Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Ocupação na USP e crise de identidade

Se perguntassem ‘Onde você vive?’, para nós, brasileiros, a resposta mais provável seria: ‘Vivo no Brasil, um país tropical, bonito por natureza, de economia liberal, democrático, com população de aproximadamente 190 milhões de habitantes.’

Pois é, o fato é que completam-se hoje [15/4] 12 dias da ocupação da reitoria da USP pelos seus estudantes. São alguns brasileiros lutando pelo direito de milhões. Pois, embora seja difícil de compreender para uma grande parte da sociedade brasileira – principalmente seus políticos e empresários –, esses estudantes não estão em uma universidade apenas para aprimorar seus conhecimentos e adquirir uma formação acadêmica, que lhes resultará, num futuro próximo, em sua profissão. [Ver, neste Observatório, ‘Notícias falsas sobre ocupação na USP‘ e ‘A cobertura sobre a ocupação da reitoria da USP‘]

Toda a sociedade lucra com a boa formação desses estudantes e é exatamente por isso que a maneira como o governo do estado de São Paulo se coloca em relação às universidades é, no mínimo, irresponsável e imediatista. Ao criar uma Secretaria de Ensino Superior, que irá em breve administrar os recursos financeiros das universidades paulistas – USP, Unesp e Unicamp –, o governo do estado priva essas instituições de gerir seus próprios recursos e investi-los no que elas, com toda competência e conhecimento prático que têm para isso, julgam necessário.

Onde estão os estudantes?

As universidades são mais que instituições de ensino superior. São centros de pesquisas que trabalham para melhorar a qualidade de vida da população. É claro que algumas pesquisa demoram anos para gerarem algum resultado e algumas delas falham, mas erros são cometidos a todo momento e não se pode julgar uma vida de trabalho produtivo por cinco minutos de fracasso.

Por isso, ao ocuparem a reitoria da USP, seus estudantes estão cobertos de razão. O estranho disso tudo não é a ocupação, nem a resposta da reitoria, mas o tratamento dado pela sociedade a esse fato. A Folha de S.Paulo, por exemplo, em seu site na internet, publicou na terça-feira [8/5] uma notícia, no mínimo, tendenciosa. Como constava no próprio artigo – que classificou os estudantes como violentos e opressores em relação aos funcionários da universidade, inúmeras vezes repetido – ‘…de acordo com a reitoria…’ Ou seja, toda a notícia foi escrita baseada na versão de apenas uma das partes envolvidas. Diante dessa notícia, não parece estranho os funcionários declararem, hoje, terça-feira, dia 15 de maio, que amanhã entrarão em greve em apoio aos estudantes?

A imprensa brasileira está mostrando o fato pela metade, ou melhor, a sociedade brasileira está olhando para isso pela frestinha da fechadura, e o que é pior, muitos brasileiros, sequer, se deram ao trabalho de olhar. Entre eles, infelizmente, encontram-se também alguns estudantes. Afinal, onde estão os estudantes da Unesp e da Unicamp? Basta apenas a USP protestar? E os estudantes do resto do país? Como o problema está em São Paulo, não é preciso uma manifestação de apoio. É isso?

Imprensa pouco esclarecedora

A tentativa do estado paulista de terceirizar a universidade, através de parcerias com grupos empresariais privados, pode se estender para todo país, mas, mesmo que isso não ocorra, essa castração da autonomia universitária fere os princípios da Constituição brasileira. Mais que isso, fere a sociedade, jogando-lhe na cara o pouco valor que ela tem para o governo, que prefere entregar de bandeja a mão-de-obra e o conhecimento de seus estudantes para empresas particulares, que trabalharam em benefício próprio, preferindo se livrar de gastos que julgam excessivos a assumir sua responsabilidade de trabalhar pelo bem público.

A apatia da imprensa, do governo e da sociedade, com raras exceções, reflete a ausência de consciência cidadã de que o Brasil sofre. Se, por um lado, a sociedade tem culpa por ser omissa e conivente com situações absurdas como esse novo projeto de lei sobre o ensino superior do governo de São Paulo, por outro, essa omissão se confunde com a desinformação, claramente mostrada na cobertura feita pela imprensa sobre o episódio.

Agora, se me perguntassem onde eu vivo, eu diria, ‘Vivo no Brasil, um país que está acabando com sua beleza tropical, de economia liberal, com as mais altas taxas de juros, democrático quando lhe convém, com cerca de 190 milhões de habitantes que pouco conhecem sobre si e sobre seus direitos, têm seus olhos tapados por uma imprensa pouco esclarecedora, às vezes, e sua boca calada, quase sempre, por medidas imediatistas e assistencialistas de um governo que pouco faz, realmente, para seu crescimento a longo prazo.

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Estudante de Jornalismo na Universidade Estadual de Londrina, PR