Que a vida acadêmica não é um mar de rosas, todos os que nela militam ou por ela já passaram sabem, pela própria experiência. Porém, por vezes, os fatos que acontecem em uma universidade de renome nacional e até internacional são por demais graves e não têm o devido amparo legal. No entanto, como essas instituições estão cingidas às suas próprias leis, está se tornando comum a indução de candidatos ao doutorado à desistência da última etapa para a obtenção do grau.
Longe, aqui, de criticar a autonomia do sacrossanto recinto universitário, meu intuito é o de questionar condutas autocráticas e preconceituosas numa instituição que deve primar pela democracia, o respeito às diferenças e a divulgação dos saberes. Gostaria de começar pelo item do respeito às diferenças. Isso deveria se referir a toda e qualquer atividade, pessoa e, fundamentalmente, idéia ou mesmo ideologia que ali precisam ter o seu local de debate, discussão, argumentação pró ou contra.
Não é o que está acontecendo numa faculdade da emérita USP, onde uma professora, num processo de doutoramento, está sendo insultada, infamada e praticamente enxotada do Programa de Pós-Graduação depois de já ter completado seus créditos com brilhantismo e estar devidamente qualificada. Pois, mesmo assim, não foi poupada de atitudes de ironia, críticas sem fundamento e menosprezo pelo seu projeto. Ficamos pasmas, ela e eu, que sou do ramo, pela insensatez das colocações de um jovem professor que foi colocado como orientador substituto.
Intercâmbios desestimulados
Talvez no afã de querer demonstrar suas capacidades como acadêmico noviço e pesquisador brilhante (?), o professor, desapiedadamente, tem procrastinado as reuniões com a doutoranda, se fazendo de desentendido, usando palavras cruéis e de deboche sobre o trabalho que lhe foi apresentado. Tal processo de destruição sistemática de um texto acadêmico, escrito com rigor e sacrifício de horas da vida e do convívio social cotidianos, acabou gerando um quadro típico de assédio moral. Nada que a doutoranda escreve é aceito; ao contrário, tudo é desqualificado, até a figura, a personalidade e o referencial analítico utilizado em seu trabalho.
Fui informada que a referida instituição não estimula idéias muito originais ou que destoem de seus parâmetros acadêmicos conservadores. Ora, os modismos acadêmicos, nós sabemos, são como pragas ou ervas daninhas que impedem o cultivo do novo e pesquisas que não sigam certos cânones teóricos. Acontece que a doutoranda, tendo uma fraca acolhida em sua faculdade, buscou novos espaços de conhecimento dentro da Universidade e os encontrou em disciplinas de outros dois departamentos. Entra aqui a questão da democracia e democratização do saber. Intercâmbios frutíferos não são encorajados, são desestimulados, pois ferem as vaidades dos titulares ou orientadores oficiais dos doutorandos.
Mediocrização dos saberes
Há mesmo certo clima de terrorismo na situação da doutoranda, que não cogitou em pedir troca de orientador, já que ‘isso não era bem visto’, segundo os preceitos informais do programa. Recorrer à instancia superior, nem pensar. Essas instâncias estão todas de acordo e o orientador tem plenos poderes (?). Contra uma máfia dessas, não há como recorrer.
Ora, isso tudo se passa na Universidade de São Paulo. Não foi à toa que seus estudantes fizeram prolongada greve no ano passado. No entanto, para os estudantes de pós-graduação, a maioria deles também professores, vindos de outros estados, personalidades já formadas e que não se deixam formatar pelos desejos modeladores dos luminares poderosos, embora nem tão iluminados a não ser devido sua unção como acadêmicos, não há consideração.
O que estamos constatando é preconceito, ojeriza, preguiça mental e falta de ética, pois figuras que deveriam contribuir para o adiantamento científico e cultural do país estão mais preocupadas em defender seus nichos de poder, mediocrizando assim os saberes advindos da pesquisa acadêmica não conformista e que utiliza conceitos advindos que não fazem parte da ciência de referência do programa de pós-graduação, embora confinem com ele.
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Professora universitária, Lagoa Santa, MG