Friday, 27 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O que podemos esperar das novas diretrizes

O Ministério da Educação divulgou esta semana a formação de uma comissão de especialistas que irá reformar o documento que hoje define as diretrizes curriculares para os cursos de Jornalismo. A comissão terá a trabalhosa missão de revisar uma norma que é um verdadeiro monstro de Frankenstein, isso porque o documento de que estou falando é tão amplo que abrange todos os cursos de Comunicação, indo do Jornalismo à Publicidade e Propaganda, da Editoração ao Cinema, da Fotografia ao Radialismo. Isso mesmo! Um único documento do MEC sinaliza para gestores, professores e comunidade como devem se guiar os cursos de graduação nas chamadas habilitações da Comunicação.


Neste sentido, a notícia da criação da dita comissão é uma boa notícia. Outra boa nova é a própria composição desse coletivo, que será presidido pelo professor José Marques de Melo, o mais proeminente nome da área na academia brasileira. Os demais componentes da comissão são os professores Alfredo Vizeu (UFPE), indicado pelo Fórum Nacional de Professores de Jornalismo (FNPJ), Eduardo Meditsch (UFSC), indicado pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Luiz Motta (UnB), indicado pela Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor), Manuel Carlos Chaparro (USP), Sonia Virginia Moreira (UERJ), da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom), Sérgio Mattos (UFBA) e Lúcia Maria Araújo, do Canal Futura.


Uma chance histórica


Pelo que pude acompanhar em dois ou três fóruns eletrônicos da área, a comissão foi bem recebida por seus pares, seja pelo histórico que acumula ou ainda pelo amplo arco de entidades que indicaram a sua composição. O trabalho começa já e a comissão tem 180 dias para concluir suas tarefas (ver aqui). Mas o que se pode esperar disso?


Antes de tudo, o momento é muito importante para a área da Comunicação em geral e para o Jornalismo em particular. Relevante porque a comissão de notáveis pode reparar equívocos como a esquizofrenia do documento das diretrizes atuais. Ao propor um documento voltado para o Jornalismo, certamente a comissão vai desencadear movimentos semelhantes nos demais campos assemelhados que compõem o amplo espectro da Comunicação. Assim, se publicitários estiverem bem articulados e suficientemente organizados, eles também poderão trabalhar por Diretrizes Curriculares mais afinadas com os objetivos e especificidades de sua profissão. Mas não só isso.


A elaboração de um documento próprio para o Jornalismo tende a reforçar a luta de diversos segmentos da academia que batalham por uma maior valorização e autonomia do campo entre as áreas de conhecimento. Essa luta vem se dando ultimamente na defesa de uma especificidade do Jornalismo na Tabela de Áreas de Conhecimento do CNPq, na proposição de cursos de graduação e pós em Jornalismo – veja o caso da UFSC – e na tentativa de fixação de uma prova exclusiva para o Jornalismo no Enade… (Estive na comissão que prescreveu as diretrizes para essas provas, mas fomos vencidos pela burocracia do Inep e pela indisposição de dedicar mais de recursos nesse produto, objetivando uma avaliação mais condizente e mais coerente…)


Um novo panorama


A elaboração de um documento voltado para o Jornalismo vem a calhar também num momento delicado para a profissão. Como todos sabem, o Supremo Tribunal Federal está para julgar o mérito da liminar que desobriga o porte de diplomas de ensino superior para a obtenção de registros profissionais de jornalistas. A edição de um documento que padronize, organize e sinalize bons caminhos para os cursos de graduação auxilia na compreensão geral da nação de que estudar faz bem, e que sempre é muito melhor contar com profissionais bem capacitados do que ‘talentosos de plantão’ ou ‘práticos’.


É importante lembrar ainda que outra comissão – na verdade, um grupo de trabalho – joga um papel importante nos próximos meses. Desde o final de 2008, o Ministério do Trabalho constituiu um coletivo que tem por missão elaborar uma nova regulamentação profissional para os jornalistas. Conjugados os documentos – uma nova lei da profissão, a decisão do STF e novas diretrizes curriculares –, teremos um novo panorama para o jornalismo no Brasil. Podem apostar…


Melhor ou pior?


É difícil prever o resultado do julgamento do Supremo sobre a liminar de 2001, e não é muito fácil imaginar que tipo de regulamentação teremos nos próximos anos. Mas os resultados do trabalho da comissão de especialistas, é possível de adiantar. Os erros do passado – como o currículo mínimo e a esquizofrenia atual – não serão repetidos. A variedade e amplitude das entidades que sustentam os membros da comissão também garantem que não haja um isolamento da academia frente o mercado.


Ouso dizer que podemos esperar dias melhores. Mas não posso deixar de me preocupar com o longo prazo destinado aos trabalhos. Sei que o trabalho não é pouco, mas seis meses é muito para a discussão, elaboração e redação do documento. Pior: se for demorar seis meses, o MEC vai se encarregar de demorar mais seis até editar a medida, e aí adentraremos 2010. Por isso, acho que a celeridade é fundamental nos encaminhamentos das próximas semanas. Se a comissão for ágil e não comprometer a qualidade, teremos mais condições de colher um documento melhor e mais determinante para o jornalismo. A tarefa não é nada simples, mas seus executores têm totais condições de cumpri-las, digo sem qualquer bajulação.


Se conseguirmos chegar à metade de 2009 com a decisão do STF – qualquer que seja ela –, com uma nova regulamentação profissional e com novas diretrizes curriculares, poderemos iniciar uma nova fase para o jornalismo brasileiro. A partir de 2010, estaremos começando uma nova década e não apenas no calendário…

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Jornalista, professor da Universidade do Vale do Itajaí (Univale) e coordenador do Monitor de Mídia, integrante da Rede Nacional de Observatórios de Imprensa (Renoi)