Já faz algum tempo que a inconformada e desorientada oposição ao governo Lula, com o apoio da imprensa oligopolista, tenta criar clima de intriga internacional envolvendo Brasil, Bolívia e Venezuela. No caso Brasil-Bolívia, chegou-se a instigar um conflito armado entre as duas nações, antes mesmo de se definir, nos fóruns internacionais, uma questão contratual entre os dois países, em conseqüência da decisão unilateral do governo Evo Morales, que nacionalizou a extração de hidrocarbonetos em solo boliviano.
Quanto ao presidente Hugo Chávez, a imprensa brasileira já deixou bem claro: tudo que ele disser será usado contra si próprio e, se possível, contra o presidente Lula.
Na véspera da abertura da XVII Conferência Ibero-Americana, em Santiago do Chile, o governo brasileiro anunciou à nação e aos magnatas do petrobusiness a descoberta de uma das maiores reservas de petróleo do mundo, na Bacia de Santos. Tudo indica que setores da imprensa nacional esperavam que o ‘ditador Hugo Chávez’, ao tomar conhecimento da mais recente descoberta que, de um dia para o outro, elevou o valor da Petrobrás em cerca de 30 bilhões de dólares, declarasse: ‘Hay petróleo en Brasil? Soy contra’.
Microfones e câmeras à mão, os jornalistas esperaram o presidente venezuelano desembarcar no Chile e o abordaram consultando sobre os movimentos contra a reforma constitucional em seu país. Chávez respondeu cantando uma música do folclore mexicano, a qual parafraseia a máxima que trata sobre a impossibilidade de alguém agradar a gregos e troianos: ‘Não sou moedinha de ouro, para agradar a todos’.
Pessoal e intransferível
No último fim de semana os telejornais e as folhas virtuais e impressas dos maiores órgãos da imprensa brasileira deram destaque a uma fala do presidente venezuelano, interpretando o dito como ironia, porém o fizeram com tal ênfase que caracterizou a fala de Chávez como tendo sido um grosseiro sarcasmo ao presidente Lula. Dirigindo-se a Lula, Chávez o chamou de ‘magnata do petróleo’, uma clara referência ao que os seus próprios inimigos tentam lhe imputar.
Sim, há ironia na fala de Chávez, ao chamar Lula de ‘magnata do petróleo’, porém a sutileza de suas palavras tinha outro endereço, o seu objetivo era rebater os sarcasmos dos seus opositores, que tentam qualificá-lo como ditador à maneira de um sheik saudita. ‘Magnatas do petróleo’, todo mundo sabe, são pessoas como Bush e seus familiares. Também a família Bin Laden, que mantém relações estreitas com os texanos ‘donos do mundo’.
Para entender por que Chávez chamou Lula de ‘magnata do petróleo’, precisamos atentar para outra revelação que o presidente venezuelano fez durante a Conferência em Santiago do Chile.
Chávez denunciou que, tempos atrás, o ex-chefe de governo espanhol José Maria Aznar lhe fez uma proposta indecorosa: ‘Venho convidá-lo a nosso clube, ao Primeiro Mundo, tens petróleo, basta escolher’. Nesse caso, Aznar não apenas insinuou que Chávez seria um ‘magnata do petróleo’, foi bem mais adiante: tratou-o como tal; tratou Chávez como se estivesse negociando com um sheik saudita.
José Maria Aznar convidou Chávez para o seu clube de magnatas, certamente um convite pessoal e intransferível ao povo venezuelano, que seria barrado na porta do tal clube primeiro-mundista.
Sugestão ao chargista
Sabe-se que Aznar é ferrenho inimigo do governo cubano, que hoje encontra em Chávez um dos seus mais importantes aliados. Aznar é membro de outro ‘clube’, o Comitê Internacional para a Democracia em Cuba, e sua missão seria aliciar Chávez para participar de uma entidade cujas regras certamente determinam que o candidato a sócio deve ser inimigo de Fidel Castro.
Em 2004, Aznar declarou numa reunião da entidade anticastrista:
‘Cuba fue un satélite de Moscú mientras existió la Unión Soviética. Hoy como ayer, nuestra responsabilidad es ayudar a aquel pueblo a instaurar un régimen de libertades. Con el mismo grado de compromiso que demostramos en su día para conseguir la Democracia en toda Europa. (…) Pido hoy aquí a todas aquellas personas que se han manifestado contra cualquier gobierno democrático del mundo que lo hagan también contra las violaciones de los derechos humanos en Cuba’.
Foi esse mesmo José Maria Aznar que, certa ocasião, ao ser instado por Chávez a ajudar países pobres, como, por exemplo, o Haiti, respondeu: ‘Esses que se f…’.
Daí podemos entender a ironia de Chávez ao chamar Lula de ‘magnata do petróleo’. Com isso o presidente venezuelano quis alertar, a partir de sua experiência como chefe de uma nação-membro da OPEP, sobre as possíveis propostas que poderão ser formuladas ao presidente brasileiro: uma ilusória participação no clube dos magnatas do petrobusiness.
Se Chávez tivesse aceitado a proposta dos ricos, da qual Aznar foi porta-voz, hoje teria o apoio deles para a reforma constitucional que lhe dará direito a ilimitadas disputas à reeleição.
Lula, ao se tornar ‘magnata do petróleo’, pode até vir a receber o apoio do clube dos ricos para um terceiro mandato. Para isso o presidente precisaria tornar real a charge de Chico Caruso em O Globo de domingo (11/11): vomitar o petróleo brasileiro na cara do boliviano Evo Morales.
Para o próximo domingo, sugiro ao chargista global que desenhe o presidente Lula aliviando-se de uma incômoda flatulência no gasoduto Brasil-Venezuela; do outro lado, os gases explodindo na cara de Chávez.
Saudades do Henfil.
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Escritor, Rio de Janeiro, RJ