Não basta fazer a coisa certa; é preciso dizer a todos que você está fazendo a coisa certa. O pensamento, originado na mente do magnata empresarial John Rockfeller, foi um dos grandes responsáveis por revolucionar sua imagem perante a sociedade americana: de empresário com punhos de ferro a um benfeitor respeitável. Tudo através das relações públicas. Mas, em que lugar esse pensamento se encaixaria na ciência, ou, melhor dizendo, na divulgação sobre ciência?
A 67ª Reunião Anual da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), que aconteceu em julho na Universidade de São Carlos (UFSCAR), contou com pesquisadores e editores que debateram a importância de se levar a comunicação sobre ciência para o universo digital, principalmente as redes e mídias sociais. O tema tem ganhado contornos mais densos em discussões não só por aqui. O uso mais próximo e intenso de mídias sociais para a divulgação de informações acerca de pesquisas científicas foi defendido por participantes em um encontro de 2013 da AAAS (American Association for the Advancement of Science) em Boston, EUA, que já levantava o atraso dos cientistas no usa uso das mídias sociais.
Portanto, não basta fazer ciência, é preciso dizer a todos – ou pelo menos ao maior número possível de interessados – que você está fazendo ciência. Aliás, deve ir além: não basta divulgar que está fazendo ciência apenas entre seus pares, pois é preciso criar interesses na sociedade como um todo, conversando com os interessados e com parcelas de um público que possivelmente ainda irá existir.
Em um mundo altamente conectado, como o nosso, divulgar ciência significa, também, utilizar as ferramentas disponíveis no universo online digital, principalmente as redes sociais. Dentre elas, podemos destacar o Facebook (com seus mais de 1 bilhão de usuários), o Instagram, a rede social de microblogs Twitter e até mídias consolidadas, como os blogs e os fóruns. Mas quem avisa amigo é: apenas transpor o conteúdo de uma plataforma tradicional, como uma revista científica, por exemplo, para canais digitais é um erro fatal. E um erro muitas vezes sem volta.
O funcionamento “mercadológico” das ferramentas digitais
A comunicação científica como um todo, englobando tanto o jornalismo como a divulgação, necessita desses meios para dar uma guinada no interesse público. As chamadas mídias sociais digitais conectadas em rede, denominação com nome e sobrenome para as redes sociais, são plataformas dinâmicas e frenéticas que possuem linguagem e atmosfera próprias. Adentrar esse cenário com o mesmo pensamento com o que o jornalismo tradicional utilizou na migração para o digital pode não só impedir o interesse de novos leitores como, ainda, minar públicos já conquistados.
Isso é possível de ser observado quando jornalistas e divulgadores científicos falam dos canais digitais sem apresentar propriedade equivalente. A insistência em erros conceituais do que seria um blog, um podcast ou até mesmo a diferenciação existente entre uma publicação no Facebook e no Twitter demonstram que ainda há um abismo colossal entre a comunicação sobre ciência e a utilização estratégica dos meios digitas, ações que muitas vezes impõe um olhar do marketing em nossas atitudes. Marketing? Sim, o marketing. Um entendimento maior em marketing não significa transformar a ciência em um produto ou serviço de varejo, mas auxiliaria na manutenção de um pensamento mais ágil de como trilhar por esses canais.
As discussões entre pesquisadores e editores, tanto aqui como fora do país, demonstram que o setor já tem se aproximado desse universo, porém ainda há a necessidade de se levantar questões também técnicas nesse debate: o que são métricas? Como estipular metas tangíveis? Como adaptar o conteúdo sobre ciência nas diferentes linguagens? Como analisar os resultados?
Essas e outras questões podem ser levantadas toda vez que um divulgador de ciência se prender apenas ao número de visualizações ou número de acessos como resposta ao seu trabalho, por exemplo. Aliás, essa metragem (dos acessos e visualizações) já não é mais acompanhada tão de perto pelo mercado, e um entendimento maior do funcionamento “mercadológico” das ferramentas digitais poderia munir o jornalista ou divulgador científico de técnicas propícias para sua exposição nesse meio.
Exemplos de sucesso
Um outro ponto que também merece cautela é quanto ao nível profissional do trabalho. Uma revista científica, um instituto ou uma universidade não pode se dar ao erro de alocar um profissional sem repertório e com evidente despreparo para lidar com esses canais. A imagem dos pesquisadores e dos próprios centros estará em jogo, e um mal entendimento, por menor que seja, pode custar arranhões sérios, como perda de investimentos, associação indevida a temas polêmicos equivocados e, principalmente, resultar mais em desinformação do que informação perante o público.
