Thursday, 19 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

O STF e o jornalismo de qualidade

O Supremo Tribunal Federal tem em mãos a decisão sobre se o Brasil deve ter um jornalismo de qualidade ou não. No segundo semestre deste ano, o Supremo julga o Recurso Extraordinário (RE) 511961 que, se aprovado, desregulamenta a profissão de jornalista. Ou seja, extingue a obrigatoriedade do diploma em Curso de Jornalismo para o exercício da atividade. Com isso, qualquer pessoa pode desempenhar a função, implicando num retrocesso ao tempo em que o exercício do jornalismo dependia de relações de apadrinhamento, favores, compadrios e outros interesses que não o compromisso social do jornalismo nas sociedades democráticas.

De forma alguma o jornalismo, que tem no jornalista um especialista qualificado, representa um impedimento ou cerceamento de trabalhadores, sindicatos, movimentos sociais, ONGs, advogados, médicos, dentistas, políticos de se manifestarem das mais diversas formas em jornais, rádios, TVs e na internet. Não é só um direito constitucional, mas um princípio ético fundamental na democracia.

Descrição correta dos fatos

O campo do jornalismo não se limita à prática profissional. O jornalismo é um campo científico, um campo de ensino e um campo de práticas profissionais. Em relação ao primeiro, entendo o jornalismo como um campo com objeto, metodologias e teorias próprios, o que não exclui em nenhum momento, a atividade multidisciplinar com outras áreas do conhecimento. Num segundo momento, o jornalismo envolve toda uma atividade de ensino que vai contribuir decisivamente para a formação de novos profissionais. Por fim, é um lugar de práticas profissionais nas quais é exercida uma série de funções, todas ligadas à produção da notícia.

Retomando argumentos que utilizei num artigo que escrevi no Jornal do Commercio, de Pernambuco, lembro que o processo de elaboração da notícia exige um especialista, com formação teórica e prática, que tenha condições de estabelecer mediações entre a realidade global e o público ou audiência interativa que se serve de jornais, rádios, TV e internet. O presente social que o jornalismo contribui cotidianamente para construir é muito maior que a família, os vizinhos e o trabalho. Graças ao jornalismo, vivemos no mundo e sabemos um pouco o que está se passando em todas as partes.

O rigor do método é central para o jornalismo. Ele garante a objetividade e a verdade possíveis que resultam numa postura ética. Na investigação jornalística é preciso uma descrição correta dos fatos. Publicar unicamente informações cuja origem se conhece, ou senão acompanhá-las das reservas necessárias; não suprimir informações essenciais; não alterar textos, nem documentos; e retificar uma informação publicada que se revele inexata.

‘Algozes das consciências’

Esses procedimentos, apresentados de uma forma resumida, devem fazer parte do cotidiano do jornalismo. Na medida em que um jornalista procura ser objetivo, se aproximar da verdade dos fatos, ele está tendo uma postura ética com a sua atividade. Ele está imbuído de algo que é central no jornalismo: o respeito intransigente ao ser humano, a dignidade no tratamento com homens e mulheres.

O jornalista que seja tentado, como bem observa Daniel Cornu no livro Jornalismo e Verdade: para uma ética da profissão, publicado em 1999, a abrir mão do rigor do método, esquece o respeito ao outro, vítima, testemunha, parente, espezinha o respeito que deve a si mesmo: não é mais que um instrumento – um meio! – da informação. Está reduzido à função que o campo jornalístico lhe atribui. É prisioneiro de um determinismo reificante, de que o seu próprio cinismo não é capaz de o libertar. Se há rigor no método, a notícia se aproxima da objetividade e da verdade dos fatos, garantindo uma postura ética do jornalismo diante da realidade dos acontecimentos.

Por fim, tenho certeza que os juízes do Supremo Tribunal Federal vão decidir por um jornalismo de qualidade para o Brasil. Como alerta a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), com correção: ‘…os ministros do STF não podem permitir que se volte a um período obscuro em que existam donos absolutos e algozes das consciências dos jornalistas e, por conseqüência , de todos os cidadãos’.

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Jornalista, coordenador do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Contemporaneidade (PPGCOM) da Universidade Federal de Pernambuco