciadas devido ao aumento do monitoramento e das cobranças dos segmentos mobilizados da sociedade.
Quais serão os próximos passos da Comissão?
L.G.M. – As três audiências públicas já programadas. No Rio de Janeiro [sexta-feira, 20/3, na sede da representação do MEC, Rua da Imprensa, nº 16 – Castelo – Ed. Palácio Gustavo Capanema – Salão Portinari, 2º andar, das 9h às 12h30], no Recife e em São Paulo. Em cada uma, a prioridade será dada a um segmento interessado. No Rio, se manifestará a área acadêmica. Em Recife, o mercado e as corporações. Em São Paulo, a sociedade civil. Por fim, em junho, será realizada a reunião final da comissão em Brasília, para fechar suas sugestões ao MEC.
Concluído o relatório da Comissão, como a mudança será encaminhada?
L.G.M. – A comissão fará sugestões, ela não tem poder deliberativo. O MEC fará posteriormente um documento final que será enviado ao Conselho Nacional de Educação.