Aliás, não só esses centros de referências, mas pesquisadores que não têm tempo para manter um blog e preferem lidar com as redes sociais de modo autônomo também devem redobrar a atenção, pois estão na linha de frente e uma exposição demasiadamente equivocada pode custar muito ao pesquisador, à pesquisa e, novamente, à sua divulgação perante quem o acompanha.
Um dos exemplos de maior destaque se dá na utilização de mídias sociais por parte da agência espacial norte-americana, a Nasa. Com dezenas de perfis criados em quase todas as contas – pelo menos nas mais conhecidas – a Nasa realiza um extenso trabalho nesses canais. Os perfis são subdivididos pelos centros e programas da agência, com atenção também voltada para o espanhol. Tem Facebook, Twitter, Instagram, YouTube, Google Plus, Tumblr e Flickr pra todos os gostos.
Com anúncios realizados nas mídias sociais e aparições ao vivo de astronautas com pronunciamentos direto do espaço, a Nasa coleciona uma legião de seguidores digitais que acompanham o trabalho inovador da agência. Há quem diga que o sucesso advém do nome de peso da agência espacial e do repertório imaginário que todos nós criamos acerca da agência através de Hollywood. Mas há quem vai além, classificando a estratégia utilizada como “genial”, termo empregado pela Wired, uma das principais publicações do mundo sobre o cenário digital, para descrever o trabalho lá realizado. A Popular Science, por exemplo, colocou em recente reportagem como a Nasa conseguiu transformar astronautas em verdadeiros superstars das mídias sociais.
Cuidados necessários com a exposição
Aliás, os termos superstar e mídias sociais possuem uma facilidade ímpar para andarem de mãos dadas. E nem é preciso ser a Nasa para conseguir isso. Elise Andrew, uma bióloga britânica de apenas 26 anos, está por trás de um dos maiores fenômenos das redes sociais, a página no Facebook “I fucking love Science”. Hoje Elise leva o título de blogueira e comunicadora sobre ciência.
E não é por menos. A página, criada em 2012 apenas com o intuito de reunir em um só lugar publicações sobre ciência que “importunavam” seus amigos quando publicadas em seu perfil pessoal, hoje já conta com mais de 22 milhões de seguidores, uma verdadeira mídia que é capaz de dialogar de maneira descontraída (inclusive com o uso de memes) sobre ciência e temas paralelos. Há o uso de blog, Twitter e vídeos no YouTube também. O sucesso rendeu à página e sua criadora o título de “a revista Mad sobre ciência”, termo cunhado pela Science World em alusão à famosa revista norte-americana Mad.
Porém a ideia de sucesso e superstar pode contribuir de maneira negativa quando absorvida de forma indevida – seja pelo divulgador ou pelo seu público. O poder que uma pessoa, uma instituição ou até mesmo uma notícia é capaz de ganhar nas redes sociais pode transformar qualquer ato aparentemente comum em potencialmente perigoso. As recentes discussões travadas por “especialistas do Facebook” sobre a cura do câncer, um suposto e milagroso medicamente medicamento, ainda sem testes em humanos, ganharam as redes sociais e, com isso, os sites de notícias.
O suposto remédio (que na verdade é apenas uma substância) é um composto químico (a fosfoetanolamina) desenvolvido pelo professor aposentado do Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da USP (Universidade de São Paulo), Gilberto Chierice, que passou a ser colocado como a cura definitiva do câncer. A repercussão nos meios digitais foi tanta que a própria USP foi obrigada a se manifestar sobre o assunto, ainda mais depois que liminares na justiça a obrigavam a produzir o componente para pacientes.
A devastação que a internet – e as redes sociais – pode gerar é comparável à velocidade de pólvora e faísca, usadas para iluminar ou destruir. O poderio que tais meios oferecem a centros de pesquisas reconhecidos ou a simples anônimos que querem debater sobre ciência reforça a ideia de que não basta estar nas mídias sociais, mas é preciso saber como atuar nessas plataformas, sobretudo em momentos de crise, ou seja, se um pesquisador, uma pesquisa ou um instituto é mal interpretado nesse ambiente, agir de modo adequado e rápido é mais do que essencial, pois pode impedir que uma desinformação em cadeia seja construída.
A superexposição da ciência no ambiente digital, quando não programada e bem desenvolvida, tem mais a desconstruir do que construir. É inegável que uma informação mal utilizada possa desencadear um processo negativo na percepção do público, ainda mais quando estamos falando em informação repassada a um determinado público. A alfabetização científica deve ser levada mais a sério quando “olhos de todas as partes estão atentos”.
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Cleyton Carlos Torres é jornalista, mestrando MDCC pelo Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo, Unicamp e editor do Mídia8!